O escritor Ferreira Gullar vota José Serra. Vê Dilma como “uma marionete” e Lula como um “ignorante”, “mentiroso”, com “fome de poder”, que é “a vergonha do Brasil”.
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"Ele [Lula] nunca leu um livro", diz Ferreira Gullar (Foto: DR
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Aos 80 anos, Ferreira Gullar
continua de cabeleira branca pelos ombros e mão enérgica a bater na mesa,
quando sobe de tom, no seu apartamento cheio de livros e quadros, em
Copacabana.
Parece tão em forma quanto
está: “Não tenho nenhuma doença.”
Nascido em São Luís do
Maranhão, Nordeste do Brasil, vive no Rio de Janeiro desde os 21 anos. Foi
comunista filiado, lutou contra a ditadura, esteve preso. Tem uma longa e
variada bibliografia, com destaque para a poesia. Recebeu este ano o Prémio
Camões, o mais importante da língua portuguesa.
A conversa começou exaltada e
terminou amena. Ferreira Gullar explicou depois que tivera umas conversas políticas
que o tinham irritado. E mais para o fim da entrevista dirá, meditativo:
“Possivelmente nós vamos perder a eleição.”
A campanha ferve.
Publicou um texto chamado
“Vamos errar de novo?”, (aqui) a apelar ao voto em José Serra. Não faz parte de
nenhum partido. Porque sentiu necessidade de intervir?
Como cidadão, não só tenho o
direito como o dever. Sempre participei politicamente.
É uma eleição bastante
importante. Pode significar uma mudança para o país e ter consequências sérias.
Há quem ache o contrário, que
nada de essencial se vai alterar, seja quem for que ganhe.
[Batendo com a mão na mesa] A
permanência do PT no poder é uma ameaça à democracia brasileira. Está vendo o
que acabou de acontecer? Espancando o Serra!
Foi um rolo de papel
[atirado à cabeça de Serra num passeio de campanha].
Ah, não, isso é o que o Lula
diz. Não acredito no Lula, é um mentiroso.
A campanha de Serra é que diz que foi um rolo de autocolantes de campanha.
Um rolo pesado. E uma repórter
da “Globo” levou uma pedrada na cabeça. Mas não importa o que foi. Não tem que
agredir os outros.
Acha que é um sintoma de
como a campanha está?
Não, o PT é isto. A televisão
mostrou um vídeo [dos anos 90] com José Dirceu, então presidente do PT,
dizendo: “Esses nossos adversários vão ter de apanhar na rua e nas urnas.” O
que é que acha disso? Apanhar nas ruas faz parte da campanha? Eles espancam as
pessoas. Eles espancaram duas vezes o Mário Covas [governador de São Paulo nos
anos 90, já desaparecido, fundador do PSDB]. O PT é fascista.
A Dilma também ia apanhando
com sacos de água. A minha pergunta…
O PSDB se caracteriza por ser
um partido pacífico. Não é que sejam santos. É que não é o estilo deles. No
caso do PT, não. O PT é isto. Vem dos sindicatos, que são dominados por
gangues. O Lula pertencia a um deles. São gangues, que ocupam as instituições,
a máquina do Estado. A Petrobras hoje está infiltrada de gente do PT e dos
sindicatos.
Em relação ao currículo do
Serra, o senhor cita a criação dos genéricos, o plano de tratamento da sida.
Exemplos de currículo como ministro da Saúde, como ele foi no governo Fernando
Henrique. Por que acha que ele daria um bom presidente?
Porque foi um excelente
governador em São Paulo. As obras dele no plano social, da saúde, da educação,
comprovam que é um homem responsável e um administrador efectivo. Como
prefeito, a mesma coisa. Agora, a Dilma, sabe de alguma coisa que ela fez?
Todo o mundo conhece o José
Serra no Brasil. Ele tem quase 50 anos de vida pública, e nunca foi acusado de
ser corrupto, safado, de se apropriar de dinheiro público, de entrar em
falcatruas. Será que isso não é um crédito?
