Vitor Cunha
Tencionava passar uma tarde
tranqüila, sem grandes aborrecimentos, ignorando o orçamento da geringonça em
vigor até ao rectificativo de Abril, eis que sou confrontado com um artigo de opinião do doutor Rui Tavares1.
Nesta brilhante obra de
ficção, o doutor Tavares conclui que o Brasil está reconhecível, os brasileiros
é que não, o que quer que isto queira dizer. Provavelmente, pensa o leitor,
significa que o doutor Tavares reconheceu Copacabana – “sim, lembro-me, é isto”
-, mas não reconheceu a senhora que a ele se dirigiu, pedindo para não lhe
pisar o pé – “ei, eu conheço você! Você é o Antônio Sala, cara! Sou eu, a
Gabrielly!”
Mas não, não se trata disso,
trata-se do doutor Tavares reconhecer Copacabana mas estranhar os “vícios
machistas, racistas e classistas ainda alojados na psique coletiva de parte da
sociedade brasileira”. Da última vez que o doutor Tavares esteve no Brasil, há
“cinco anos”, não havia qualquer sinal de “vícios machistas, racistas e
classistas ainda alojados na psique coletiva de parte da sociedade brasileira”,
pelo que os “vícios machistas, racistas e classistas ainda alojados na psique
coletiva de parte da sociedade brasileira” devem ter sido implantados desde
2011, altura em que o doutor Tavares não deu pela existência deles. Faz pensar
se o doutor Tavares tem consciência do significado de “ainda alojados”, né?
O doutor Tavares continua,
afirmando que “este não é o Brasil dos últimos anos, quando dois presidentes —
Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva — mudaram para muito
melhor a economia e a sociedade do país, a partir de uma política que sempre
pareceu uma catástrofe adiada”. Vai-se a ver, doutor Tavares, acabou o
adiamento da catástrofe, né?
Depois, mais à frente, o
doutor Tavares questiona se o cargo ministerial a atribuir a Lula será
simbólico ou não; eu diria, doutor Tavares, que o simbolismo associado é
bastante evidente, servindo apenas para safar o biltre com quem, inquestionavelmente,
o doutor Tavares simpatiza. Não escolhemos as nossas simpatias, às vezes são
elas que nos escolhem, se pensarmos na tragédia que foi a campanha do candidato
da ala Livre do PS, o professor doutor Sampaio da Nóvoa; outras vezes, as
simpatias são o que se consegue arranjar.
Apesar de tudo, queria saudar
o doutor Tavares por identificar aquelas que, a partir de agora, são as culpas
do Universo a tudo que desagrade o doutor Tavares: machismo, racismo e
classismo. A solução para os males do mundo parecem ser o feminismo,
miscigenação e abolição de classes.
Para a última tenho uma
solução imediata para o doutor Tavares: estou a precisar de um trolha que venha
cá erguer um muro. Para restantes, também tenho: quem quiser – não pode ser
branco – vir miscigenar-se com o doutor Tavares sem olhar a identificação
retrógrada de géneros, que venha também.
1 Líder
emérito do movimento unipessoal Livre, criado no âmbito do plano de diversidade
de fauna e flora promovido pelo Partido Socialista.
Título e Texto: Vitor Cunha, Blasfémias,
16-3-2016
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