segunda-feira, 3 de abril de 2017

Os protetores

Helena Matos

O primeiro-ministro investe o dinheiro da Segurança Social no sector imobiliário. Os autodenominados parceiros sociais assistem mudos e calados a este negócio de alto risco.

Lei das rendas vai mudar para proteger inquilinos. PS, BE e PCP acordam medidas para dificultar despejos e aumentar valor das indemnizações” – lia-se na capa do Expresso desta semana.

O que acharia o Expresso do seguinte título: “Jornais passarão a ser oferecidos para combater a falta de informação”? Ou quiçá deste; “Restaurantes passam a ter de fornecer gratuitamente refeições para proteger clientes”?… Palavras como disparate, injustiça ou catástrofe seriam utilizadas para classificar a opção de se colocar os donos dos restaurantes a pagar as refeições dos seus clientes ou os jornais passarem a ser oferecidos, mas é precisamente isso que se impõe aos senhorios: que assumam os custos das políticas de habitação que os governos entendem desenvolver e que promovem sob a expressão mágica da “proteção aos inquilinos”.

O título do Expresso infelizmente nada tem de original e é igual nos seus preconceitos a tantos outros que se fazem sobre o arrendamento: está instituído que proteger os inquilinos é controlar as rendas, impedir os despejos por falta de pagamento e criar regimes excepcionais.

Note-se que durante um século Portugal fez isto com os resultados conhecidos: o mercado de arrendamento praticamente desapareceu, decrescendo o número de casas para alugar (entre 1981 e 1991 o número de arrendamentos passou de 1.074.590 para 545.710) porque a dita proteção aos inquilinos enche de garantismos aqueles que já são inquilinos, mas leva a que diminua a oferta de casas para alugar.

Após um século de intervenção estatal no mercado de arrendamento (1910-2011) ter deixado o centro das cidades portuguesas em ruínas e obrigado as novas gerações a contrair hipotecas para comprar casa conseguimos graças à troika que a lei das rendas fosse mexida. Naturalmente a revitalização urbana começou e alugar casa tornou-se possível. Claro que logo se descobriu um problema: a gentrificação ou melhor dizendo a tomada do centro das cidades pelos turistas e por novos e mais abastados residentes. De imediato vieram os sociólogos, os ativistas e demais artistas denunciar essa chaga social. Até tivemos direito a especialistas das Nações Unidas que ficaram horrorizados com a dita gentrificação. Como se sabe todas estas pessoas regressaram da missão a Marte que lhes levou décadas de vida e, portanto, não conheceram a baixa de Lisboa deserta, literalmente deserta, anterior à gentrificação.

O que está a acontecer com a lei das rendas é um bom retrato do que se vive no país: a esquerda das causas declara que há um problema e logo se aprova legislação em tropel dita de proteção. Dá bons títulos e produz péssimos resultados, mas isso não interessa.

O primeiro-ministro investe o dinheiro da Segurança Social no sector imobiliário, num segmento dito de cariz social. Os autodenominados parceiros sociais assistem mudos e calados a este negócio de alto risco com o dinheiro das contribuições do trabalho. Sindicatos indignados, jornalistas loquazes, patrões preocupados… todos, mas todos se calam pois o respeitinho perante o poder socialista é algo não se explica, mas se sente. Ninguém pergunta por exemplo como recuperará a Segurança Social o seu dinheiro quando se confrontar com a impossibilidade de despejar os inquilinos que não pagam as rendas ou destroem as casas. (Também não se questiona a entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no capital da Caixa Económica Montepio Geral), espero pelo dia em que estes artistas do silêncio venham dizer que ninguém lhes explicou o contorno do modelo de negócio!

Depois temos frases como esta: “O primeiro-ministro estimou esta segunda-feira que o investimento privado e público em reabilitação urbana poderá mobilizar cinco mil milhões de euros até 2023, mas advertiu que um crescimento sustentado do turismo exige «diferenciação« e «preservação» da identidade urbana. Por isso, de acordo com o primeiro-ministro, «preservar as lojas históricas não desincentiva o investimento, sendo mesmo, muito pelo contrário, condição determinante para que o investimento exista».


Deixando de lado esta escalada de milhões e de milhares de milhões em que o contribuinte acaba sempre, mas sempre, a pagar mais uma taxa (em 2016, a Câmara de Lisboa arrecadou 463,6 milhões de euros em impostos e taxas mais 13,3% do que em 2015) registe-se que não ocorreu a ninguém perguntar até quando terão os senhorios de garantir a existência de lojas históricas através das rendas baixas, pois em Portugal proteger as lojas históricas quer tão só dizer que se impede o senhorio de atualizar as rendas. Como esta é uma prática tão arreigada nem se estranha, mas, passando para o mundo do jornalismo, alguém acharia viável e acertado que jornais e revistas fossem obrigados a oferecer espaço publicitário às indústrias tradicionais, como forma de garantir a sobrevivência dessas atividades? Certamente que não, mas no que aos senhorios respeita estes são obrigados a subsidiar as lojas ditas históricas através da cobrança de rendas baixas e às vezes até a fornecer durante anos lojas e casas a custo zero, pois, um despejo pode demorar anos a conseguir-se.

O estatismo usa com sucesso o discurso da proteção, do social, da regulação a favor dos mais fracos… para se justificar e para justificar o seu protagonismo e os seus crescentes poderes. Nada protege mais um inquilino do que a certeza que existem várias casas para alugar. O resto é demagogia.
Título e Texto: Helena Matos, Observador, 3-4-2017

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