Maria da Conceição Tavares
[ver entrevista], que conhece muito bem Serra desde o exílio no Chile, diz que
ele mudou para a direita. Como comenta isto?
Queria só que ela me
explicasse se ela é de esquerda. Porque, veja bem, o Lula é aliado do Collor
[de Melo]. Ele é de esquerda? Por acaso a campanha deles é de esquerda? Aliado
com Collor, aliado com o bispo [Marcelo] Crivella, que é um safado, braço
direito do bispo [Edir] Macedo, que enriqueceu com o dinheiro das empregadas
domésticas, criando a Igreja Evangélica do Reino de Deus. Acha que isso é
esquerda?
Estou a pedir-lhe um
comentário em relação ao que Maria da Conceição Tavares disse sobre Serra.
A Conceição Tavares afirmar
que o Serra é de direita supõe que a Dilma é de esquerda. Então eu estou
dizendo quais são os aliados da Dilma.
Acha que a Dilma não é de
esquerda?
A Dilma de esquerda? Mas o PT
não é de esquerda. É um partido corrupto. O PT de esquerda já acabou há muito.
O comunismo chegou ao fim. Nós
todos, que participámos dessa aventura, somos obrigados a reconhecer isso.
Cumpriu a sua tarefa, mudou o mundo, a relação de trabalho, as conquistas dos
trabalhadores, tudo foi consequência de uma luta que começou com o Manifesto
Comunista, de 1848. E esgotou a sua tarefa. Então se acabou a URSS, alguém
sonha que vai fazer socialismo no Brasil? Só piada. Só o Hugo Chávez.
Não é isso que Lula e Dilma
propõem.
Estou abrangendo a coisa de
maneira ampla. Porque é que as FARC [guerrilha colombiana] viraram uma
organização de narcotráfico? Porque não têm mais perspectiva. Vai fazer
revolução na Colômbia? Socialismo? Acabou na URSS, acabou na China e vai
começar na Colômbia?
Sempre que se fala no Serra,
as pessoas acabam a falar do Lula, e eu queria falar um pouco do Serra. Se a
Maria da Conceição disse que ele era de direita, estou mostrando que isso é uma
bobagem. Eu conheço a Maria da Conceição, é minha amiga. E ela própria não é de
esquerda, porque ninguém é mais de esquerda! Acabou isso, gente.
Acha que já nem existe
esquerda?
Lutámos pela reforma agrária,
pelas conquistas dos trabalhadores. Alguém hoje é contra a reforma agrária no Brasil?
Como vai distinguir direita de esquerda? Essa diferença só existe na cabeça da
Conceição Tavares e de algumas outras pessoas.
Falei com pessoas que iam
votar Serra mas ficaram desapontadas com a discussão em torno do aborto.
Acharam que o PSDB e Serra não a deviam ter levado naquela direcção, tornando-a
religiosa, ao tentarem pôr em causa a eventual contradição de Dilma.
Essa questão do aborto não foi
levantada pelo Serra. O problema real é o seguinte: o PT é a favor do aborto, a
Dilma é a favor do aborto, eu sou a favor do aborto. O Serra tem a mesma
posição. Agora, com a candidatura da Marina, os religiosos tomaram uma posição
que ameaçava todos os candidatos. Então a Dilma tratou de tirar o corpo fora e
o Serra também. Falaram: “Não, não quero perder o voto dos religiosos…”
É isso que pergunto, não
foi tudo uma falsa discussão?
Você entregaria uma empresa
sua para ela dirigir, sem ter tido qualquer experiência anterior?
Mas deixe-me perguntar-lhe…
[Ferreira Gullar zanga-se por
estar a ser interrompido e propõe acabar a entrevista. Acabamos por retomar no
ponto em que ele estava.]
Eu tenho uma empresa. Porque o
meu tio me disse que Maria é competente, sem ela nunca ter gerenciado nada, vou
entregar a ela? Não entrego. Compreende? Essa é a situação. Não estou dizendo
que o Serra é perfeito. O Serra tem mais que mostrar do que ela. Eu tenho mais
confiança nele porque ele tem trabalho feito, e ela nenhum! A Maria da
Conceição e o Chico Buarque só votam nessa coisa porque têm nostalgia da
esquerda! Têm de abrir a cabeça para um mundo novo! O comunismo já era, acabou!
