Cesar Maia
1. Conta-se que no ato da posse de um novo governante, aquele que
saía, ao passar o cargo, entregou três cartas ao que assumia. E disse: “Abra a
primeira carta quando enfrentar sua primeira crise; abra a segunda carta ao
enfrentar sua segunda crise; e abra a terceira carta ao enfrentar sua terceira
crise.” E assim foi.
2. Na primeira crise, o governante abriu a primeira carta e leu:
“Coloque toda a culpa no governo anterior, na herança perversa que recebeu”.
Passou um tempo e veio a segunda crise. O governante abriu a segunda carta e
leu: “Faça uma ampla reforma de seu secretariado e informe que este não vem
conseguindo enfrentar os problemas”.
3. Passado um tempo, surgiu uma terceira crise. Aberta a terceira
carta o governante leu: “Escreva três cartas e entregue a seu sucessor.”
4. Após cem dias de governo, Crivella realizou uma reunião com seus
auxiliares e a imprensa. Abriu a primeira carta e discorreu sobre a herança
perversa que recebeu das quatro últimas administrações dos dois governos que o
antecedeu. Citou números e dívidas, obras paradas, programas interrompidos.
Restos a pagar. Déficits recebidos do Tesouro e da Previdência Municipal.
5. Se tivesse lido o seu próprio Diário Oficial de 30/03/2017,
teria visto números muito diferentes dos que apresentou através de um
tradicional Power Point colorido, emoldurado e bem diagramado, de forma a impressionar
os presentes. Não há o déficit do tesouro que alardeou. E o déficit corrente
projetado da previdência social municipal é seis vezes maior que o déficit
projetado, constante daquele Diário Oficial.
6. O fato é que Crivella organizou um governo heterogêneo em que
nenhuma das secretarias tem políticas públicas sequer para um ano de governo.
Os cem primeiros dias são muito mais de não-governo. Extrapolando para o ano
todo, Crivella abrirá 2018 com uma segunda crise. Abrirá a segunda carta e fará
uma ampla reforma de seu secretariado. E oferecerá como desculpa que vários de
seus auxiliares serão candidatos a deputado estadual e federal e que, por isso,
precisa designar substitutos.
7. Mas se não superar o não-governo e se não construir, até o
início do segundo ano, um governo homogêneo, coordenado e com políticas
públicas orientadoras da dinâmica das ações e das funções de governo, em breve
a terceira carta fará cócegas em seu bolso. E o slogan de campanha e de governo
só servirá aos contemplados com comissionamentos e contratos que estarão, então
e por isso, bem cuidados.
Título e Texto: Cesar Maia, 10-4-2017
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