Helena Matos
O primeiro-ministro investe o dinheiro da
Segurança Social no sector imobiliário. Os autodenominados parceiros sociais
assistem mudos e calados a este negócio de alto risco.
“Lei das rendas vai mudar
para proteger inquilinos. PS, BE e PCP acordam medidas para dificultar despejos
e aumentar valor das indemnizações” – lia-se na capa do Expresso desta
semana.
O que acharia o Expresso do
seguinte título: “Jornais passarão a ser oferecidos para combater a falta de
informação”? Ou quiçá deste; “Restaurantes passam a ter de fornecer
gratuitamente refeições para proteger clientes”?… Palavras como disparate,
injustiça ou catástrofe seriam utilizadas para classificar a opção de se
colocar os donos dos restaurantes a pagar as refeições dos seus clientes ou os
jornais passarem a ser oferecidos, mas é precisamente isso que se impõe aos
senhorios: que assumam os custos das políticas de habitação que os governos
entendem desenvolver e que promovem sob a expressão mágica da “proteção aos
inquilinos”.
O título do Expresso infelizmente
nada tem de original e é igual nos seus preconceitos a tantos outros que se
fazem sobre o arrendamento: está instituído que proteger os inquilinos é
controlar as rendas, impedir os despejos por falta de pagamento e criar regimes
excepcionais.
Note-se que durante um século
Portugal fez isto com os resultados conhecidos: o mercado de arrendamento
praticamente desapareceu, decrescendo o número de casas para alugar (entre 1981
e 1991 o número de arrendamentos passou de 1.074.590 para 545.710) porque a
dita proteção aos inquilinos enche de garantismos aqueles que já são inquilinos,
mas leva a que diminua a oferta de casas para alugar.
Após um século de intervenção
estatal no mercado de arrendamento (1910-2011) ter deixado o centro das cidades
portuguesas em ruínas e obrigado as novas gerações a contrair hipotecas para
comprar casa conseguimos graças à troika que a lei das rendas fosse mexida.
Naturalmente a revitalização urbana começou e alugar casa tornou-se possível.
Claro que logo se descobriu um problema: a gentrificação ou melhor dizendo a
tomada do centro das cidades pelos turistas e por novos e mais abastados
residentes. De imediato vieram os sociólogos, os ativistas e demais artistas
denunciar essa chaga social. Até tivemos direito a especialistas das Nações
Unidas que ficaram horrorizados com a dita gentrificação. Como se sabe todas
estas pessoas regressaram da missão a Marte que lhes levou décadas de vida e,
portanto, não conheceram a baixa de Lisboa deserta, literalmente deserta,
anterior à gentrificação.
O que está a acontecer com a
lei das rendas é um bom retrato do que se vive no país: a esquerda das causas
declara que há um problema e logo se aprova legislação em tropel dita de proteção.
Dá bons títulos e produz péssimos resultados, mas isso não interessa.
O primeiro-ministro investe o
dinheiro da Segurança Social no sector imobiliário, num segmento dito de cariz
social. Os autodenominados parceiros sociais assistem mudos e calados a este
negócio de alto risco com o dinheiro das contribuições do trabalho. Sindicatos
indignados, jornalistas loquazes, patrões preocupados… todos, mas todos se
calam pois o respeitinho perante o poder socialista é algo não se explica, mas
se sente. Ninguém pergunta por exemplo como recuperará a Segurança Social o seu
dinheiro quando se confrontar com a impossibilidade de despejar os inquilinos
que não pagam as rendas ou destroem as casas. (Também não se questiona a
entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no capital da Caixa Económica
Montepio Geral), espero pelo dia em que estes artistas do silêncio venham dizer
que ninguém lhes explicou o contorno do modelo de negócio!
Depois temos frases como esta:
“O primeiro-ministro estimou esta segunda-feira que o investimento privado e
público em reabilitação urbana poderá mobilizar cinco mil milhões de euros até
2023, mas advertiu que um crescimento sustentado do turismo exige
«diferenciação« e «preservação» da identidade urbana. Por isso, de acordo com o
primeiro-ministro, «preservar as lojas históricas não desincentiva o
investimento, sendo mesmo, muito pelo contrário, condição determinante para que
o investimento exista».
Deixando de lado esta escalada
de milhões e de milhares de milhões em que o contribuinte acaba sempre, mas
sempre, a pagar mais uma taxa (em 2016, a Câmara de Lisboa arrecadou 463,6
milhões de euros em impostos e taxas mais 13,3% do que em 2015) registe-se que
não ocorreu a ninguém perguntar até quando terão os senhorios de garantir a
existência de lojas históricas através das rendas baixas, pois em Portugal
proteger as lojas históricas quer tão só dizer que se impede o senhorio de atualizar
as rendas. Como esta é uma prática tão arreigada nem se estranha, mas, passando
para o mundo do jornalismo, alguém acharia viável e acertado que jornais e
revistas fossem obrigados a oferecer espaço publicitário às indústrias
tradicionais, como forma de garantir a sobrevivência dessas atividades?
Certamente que não, mas no que aos senhorios respeita estes são obrigados a
subsidiar as lojas ditas históricas através da cobrança de rendas baixas e às
vezes até a fornecer durante anos lojas e casas a custo zero, pois, um despejo
pode demorar anos a conseguir-se.
O estatismo usa com sucesso o
discurso da proteção, do social, da regulação a favor dos mais fracos… para se
justificar e para justificar o seu protagonismo e os seus crescentes poderes.
Nada protege mais um inquilino do que a certeza que existem várias casas para
alugar. O resto é demagogia.
Título e Texto: Helena Matos, Observador, 3-4-2017
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