Sem contar que foi uma besteira. O que é que é Cuba? Eu defendi Cuba, fiz
poemas sobre Cuba. É um fracasso completo! Como podem defender uma sociedade em
que as pessoas não têm o direito de sair de lá? Em troca de quê? Terá por acaso
riqueza lá? Não. É miséria, subdesenvolvimento económico e falta de liberdade.
Eu não vou defender isso, meu Deus. Quero ter o direito, se acho que o país é
uma merda, de sair daqui na hora que eu quiser. Compro uma passagem e vou para
Lisboa! Agora! Não tenho de pedir licença a ninguém! E o Chico e a Maria da
Conceição defendem isso! Que moral têm essas pessoas para defender alguma coisa
justa? Aí fica o Serra de direita? É de direita porque não concorda com isso.
Ser de esquerda é o quê? Achar que as pessoas não têm o direito de sair do seu
país quando quiserem? É isso que é ser de esquerda? Isso é uma besteirada. Tem
de acabar com essa conversa. Eles têm medo de serem chamados de direita. Eu não
tenho. Porque eu não sou. Tenho a certeza absoluta da minha entrega a uma luta
a favor das pessoas, de uma sociedade melhor. Não tenho de dar explicação a
ninguém. Mas o Chico tem medo de parecer que é de direita. Problema deles.
Quando é que o Serra foi de
direita? Um cara que teve de ser exilado, que lutou contra a ditadura, que
sempre defendeu posições a favor de uma sociedade mais justa, medidas a favor
das pessoas mais pobres, e tomou medidas efectivamente. Quando o Serra conseguiu
introduzir os genéricos, a minha mãe, estava em São Luís do Maranhão, doente. E
sabe o que é que o PT espalhou? Que o genérico era falso, que era só farinha e
terra, não era remédio. Eu mandava dinheiro para comprar remédio para minha
mãe, e falei: “Comprem genérico.” E o meu irmão falou: “Ah, não, genérico é
terra. O PT já nos explicou.” Isso é o PT.
O que achou do “show” de
apoio a Dilma com Chico Buarque, Oscar Niemeyer, Leonardo Boff, no Teatro Casa
Grande, aqui no Rio [segunda-feira passada]?
Campanha eleitoral. Hoje o
Teatro Casagrande se chama Oi Casagrande, porque a empresa Oi mandou botar. Não
tem mais nada a ver com aquele passado. Eu pertenci ao grupo que realmente
lutou contra a ditadura, o Opinião. Nunca ficou rico. Fomos todos presos.
O senhor foi preso com o
Gilberto Gil e o Caetano em 1968.
É. Mas o nosso teatro teve
bomba lá dentro. E começou a lutar em Dezembro de 1964 [meses depois do golpe
militar].
O senhor filia-se no
Partido Comunista do Brasil no começo de 1964, não é?
Entrei no dia do golpe, 1 de
Abril de 1964.
Toda a gente conhece o seu
percurso contra a ditadura, e o percurso do Serra também. Mas vamos esquecer
essa parte da direita e esquerda. Em relação à Dilma, o senhor diz que ela é
uma desconhecida. Mas foi ministra…
Sem qualquer expressão. O que
é que ela fez como ministra? Nada. Foi secretária no Rio Grande do Sul, e
segundo a informação de lá foi um fracasso completo como administradora.
… e foi Chefe da Casa Civil
de Lula, o que lhe dá um conhecimento de todo o governo.
Mas a Casa Civil é um orgão de
assessoria do presidente. É técnico, não realiza nada. Quando diz: “Nós
fizemos…” É tudo mentira, não fez nada. Não estou dizendo se é competente ou
não, não sei. Agora, que fez, não fez.
Porque é que o senhor acha
que é ela a candidata?
