Helena Matos
O aproveitamento político é de facto o
nosso maior problema. Falimos várias vezes, morreram dezenas de pessoas num
incêndio florestal, mas o que é isso quando comparado com o aproveitamento
político?
“Costa lamenta
aproveitamento político de mortes em Pedrógão”; “Marcelo contra aproveitamento
político das vítimas de Pedrógão”; “Pedrógão Grande: Bloco acusa PSD de
aproveitamento político”…
De repente o país descobriu
que o seu maior problema não é o falhanço da proteção civil. Muito menos o
roubo em Tancos de material que começou por ser de guerra, depois passou a
material obsoleto e agora é de guerra novamente. Nada disso, mas mesmo nada se
compara com o transcendente problema do aproveitamento político.
O aproveitamento político é de facto o nosso maior problema. Falimos várias vezes, morreram dezenas de pessoas num incêndio florestal; o SNS gasta consigo mesmo o que devia gastar com os utentes; a polícia é chamada às escolas públicas porque sendo os alunos oficialmente todos iguais uns são mais iguais que os outros; o Governo (de Portugal não o do Qatar) considera que pode estar numa situação de pobreza severa alguém que é proprietário de uma viatura no valor de 25 mil euros e como tal reunir as condições para receber RSI… mas o que é isso quando comparado com o aproveitamento político?
Só por absoluta má fé não se
percebe esta evidência. Por exemplo, o que é estar cercado pelo fogo e perceber
que os bombeiros não conseguem comunicar entre si porque o SIRESP falhou
comparado com o aproveitamento político subjacente a declarar que o SIRESP não
funciona? Está bem, não funciona, mas há que falar nisso? De facto só uma alma mal-intencionada
não percebe que o aproveitamento político é um problema para não dizer um crime
face à minudência de o SIRESP não funcionar.
Absolutamente determinada a
expurgar os meus textos de qualquer aproveitamento político passei algumas
horas a tentar perceber quando e como acontece o aproveitamento político. Dada
a complexidade do tema creio até que mais cedo ou mais tarde será criado um
Alto Comissariado para o Combate ao Aproveitamento Político que obviamente
elaborará um questionário-teste que rapidamente nos dirá se estamos ou não
diante de um caso de aproveitamento político.
Esta espécie de teste é
urgente porque de modo algum se pode deixar ao arbítrio de cada um decidir
nesta matéria. Por exemplo, uma pessoa mal informada sobre a natureza
transcendente do aproveitamento político, pode fazer um juízo de valor menos
abonatório da eurodeputada Marisa Matias.
Considera a eurodeputada
Marisa Matias que no caso das vítimas de Pedrógão a lista dos mortos não deve ser pública “por respeito às vítimas”. Ora
uma pessoa não devidamente esclarecida sobre os meandros do aproveitamento
político até podia pensar que a eurodeputada quer é respeito pelo seu sossego
pois não é para todos (e todas, como diria a senhora eurodeputada) apoiar um
governo que se confronte com tal lista. Para mais a senhora eurodeputada faz
campanha (política, claro) por essa Europa fora ao lado do espanhol Pablo
Iglesias cujo Podemos transformou a Lei da Memória Histórica numa agência de
desenterramentos dos mortos da Guerra Civil. Em que ficamos – perguntará o tal
mal informado – os mortos afinal são para ser assinalados ou escondidos? E o
que é respeito em Portugal – a omissão – é crime em Espanha? Como se percebe
isto do aproveitamento político tem muito que se lhe diga.
A mesma ambivalência por assim
dizer geopolítica caracteriza o nosso Presidente da República.
Por exemplo, o mesmo Marcelo
Rebelo de Sousa que agora declara que a prioridade é combater os fogos e que
tanto teme o “aproveitamento político das vítimas de Pedrógão”, prontamente
declarou em 2005 que a administração Bush se tinha mostrado incapaz de prevenir
os efeitos devastadores da passagem do furacão Katrina nos EUA e que as
autoridades norte-americanas tinham falhado no apoio às populações. É certo que
houve quem fosse mais longe e até acusasse o então presidente dos EUA de ser
responsável pelo furação em si mesmo e até por ter congeminado a ruptura dos
diques, mas perante tão assombrosa diferença de atitude, cabe perguntar: para
Marcelo Rebelo de Sousa onde começa e acaba o aproveitamento político?
O mistério do aproveitamento
político dos mortos de Pedrógão é tão mais espantoso quanto as mesmas pessoas
que agora consideram ser aproveitamento político querer saber quantos e porquê
morreram em Pedrógão, levaram o período entre 2011 e 2015 a denunciar os mortos
da austeridade. Eram as pessoas que morriam com fome, os que se suicidavam, os
que desistiam de viver… Curiosamente nunca então se colocou a questão do
aproveitamento político.
Nestas matérias do
aproveitamento político há que contar até cem antes de responder. Caso
contrário a melhor intencionada das respostas transforma-se num enredo. Por
exemplo, manda a cartilha que manifestemos a nossa preocupação com a forma como
o governo da Polónia trata ou gostaria de tratar os juízes polacos. Não há
nessa atitude vestígio de aproveitamento político. Curiosamente portas adentro
manifestar solidariedade com um juiz que foi e continua a ser ameaçado – o juiz
Carlos Alexandre – não só é mal visto como incorre no terrível âmbito do
aproveitamento político.
Na verdade nada disto devia
surpreender: Portugal é o país em que denunciar e condenar política e
moralmente o primeiro-ministro José Sócrates foi visto como um óbvio caso de
aproveitamento político. Portugal é também o país em que se pode condenar a
pedofilia se praticada em instituições católicas. Outro caso bem diverso foi
quando se descobriu que esses crimes tinham lugar na Casa Pia. O facto de entre
os suspeitos se contar também gente dita republicana e laica logo fez surgir o
espectro do aproveitamento político.
Em resumo, o aproveitamento
político é aquilo que um homem quiser. Ou mais precisamente em Portugal o
aproveitamento político é aquilo que certos homens quiserem. Donde resulta que
não fazer nada que se aproveite não é defeito, mas sim seguro de vida.
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
30-7-2017
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