segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Obama sob pressão para abrir inquérito aos abusos nas prisões do Iraque

A pressão aumenta sobre a Administração de Barack Obama para que investigue a denúncia de que as suas tropas fecharam os olhos à tortura cometida nas prisões iraquianas – alegações que o vice-primeiro-ministro britânico classificou de “extraordinariamente graves”. Mas em Washington reina o silêncio e um porta-voz do Exército garantiu que não há planos para reabrir os arquivos.

O "El País" diz que Assange "é o pesadelo" da espionagem americana.
 Foto: Luke MacGregor/Reuters
Nick Clegg, que na oposição foi uma das vozes mais críticas do envolvimento britânico na guerra, admitiu que a iniciativa do WikiLeaks pode “ser discutível”, mas as revelações contidas nos quase 400 mil ficheiros divulgados pelo site são “perturbadoras” e não devem ser ignoradas.
Em entrevista à BBC, o líder dos liberais-democratas não excluiu a hipótese de ser aberto um inquérito para apurar se os soldados britânicos encobriram os abusos atribuídos às forças iraquianas, mas não tem dúvidas que Washington tem de responder pelas acções dos seus soldados. As acusações que lhes são feitas “são muito, muito graves” e “presumo que a Administração americana vai querer dar-lhes uma resposta”, acrescentou.
Declarações que contrariam o tom usado pelo Ministério da Defesa, que na véspera condenou a fuga de informação e garantiu ter investigado todas as denúncias. E ainda que partindo de um conhecido opositor à guerra, o recado enviado a partir de Londres (o principal aliado dos EUA na ofensiva) soma-se aos muitos apelos para que o Presidente Obama não deixe cair em saco roto as denúncias.

Outro aliado, a Dinamarca, anunciou que vai apurar eventuais responsabilidades do seu Exército nos abusos, face à revelação de que transferiu 62 detidos para custódia iraquiana, mesmo face aos receios que eles tinham de ser torturados.
Mas de Washington surgiu a mesma resposta seca: o Exército “não pretende reabrir as investigações”. Questionado pela BBC, o coronel Dave Lapan insistiu que o protocolo em vigor – que instruía os militares a reportar, mas a não investigar, os abusos cometidos pelos colegas iraquianos – “está conforme à prática internacional”.
Esta não é, no entanto, a opinião do relator especial da ONU sobre a tortura. Manfred Nowak alega que, mesmo sem participação nos abusos, os militares americanos eram obrigados a agir perante qualquer suspeita de maus-tratos. Não o fazendo, infringiram a Convenção contra a Tortura.
As organizações de defesa dos direitos humanos aguardam também uma resposta de Obama – que continua em campanha pelo país, a uma semana das eleições intercalares – às denúncias da WikiLeaks, nas quais a Amnistia Internacional vê provas de que “os EUA violaram as leis internacionais ao entregar sumariamente milhares de detidos às forças iraquianas”.
E se os documentos divulgados implicam apenas oficiais no terreno, a Al-Jazira recordou uma conferência de imprensa no Pentágono, em Novembro de 2005, durante a qual um jornalista perguntou ao chefe do Estado-Maior Inter-armas qual deveria ser a reacção de um soldado que testemunhasse maus-tratos. Num excerto do vídeo agora retransmitido, o general Peter Pace diz que “é responsabilidade de qualquer militar intervir para parar os abusos”. Mas de imediato, o então secretário da Defesa, Donald Rumsfeld o interrompe, dizendo que o soldado não tem obrigação de intervir, mas de “relatar” o incidente.
Enquanto a imprensa internacional debate o impacto (e as reais motivações) das novas revelações do WikiLeaks, o correspondente da BBC em Bagdad destacou o pouco impacto que a fuga de informação teve nas ruas de Bagdad. “Temos um escândalo nas prisões todos os anos”, explicou um habitante da capital, dizendo que “se tornou normal alguém ser torturado, morrer ou desaparecer na prisão”. O veterano repórter de guerra Robert Fisk apresentou no "Independent" uma explicação: “Todos os iraquianos sabiam [dos abusos]. Porque eram eles as vítimas. Só nós podíamos fazer de conta que não sabíamos”.
Ana Fonseca Pereira, Público, 25-10-2010

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