Porque o Lula quer voltar em
2014. E então botou uma marioneta. Uma pessoa que milita na política desde os
17 anos e nunca se candidatou: acha que é porquê? Nunca se candidatou a nada e
vai-se candidatar a presidente da República porque o Lula inventou. Não foi
iniciativa dela. Jamais se atreveria. O Lula fez as contas e viu que para
voltar tinha de botar uma marionete. Se pusesse um cara como o Ciro Gomes
[ex-candidato à presidencia, que depois foi ministro de Lula], não ia voltar,
porque o Ciro ia se recandidatar.
Acha que a estratégia do
Lula é essa?
É. O Lula é a fome do poder.
Transparece nele. É a arrogância. Como toda a pessoa ignorante, chega a um
ponto e não tem autocrítica, não tem medida. Ele disse várias vezes que é o
único presidente do Brasil em 500 anos. Porque veio do povo. Do povo veio
também Fernandinho Beira-Mar, do povo vem qualquer coisa.
Para quem não sabe,
Fernandinho Beira-Mar é um narcotraficante.
Um bandido, homicida, dos mais
cruéis. Veio do povo. Mais povo que o Lula.
Então, tem de ver o que o cara
fez. Ele nunca leu um livro. Acha que uma pessoa que nunca leu um livro pode
conhecer o Brasil? Sabe do Brasil como? De orelha?
Que nunca leu um livro?
É. O Lula. Ele declarou,
pessoalmente.
O senhor acredita nisso?
Ele declarou, em 1980. Disse:
“Só leio jornal.” E depois declarou: “Nem jornal, porque vive me perseguindo.”
Todo o mundo sabe que ele não lê. Foi deputado federal e não participou em
nenhuma Comissão. Não fez nada. Não parou no Congresso, porque não aguenta. Ele
não conhece leis, como é que vai ser deputado? Se vai fazer leis, tem de
conhecer as leis que existem. E ele não lê, tem horror disso. Só faz política.
Ganhou a eleição em 2002 e não saiu do palanque até hoje. Não é ele que
administra o país. Ele só se reúne para saber se aquele projecto que o ministro
tal está propondo prejudica a popularidade dele ou não. Se prejudica ele não
quer saber qual é a consequência.
O senhor sempre o viu
assim, ou houve algo que tenha mudado a sua visão?
Defendi a criação do PT quando
o Partido Comunista, ao qual eu pertencia, era contra.
Mas em relação a ele? Li
que o ouviu no Teatro Casa Grande e logo aí não gostou do tom.
Achei estranho as bobagens que
disse. A primeira coisa foi que era contra a burguesia de Ipanema. Só que todas
as pessoas que estavam ali, nós todos, éramos de Ipanema [ri]. Então não sabe
nem do que está falando. Ele é o maior mentiroso que já conheci. Fala com uma
arrogância inacreditável as maiores mentiras como se estivesse dizendo uma
verdade sagrada. Ele é uma coisa especial, isso eu sou obrigado a reconhecer.
Nunca vi alguém falar uma mentira com tanta convicção, com tanta paixão,
sabendo que é mentira.
O Lula tem 80 por cento de
aprovação. Como explica esta popularidade? Quer dizer que 80 por cento das
pessoas estão enganadas?
Primeiro, ponho em dúvida o
resultado da pesquisa. As últimas pesquisas davam a Dilma vitoriosa no primeiro
turno. Davam que a Marinha tinha 10 por cento e teve 20 por cento. Então,
pesquisa… E essa do Lula nunca foi testada. Não se sabe se isso é verdade. Que
tem popularidade tem, mas o índice não sei.
O demagogo, que visa
conquistar as pessoas, e com a veemência que ele tem, porque é de facto um
orador convincente… Acho que é isso que explica [a popularidade].
