Alberto Gonçalves
Ano após ano há dois rituais infalíveis: um
é o acampamento de Verão do Bloco de Esquerda, o outro é a minha crônica a
pretexto. A rapaziada do BE não desiste. Eu não resisto. Tudo ali é engraçado.
Ano após ano, por esta altura,
há dois rituais infalíveis: um é o acampamento de Verão do Bloco de Esquerda, o
outro é a minha crônica a pretexto. A rapaziada do BE não desiste. Eu não
resisto. Tudo no “evento” é engraçado, a começar pelo nome. Não sei se por fina
ironia ou grosso analfabetismo, o “evento” chama-se Liberdade, o que produz o
delicioso efeito de um “workshop” do Ku Klux Klan subordinado ao tema
Tolerância. E daqui para a frente é sempre a descer. Ou a subir, se atendermos
exclusivamente ao potencial cômico da coisa e, sobretudo, se esquecermos que a
coisa influencia o governo da nação.
Um artigo babado no “Público”,
também recorrente a cada final de julho, é naturalmente a melhor fonte de
informação disponível. O título do artigo só não é todo um programa porque o
programa do acampamento é assaz vasto, mas dá uma ideia bastante aproximada da
toleima em jogo: “Os jovens do Bloco vão dançar contra o racismo e estudar ‘O
Capital’”. Notaram a diferença? Jovens menos “conscientes” poderiam estudar o
racismo e dançar contra “O Capital”. Ou estudar matemática e tocar clarinete a favor
do pastel de nata. Ou simplesmente ir à praia e dormir o dia inteiro.
Não é o caso de Izaura Solipa,
menina que pertence à organização e, suponho, usa pseudónimo (no ano passado, a
cicerone do “Público” fora a militante Ana Rosa, “de voz serena, mas segura, e
uns olhos castanhos rasgados”). Para a Izaura, “um político que não pense
verdadeiramente nas relações todas que existem, como lemos o mundo, como
intervir no mundo, em todos os espaços e esferas que frequentamos, um político
que não tenha essa reflexão vai ter sempre um lado insuficiente”. A Izaura, que
pensa nas relações todas, lê o mundo todo e intervém em todos os espaços e
esferas, não corre risco de insuficiência. Nem ela, nem os 150 felizardos que,
a troco de meros 40 euros, acorrerão este fim-de-semana a Oliveira do Hospital.
Para quê?
Ora essa. Para testemunhar “um
concerto do rapper e ativista Chullage”. Para frequentar festas “femininas e
queer” (ignoro se mistas ou separadas). Para integrar um “debate” (os debates
do BE distinguem-se dos demais por estarem decididos à partida) alusivo às
drogas “duras e leves”, “dicotomia” que, de acordo com Izaura, “é preciso
desconstruir” (eu não disse?). Para ouvir uma conversa em volta de “Saúde
Mental e Capitalismo” (sumário provável: quem não aprecia o comunismo deve ser
maluco). A catequese – e os sermões a convertidos – não se resume a isto. As
beatas Mortágua explicarão “O que é o BE”. Marisa Matias “ajudará a uma
reflexão sobre a importância da linguagem”. O deputado Jorge Costa dissertará a
propósito da “geringonça”. Etc.
Parece divertido? De certeza
que será. Porém, sem querer menosprezar ninguém, tenho os meus momentos
favoritos, colhidos diretamente do programa do acampamento. Um deles é o “Não
Engolimos Sapos – Situação do Povo Romani”. Terá a sua piada observar a
desenvoltura com que os participantes louvarão a riqueza cultural da etnia em
causa e, em seguida, marcharão para os “espaços permanentes” feminista e queer,
dois setores bastante prezados pelo “povo romani”.
Um segundo momento consiste em
perceber de que maneira se concilia tanto bailareco contra o racismo com a
palestra “Queremos viver na nossa cidade”, a previsível xenofobia enquanto reação
ao turismo e ao lamentável enriquecimento dos cidadãos.
Um terceiro momento é o
“debate”/conversa “Movimentos Anti-imperialistas na América Latina”, que
provará em definitivo os sucessos estrondosos de Lula, Chávez e daquele
estadista do Uruguai que, por renúncia à higiene burguesa, criava fungos nos
dedos dos pés.
O apogeu prende-se, sem
dúvida, com a homilia do Bispo Louçã “Revolução Russa e Luta Feminista”. É
garantido que Sua Eminência falará do direito de voto concedido às mulheres, da
legalização do aborto e, em suma, da igualdade de “género” que a URSS promoveu.
Não é garantido que mencione a inutilidade do referido voto, a legalização do
genocídio em geral e o respeito pela paridade que, à imagem dos cavalheiros,
conduzia as senhoras ao Gulag em números apreciáveis. Suspeito igualmente que
não mencionará a criminalização da homossexualidade, pormenor que talvez
perturbasse a pândega “queer”. Ou, muito provavelmente, não perturbaria nada,
circunstância normal num acampamento que se intitula Liberdade e se destina a
proibir o que calha. A palavra a Izaura Solipa: “Não pode haver racismo,
xenofobia, sexismo, ciganofobia…” Nem “ciganofobia”, Deus meu? O que sobra,
então?
Sobra um processo de
“educação” obviamente evocativo e caricatural do Komsomol leninista, da
Gioventù Italiana ou da nossa Mocidade Portuguesa, consoante as preferências.
Por mim, prefiro associar os acampamentos do BE ao Templo do Povo, o projeto de
“socialismo apostólico” que convenceu um milhar de tontinhos a seguir um
charlatão até à selva da Guiana e a fundar aí um enclave de demência. Em
Jonestown, merecida homenagem ao charlatão, os tontinhos acreditaram nas
patranhas de “Jim” Jones acerca dos perigos do “imperialismo” e das virtudes
“revolucionárias”. Mal aquilo descambou, acreditaram quando ele os instigou ao
suicídio por cianeto. Admito que, no acampamento do BE, não seja esse o assunto
do “debate” “Direito a Morrer com Dignidade”. Ali, a ideia é viver sem
dignidade nenhuma.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Observador,
29-7-2017
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