João Marques de Almeida
Os liberais devem defender os direitos dos
homossexuais e lutar, contra os ataques das esquerdas radicais, por uma
sociedade assente na família tradicional. A maioria dos portugueses terá esta
posição
A superioridade moral e a
intolerância da esquerda mais radical nas questões de costumes são
insuportáveis. Quem não concorda com as suas opiniões é desqualificado como
reacionário, homofóbico, e até mesmo considerado, como aconteceu com Gentil
Martins, como um “velho” (a indecência de alguns esquerdistas radicais
ultrapassa sempre os limites razoáveis). Estes ataques surgem regularmente,
especialmente quando se discute a homossexualidade.
Há aqui questões que devem ser
tratadas de um modo diferente. Uma diz respeito aos direitos e à discriminação
contra os homossexuais. É óbvio que ninguém pode ser discriminado, sobretudo na
vida pública e profissional, por ser homossexual. Também é óbvio que esta
discriminação existiu, e continua a existir. Uma sociedade justa e livre não
deve discriminar orientações sexuais, nem raças, nem religiões, nem gêneros.
Mas também não deve discriminar ideologias nem doutrinas. Todos nós sabemos os
obstáculos que existem à promoção profissional de pessoas conservadoras e
liberais em certas universidades ou em certos ministérios (em Portugal, na
Europa e nos Estados Unidos). Em suma, todas as formas de discriminação são
injustas e devem ser combatidas.
Passemos agora aos direitos
dos homossexuais. Há dois direitos que têm sido muito discutidos nos últimos
tempos: o casamento e a adoção de crianças. Em ambos os casos, sou favorável
ao alargamento desses direitos aos homossexuais. Aliás, não entendo a oposição
de muitos católicos ao casamento dos homossexuais na medida em que não se podem
casar pela igreja, o único casamento reconhecido pelos católicos. Embora
reconheça que é uma questão moral mais complicada, também aceito que
homossexuais possam adotar crianças. Um casal de dois homens ou de duas
mulheres pode educar devidamente os seus filhos. Acho que é mesmo bizarro
discutir as capacidades de educação de um adulto de acordo com a sua orientação
sexual.
Nesta discussão chegamos, no
entanto, a um problema que não pode ser evitado. O plano da defesa de direitos
individuais, especialmente de minorias, é diferente do modelo de sociedade que
defendemos e com o qual nos identificamos. Defendo os direitos dos homossexuais
ao casamento e à constituição de família, mas sou contra uma visão da sociedade
na qual a normalização da homossexualidade leve ao exagero absurdo de se
considerar que é indiferente ser educado por uma família de duas mães (ou pais)
homossexuais ou uma família de pais heterossexuais. É muito diferente e é um
disparate afirmar o contrário.
E, no ponto essencial, a
questão nem sequer tem a ver com a orientação sexual. Sempre que possível, as
crianças devem ser educadas pela mãe e pelo pai naturais, e não apenas pelo pai
ou apenas pela mãe. Como é óbvio, no caso de um casal de homossexuais as
crianças, na melhor das hipóteses, só são educadas ou pela mãe ou pelo pai. As
crianças gozam do direito a poderem ser educadas pela mãe e pelo pai naturais.
Chegamos aqui ao ponto fundamental da questão. Para a esquerda radical, o
verdadeiro propósito não é a defesa da liberdade ou dos direitos dos
homossexuais. O objetivo central é o ataque à família tradicional, essa
instituição “burguesa” responsável por muitos dos males das sociedades
capitalistas. O desejo de desqualificar a família tradicional é tão forte que
os leva ao exagero de colocar a maternidade e a paternidade naturais no mesmo
plano da maternidade e da paternidade adotivas. A sociedade alternativa que,
em última análise, sugerem seria constituída por crianças feitas em
laboratórios e educadas, indiferentemente, pelos pais e mães naturais ou
adotivos. Seria o 1984 de Orwell no seu pior.
Há certamente um meio caminho
virtuoso entre a defesa da não-discriminação e dos direitos dos homossexuais e
uma visão da sociedade onde tudo é indiferentemente igual. Os liberais devem
defender os direitos dos homossexuais e lutar, contra os ataques das esquerdas
radicais, por uma sociedade assente na família tradicional. Julgo que a maioria
dos portugueses se revê nesta posição.
Mas a instrumentalização da
homossexualidade pela esquerda radical para fins políticos é ainda mais
evidente quando se observa o modo como trata a questão da liberdade em geral.
As esquerdas radicais defendem a liberdade a la carte. As mesmas esquerdas que
defendem a liberdade à homossexualidade, são contra a liberdade de escolha na
educação – o Estado deve decidir as escolas onde estudam os nossos filhos –, na
saúde – o Estado deve escolher os hospitais que nos tratam –, nos serviços –
são a favor das nacionalizações de sectores vitais como a banca e as
seguradoras – e no modo como se gasta os rendimentos do trabalho – defendendo
impostos elevados.
As esquerdas radicais defendem
o direito dos homossexuais a adotar crianças, mas depois gostariam de impedir
esses mesmos casais de escolher livremente a escolas dos seus filhos, os
hospitais onde se tratam, os bancos onde pedem créditos e o modo como gastam o
dinheiro que ganham. O grande embuste das esquerdas é reduzir os homossexuais à
sua homossexualidade. Mas os homossexuais são muito mais do que homossexuais.
Têm famílias, são profissionais, são consumidores de serviços, são
contribuintes. E são acima de tudo, cidadãos livres. O que deixariam de ser se
um dia as esquerdas que agora os defendem com tanto zelo e fervor ideológico
impuserem ao nosso país o seu programa político.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador,
23-7-2017
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