Bolsa Família. Foi ele que
criou? Chamava-se Bolsa Alimentação, criada pelo Serra, no governo Fernando
Henrique. E o Lula foi para a televisão dizer que a Bolsa Alimentação
transformava o trabalhador em mendigo. Era contra a Bolsa Família que então se
chamava Bolsa Alimentação! Enquanto isso, o ministro da Educação criou a Bolsa
Escola. O Lula veio, juntou as duas e botou o nome Bolsa Família. A base da
estabilidade financeira do Brasil se chama Lei de Responsabilidade Fiscal. O
PT, orientado pelo Lula, votou contra na câmara e no congresso, perdeu nos
dois, entrou com uma acção no Supremo para anular a lei. E até hoje essa acção
está no Supremo. Essa lei impede que os prefeitos e governadores gastem além do
que recolhem de imposto, porque isso tornava a inflacção do Brasil
incontrolável. Com essa lei, acabou.
O PT foi contra tudo o que
todos os governos fizeram: Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique. Tudo!
Negaram-se a assinar a constituição em 1988!
O senhor acha que isso
significa o quê?
Que não têm responsabilidade
com o país. São um grupo de demagogos que querem o poder e se opõem a tudo.
Vêem em cada medida correcta uma ameaça ao futuro poder deles. Se tivessem
conseguido anular a Lei da Responsabilidade Fiscal, anular o Plano Real, em que
o Lula foi para a televisão dizer: “Isto é uma mentira eleitoral que não durará
três meses.” Ele disse isto, todo o mundo sabe. É que o país não tem memória.
Se tivessem conseguido anular
essas medidas, não haveria governo Lula, porque ele herdou e se apropriou de
tudo o que foi feito antes, que ele combateu ferozmente!
PT e Lula dizem, por
exemplo, que herdaram a dívida externa, que quando começaram a Bolsa Família a
situação estava muito má, e que conseguiram dar a volta a isso. O Brasil passou
a ser credor, em vez de devedor.
Escuta, o Fernando Henrique,
com as medidas que tomou, acabou com a uma inflacção que chegava a dois mil por
cento ao mês. Quando o Lula se apresentou candidato, contra todas essas coisas,
evidentemente criou uma crise económica, porque todos os investidores
estrangeiros tiraram o seu dinheiro, assustados com o que ia acontecer. Ele
estava na frente, ia ser o presidente da República. A crise que se criou foi em
função dele. Depois, quando escreveu a carta à nação brasileira em que dizia
que abria mão de todas as coisas que tinha dito antes, e virou o
Lulinha-Paz-e-Amor, aí as pessoas voltaram. Mas a inflacção já tinha sido
deflagrada. Pouco tempo depois o equilíbrio voltou quando as pessoas perceberam
que ele ia fazer o mesmo governo do Fernando Henrique.
Pegou o Bolsa Família, que
atendia 4 milhões, e botou para 11 milhões. O que significa um terço da
população brasileira. Ao juntar os dois programas tornou impossível fiscalizar
de facto a realização. Todo o mundo sabe hoje que o sistema é: eu recebo Bolsa
Família enquanto estou desempregado. O que é que os trabalhadores fazem? Se
empregam e pedem para o patrão não assinar a carteira de trabalho. Então, ficam
ganhando salário e bolsa. Como são 50 milhões não dá para fiscalizar.
Tem vários municípios no
Maranhão em que ninguém trabalha. Vive todo o mundo do Bolsa Família.
O senhor que vem lá do
Nordeste, a região mais pobre do Brasil, não é sensível ao facto do Lula ser o
homem que tira uma fatia dos brasileiros da miséria e faz deles cidadãos,
pessoas que podem ter uma conta no banco, que podem comprar uma geladeira
[frigorífico]?
Exactamente porque conheço o
Nordeste é que tenho um juízo diferente. Primeiro, no Nordeste ninguém passa
fome. Todo o mundo tem um pedacinho de terra. Essa miséria que tem na cidade
não tem no campo. A outra coisa é o que contei do remédio genérico. O que tem
no Nordeste é falta de conhecimento, de informação e a propaganda que o PT faz.
