Ana Paula Henkel
Parte do jornalismo assumiu
como missão falar mal do presidente americano, como sabemos, dia sim e outro
também. A tática de tentar puxar a opinião pública mais para a esquerda nunca
sai de moda, mas este ano passou de qualquer limite.
É um desfile diário de
exageros, simplificações e mentiras que a gente até perde o rebolado. A
credibilidade da imprensa é a maior vítima da ideologização radical, das
respostas fáceis para questões complexas, mas quando até um dos maiores
desastres naturais dos EUA, a passagem do furacão Harvey, é usado na batalha
política mais mesquinha, precisamos pedir um mínimo de decoro.
A passarela em que as notícias
deveriam aparecer vestidas apenas com a verdade e os fatos foi invadida por uma
fantasia: a primeira-dama, Melania Trump, estaria passeando pelo Texas de salto
alto, insensível ao drama dos desabrigados. Uma balela tão mentirosa quanto
aquela inventada contra Maria Antonieta e os brioches, o que nunca aconteceu,
mas os jacobinos de ontem e de hoje nunca desistem.
O salto alto de Melania foi
mais devastador para a turma das fake news que o próprio furacão. Como diria
Joice Hasselmann, é a fake news media que anda merecendo o salto agulha. Ou
lembrando o amigo Lobão, genial como sempre, quando a vida não tem muito sentido,
sempre em dia com o próprio atraso, trocam o destino por qualquer acaso. Por
favor, tenham bons ideais.
Se Melania é linda, chique,
elegante, sóbria e uma mãe exemplar, precisamos arrumar um defeito, afinal ela
é a esposa de Trump, o atual nazista de plantão. Ah, ela usa salto! Eu também,
até as jornalistas que escreveram sobre os terríveis stilettos devem usar, mas Melania não pode usar na escada do Air
Force One, mesmo que ela estivesse o tempo todo de tênis na sua passagem pelo
Texas. Um tênis branco, deve ser coisa de nazista. Emoji olhando para cima, por
favor.
Um jornal brasileiro chegou a
republicar um texto cometido por uma destas “analistas” que andam precisando de
análise. “Os sapatos de salto alto representam um distanciamento do governo com
a realidade“, “Os sapatos de Melania não são simples calçados”, dizia. A má
vontade com ela também não, respondo. Ah, o recalque, quantos crimes foram
cometidos por você. Ela chama Melania de opressora, mas o tipo de opressão que
ela causa na redatora é assunto de divã e não de jornal.
O mais curioso é que, poucos
dias antes, parte da imprensa fashion proselitista mirava seus canhões para
Baron Trump, o filho do primeiro casal. Ele estaria se vestindo de maneira
displicente demais. Baron é criticado por ser casual, Melania por usar salto.
Que deselegante.
Até Chelsea Clinton, filha de
Bill e Hillary, declarou que a imprensa está indo longe demais com essa
picuinha ideológica, patrulhando um menino de 11 anos. Quando a imprensa é
repreendida por um Clinton por ir longe demais contra um Trump, você sabe que
ela realmente saiu do controle. Literalmente.
Já disse e repito que não
tenho simpatia por Trump. Meu candidato para a Casa Branca era o governador de
Ohio, John Kasich, e Trump provavelmente era o último nome da minha lista nas
primárias republicanas. Alguns de seus pronunciamentos me constrangem, mas
quanto mais a imprensa é injusta e mesquinha com ele, mais sou obrigada a
defender a verdade. É preciso dar um basta. Uma tragédia como a que o Harvey
causou deveria trazer um pouco de sensatez ou vergonha, se é que ainda existe,
para as viúvas de Obama.
Enquanto isso, na verdadeira
América, todos se uniam acima das diferenças partidárias e ideológicas em nome
da solidariedade. A grandeza não nasce automaticamente com a tragédia, como a
última capa do Charlie Hebdo provou. A América sempre foi assim, unida nas suas
calamidades, e espero, sempre será. Amém.
Vou ser acusada de Trumpista?
Paciência. Quem é brasileiro sabe que apontar os erros do PT sempre gerou
acusações de tucanismo por parte da imprensa “isenta”, a mesma que hoje caça
Trump impiedosamente. Ser a favor e torcer pela atual equipe econômica no
Brasil e esboçar um sorriso com o tímido (e tão esperado) reaquecimento da
economia, é ser tachada de “Fica Temer”.
Sempre soube, desde os meus tempos de atleta, que evitar o aplauso fácil
é sempre o caminho mais difícil, que devemos sempre lutar pelo que é certo,
verdadeiro e justo, mesmo que nos custe um preço. Talvez poucos calculem o
custo de viver de mentiras.
Aos que perderam a pose e que
não sabem a arte de andar de salto alto nem de escada rolante, saibam que
“afinal de contas o fim do mundo não é nenhum fim de mundo e se for, descansem
em paz”. Décadence Avec Élégance.
Meu pai, homem sábio do
interior, sempre dizia: “Cuidado onde pisa, o salto alto na lama afunda e suja
muito mais do que pés descalços no chão.”
P.S. Essa semana este blog
comemora 1 mês de vida! Quero agradecer a vocês leitores que têm colocado essa
coluna entre as mais lidas no Estadão. Vocês têm sido maravilhosos! Quero
registrar também meu enorme agradecimento às minhas fontes de conhecimento e
inspiração para os meus textos, como os jornalistas, escritores e analistas
políticos Alexandre Garcia, Alexandre Borges, Bruno Garschagen, Guilherme
Fiuza, Flávio Gordon, Rodrigo Constantino, Carlos Andreazza, Maria Lima, Flávio
Morgenstern, Felipe Moura Brasil, Joice Hasselmann, Bene Barbosa entre outros
profissionais que nos brindam com lucidez e inteligência diariamente. Obrigada
a todos!
Título e Texto: Ana Paula Henkel, Estado de S. Paulo, 4-9-2017
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