Onde há mais necessidade, e a pessoa ganhou o Bolsa Família, é claro que fica
grata. Mas isso é a fonte do populismo. Porque é que o [Paulo] Maluf é votado
em São Paulo até hoje, apesar de ser ladrão, comprovado? Porque deu casinhas
para uma porção de gente. É o lema que se conhece no Brasil: “Rouba, mas faz.”
Essa é a explicação para o Nordeste. Exactamente quem é mais miserável,
qualquer coisa que dê ganha ele. Difícil é conquistar o cara que vive por sua
conta. Difícil é conquistar a mim, que trabalho e vivo do meu dinheiro. Não me
conquistam comprando, como o Lula comprou todos os pobres do Brasil. Por isso é
que ele tem 80 por cento de aprovação. Ele comprou os pobres. Não tem
preocupações de fiscalizar, e pôr em prática a natureza do programa, que é
quando o cara conseguir trabalho sair do programa. Ele quer que tenha cada vez
mais gente no programa. Ou seja, pessoas sem trabalho e dependentes da bondade
dele. Não está precupado em resolver problema social nenhum.
O Lula é um esperto. Só pensa
no poder dele. Foi para o Ahmadinejad fazer o quê? Um bandido. Um facínora. O
cara que diz que não houve Holocausto. Que diz que o atentado das Torres Gémeas
foi uma invenção dos americanos. Esse cara não tem qualificação de estadista. E
o Lula trata ele como se fosse um estadista. Foi para lá achar que ia resolver
o problema da pacificação, porque ele é doido. É megalomaníaco.
O argumento de Lula e do PT
é que ele está a tentar fazer a ponte entre Norte e Sul, Ocidente e Irão.
Veja o seguinte. Aquela luta
dos palestinos lá, tem mais de 60 anos. Todos os estadistas do mundo tentaram
resolver e não conseguiram. E o Lula vai conseguir, sem ter lido um livro?
Realmente! Alguém acredita nisso? O Lula, que mal sabe quem é. Chega lá no
Oriente, quando o Brasil não tem nada a ver com aquilo lá. Não está ligado
efectivamente aquela parte do mundo. Demagogo. Para ter projecção
internacional, porque ele é mega. Ele é a vergonha do Brasil. É uma vergonha.
Mas tem prestígio
internacional. Como explica isso?
Tem prestígio na área que acha
que operário é melhor. É a herança marxista que ficou. Hoje, todo o professor
universitário acredita nisso. Operário é o salvador do mundo.
Estou a falar de governos.
Ele tem prestígio entre governos.
Isso vem do facto do Brasil
eleger um operário presidente da República. E as pessoas não têm conhecimento
do que acontece aqui. Será que um redactor do “Le Monde” conhece o Brasil mais
do que eu? Não conhece. Sabe de ouvir dizer. Há uma lenda em torno do Lula.
Alguém sabe o que aconteceu
quando ele foi preso? Alguém leu a entrevista do César Benjamin, quando o Lula
entrou na prisão, a primeira, única vez em que foi preso? [Põe uma voz de
mânfio]: “Aqui não tem mulher? Como é que vai ser ‘trepar’ [ter sexo] aqui?”
Foi a primeira pergunta dele ao ser preso. Isso é que é o Lula.
A Heloísa Helena, que foi do
PT até há pouco tempo, nos contou: “Vocês não conhecem quem é o Lula, como ele
trata as pessoas, nas reuniões.” [Ferreira Gullar projecta a voz]: “Ó seu
‘veado’ [maricas], quer parar de falar isso?’, “Cala a boca, ó ‘veado’. Filho
da Puta.” É assim. Ele é isto. O Lula é essa grossura.
Outro dia passou um pequeno
vídeo, ele com o governador do Rio, e um menino de favela. Não sei como, alguém
com celular, filmou. [Lula falou] assim para o garotinho: “O que é que você
gostaria de ser?” “Eu gostaria de ser tenista.” E o Lula: “Ó seu ‘veado’, ténis
é coisa de burguesia!” Para o garoto!
Chamou “veado” ao garoto?
“Ténis é coisa de burguesia,
cara!”
Mas chamou “veado”? [No
vídeo, o que Lula diz ao garoto é: “Tenis é esporte da burguesia, pôrra.” Não o
trata por “veado”.]
Sei lá. Insultou o garoto. O
que importa é que tratou o garoto como se fosse um adulto. O verdadeiro Lula é
este. A minha felicidade é que dentro de três meses ele sai da televisão e
me deixa em paz. Pára de mentir.
É mesmo uma coisa violenta
para si, essa relação com o Lula.
Porque ele mente sem parar. Eu
amo o meu país e tenho horror a uma pessoa que fez com o Brasil o que ele fez.
Ele é uma grande embromação. Tenho a certeza de que muita gente na Europa acha
que o Lula é de facto o que muita gente acha que ele é. Mas eu sei o que ele é.
A primeira coisa que fez aqui no Rio, depois das bobagens que disse sobre a
burguesia no Teatro Casa Grande, foi transar a mulher de um burguês, amigo
dele, burguês de esquerda, da alta aristocracia carioca. Virou amante dela numa
semana. Esse é o Lula. Não tem nada a ver com classe operária, com coisa
nenhuma. É um espertalhão.
A Maria da Conceição
Tavares diz que hoje ele é um social-democrata.
Quem ensinou ao Lula isso? Foi
ela? Porque ele não lê livro nenhum. Quem é que ensinou a social-democracia
para ele? Ela está muito enganada com ele. O pessoal de esquerda não quer
aceitar que isso acabou. Meu amigo Oscar [Niemeyer] não quer aceitar. O nosso
querido Saramago não queria aceitar. É chato aceitar. Eu também vivi, me
enganei, fui para o exílio. A diferença é que não posso me enganar a mim. Sou
obrigado, doídamente, a reconhecer que acabou. Fui reler as coisas, e
reconhecer o grande equívoco.
O Manifesto Comunista marca
uma mudança radical na história da humanidade, contra um capitalismo selvagem,
que tirava crianças de orfanato e as punha a trabalhar até morrerem.
Trabalhador com 60 anos morria na sarjeta, não tinha aposentadoria. Não havia
jornada de trabalho definida, não havia salário defenido. O Marx foi um homem
de um grande carácter quando se revoltou contra isso, e mudou essa relação de
capital e trabalho. Agora, a sociedade sonhada, depois da ditadura da
burguesia, ditadura do proletariado nunca houve, e nunca, em governo algum,
operário mandou em nada. Foi o partido que dirigiu a URSS, a China,é o partido
que dirige Cuba.
Houve uma série de equívocos:
quem cria riqueza é o trabalhador, e o outro explora a riqueza e não trabalha.
É mentira. Sem empresário não existe trabalhador. O empresário é um intelectual
empreendedor. E como nem tudo o mundo é romancista, é sociólogo, nem todo o
mundo é empresário. Eu tenho um amigo que é empresário e ele não pára de
trabalhar.
O senhor conversa com o seu
amigo Oscar Niemeyer sobre isto?
Tenho muito respeito pelo
Oscar. O Oscar é um génio da arquitectura, e é um ser humano especial.
Generoso, afectuoso. Então eu não vou ficar brigando com ele. Mas ele sabe que
eu discordo dele. A opinião dele sobre mim sabe qual é? “Gosto do Gullar porque
ele é transparente.”
E com o Chico não se dá?
Gosto do Chico, admiro-o.
Agora, o Chico é amigo do Lula, é amigo do Fidel. Ele não pode, nem que queira,
mudar de opinião. Vai ter de brigar, se mudar. Mas eu sei que pela inteligência
dele, pela sensibilidade dele, não pode estar de acordo com um país de que as
pessoas não podem sair. Não acredito.
Eu posso ser suicida. Mas se
estou em paz com a minha consciência pouco se me dá o que pensem. Posso estar
errado. Se há uma coisa que me caracteriza é: eu não sou dono da verdade.
Acredito nas coisas em que acredito. Mas acho que posso estar errado também. O
meu compromisso é com a verdade. Não tenho compromisso ideológico coisa
nenhuma. E meu compromisso com a poesia é com a qualidade, com a beleza. O
resto é secundário. Se der, deu, se não der, não deu. Acabou. Vou morrer mesmo.
Pouco se me dá. Nessa altura, 80 anos, estou-me lixando.
[Pausa hesitante]
Ia dizer alguma coisa?
Possivelmente nós vamos perder
a eleição. Se as pesquisas estão certas, possivelmente vamos perder. Não é o
fim do mundo. Depois da eleição começa o governo. Difícil não é ganhar eleição,
difícil é governar.
Acha que está difícil o
Serra ganhar?
Acho. Não é impossível, mas
com uma diferença de 10 por cento está difícil. Há um estudioso que diz que a
definição é na última semana, mesmo.
Acha que o Serra era o
melhor candidato do PSDB para derrotar a Dilma?
Olha, quando vi o nome dele,
eu achei que era. Pelo que realizou. Eu estou perplexo. Não por causa de gente
que foi de esquerda, como eu, que dá essas opiniões, como a da Conceição, que é
uma pessoa inteligentíssima, minha amiga. Mas o povo, a pessoa que está fora
disso, fico surpreso que esse pessoal não enxergue. Estão sendo injustos com
uma pessoa que fez coisas importantes no país. Os genéricos, eu digo para você:
os idosos brasileiros gastam fortunas comprando remédios, e hoje gastam menos
de metade. Graças às medidas que o Serra tomou. Hoje você não vê mais a sida no
Brasil como um flagelo porque todo o mundo se trata, graças às medidas que ele
tomou. Tem remédios de graça, remédios caríssimos. O que ele fez em relação ao
ensino, botando duas professoras por classe, discutindo, com especialistas.
Todas as coisas que fez são de uma pessoa responsável. E contra ele está uma
pessoa que não pode apresentar: “Eu fiz isto.”
Talvez tenha havido um
problema de falta de carisma de José Serra…
Mas ela é horrível. O negócio
dela é só o Lula.
Há um problema de carisma
dos dois, Dilma e Serra.
Dos dois. Ele não tem nenhum.
A Marina era a única que
tinha uma empatia com as pessoas.
Também não acho. A própria
Marina, que é uma pessoa admirável, coerente, como figura tem uma fragilidade
que não inspira confiança na maioria das pessoas. É um voto ideológico, um voto
consciente, de qualidade. Mas entre a grande massa, jamais ela vai conseguir.
E imaginando que o Serra
perde, quem é que vê ascender no PSDB? O Aécio [Neves, mineiro, neto do
presidente Tancredo Neves]?
Sim. Escrevi um artigo dizendo
que as duas forças políticas que nasceram da luta contra a ditadura, uma mais à
esquerda, que era o PT, e outra, de esquerda moderada que era o PSDB, concluem
agora o seu ciclo. O PSDB cumpriu grande parte da sua função com o governo
Fernando Henrique. Se o Serra for eleito, tem uma vida extra. Mas os outros que
constituem o partido não têm a mesma cabeça. Algo acabou. E o PT, que teve a
sua história, também acabou. Virou o partido dos glutões, populista, que não
tem nada a ver com o que era. Então essas duas forças nascidas da luta contra a
ditadura chegam ao fim.
O que vai acontecer daqui para
a frente talvez seja mais política sem ideologia. Por exemplo, o Aécio não é
ideológico. É um cara carismático, bom administrador. Mas não é o Fernando
Henrique, não é o Lula, não é dessa geração, não foi para o exílio. Da mesma
maneira o Sérgio Cabral [agora reeleito governador do Rio, ex-PSDB, e
actualmente PMDB], que é um bom administrador. Eles não têm a marca daquela
vivência doída que nós tivemos. Talvez até seja bom para o Brasil.
Pós-ideológico?
É. Sem idealismo. A coisa
prática. Acho que é isso que o Brasil vai viver daqui para a frente. Acabou a
ideologia.
Alexandra Lucas Coelho,
Público, 25-10-2010
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