José Manuel Fernandes
Em Portugal há gente suficiente para o PSD
ter futuro se disser qualquer coisa que não seja de esquerda. Não há é futuro
para uma cópia ensimesmada e bolorenta do PS, sonhando ser o seu parceiro menor
Um espectro ronda o PSD. E
não, não é o espectro do comunismo, como no famoso manifesto de Marx e Engels
escrito em 1848 – é o espectro de Passos Coelho. Aparentemente ninguém quer ser
conotado com o ainda líder do PSD, como se ele tivesse peçonha. É muito
revelador do país que somos, do PSD que temos e da sem vergonha que se tornou
no pão nosso de cada dia.
Já muitos o escreveram, vou
apenas repeti-lo: a história fará justiça a Passos Coelho, como fez justiça a
Mário Soares e a Ernâni Lopes depois do duro ajustamento de 1983-1985. A
história, de resto, já lhe começou a fazer justiça: em nenhum outro país
obrigado a enfrentar uma crise da dívida soberana o primeiro-ministro em
funções conseguiu voltar a ganhar as eleições. Na Grécia o Pasok foi reduzido a
um micropartido. Em Espanha o PSOE é uma sombra do que foi. Até em França o PSF
quase desapareceu. Não foi isso que sucedeu com a coligação PSD/CDS em 2015,
como bem nos recordamos.
Mesmo assim, depois de umas
eleições autárquicas que correram muito mal ao PSD, o seu líder entendeu atirar
a toalha ao chão. É compreensível. Iam fazer-lhe – no partido, no comentariato
dominado pelo PSD ressabiado e nos órgãos de informação – a vida negra. Mais:
os erros de cálculo e de timing que cometeu nos últimos dois anos, depois de
deixar de ser primeiro-ministro, deixavam-lhe pouca margem de manobra para se
reinventar.
Até aqui entendemos. O que já
não entendemos é que, de repente, na corrida à liderança do PSD, se pareça
querer apagar da memória do partido e dos portugueses os últimos sete anos. Não
é apenas uma vergonha de gente sem grande espinha vertebral – é um tremendo
erro político. Pior: é uma rendição que, a concretizar-se, acarretará custos
elevados para o país, para já não falar do próprio PSD.
Não há nada como a
frontalidade: o PS de António Costa e da geringonça rompeu com a tradição
socialista. Deixou de ser anticomunista e, sobretudo, deixou de ser antibloquista.
É um PS que que também ele aposta no esquecimento do que foi o socialismo real
que existia antes da queda do Muro de Berlim, flerta com o radicalismo utópico
e anticapitalista e está rendido ao politicamente correto. E se hoje cria a
ilusão de que se converteu ao rigor orçamental, a verdade é que isso só sucedeu
depois do apertão que levou em Bruxelas com o seu primeiro esboço de orçamento
de 2016 e, sobretudo, porque os ventos sopram a favor e o crescimento cria
folga para umas flores. No dia do aperto – e esse dia chegará, tão certo como a
Terra girar em torno do Sol – o “rigor orçamental” de Costa tenderá a ser como
o “rigor orçamental” de Sócrates (se a Europa voltar a estar distraída, claro
está).
No PSD devia por isso haver a
claridade estratégica que parece haver no CDS de Assunção Cristas (e a sua mais
recente entrevista ao DN apenas reafirma o que disse várias vezes em campanha,
apesar de os jornalistas não quererem ouvir): em Portugal os eleitores terão de
escolher entre uma maioria PSD/CDS ou uma maioria PS/Bloco. Tal como não é
tempo para reeditar coligações PS/CDS, também não é tempo de “blocos centrais”.
Escrevo isto com a frontalidade de quem muitas vezes defendeu que Portugal
necessitava de um acordo alargado entre o PSD e o PS para realizar algumas
reformas indispensáveis. Com estes socialistas isso não é apenas impossível – é
contraproducente.
De repente todos acharam que o
PS de Costa saído destas autárquicas está como que condenado a ter a maioria
absoluta nas próximas legislativas. Desenganem-se: isso está longe de ser uma
fatalidade. Os socialistas, mesmo considerando as coligações, somaram 39% dos
votos. Faltam pelo menos cinco pontos percentuais para a maioria absoluta. E
isto numas eleições em que o Bloco se ficou pelos 3,3%, muito abaixo do que
deverá ter em legislativas. (Pequena nota, mas significativa: este ano o PS
teve menos votos do que em 1997, ano em que Guterres quis que as autárquicas
fossem a rampa de lançamento para a maioria absoluta que não chegou a alcançar
em 1999.)
Quando formos chamados de novo
a votar creio que esta dicotomia essencial será clara: haverá que optar entre
um governo do PS com o Bloco ou um governo PSD/CDS. O PCP saltará, entretanto,
da geringonça, mas bloquistas e socialistas tenderão a constituir cada vez mais
uma massa indestrinçável feita do novo esquerdismo do século XXI. Olhemos para
o que passa noutros países (Jeremy Corbyn, Bernie Sanders, Pedro Sánchez,
Benoît Hamon…), e facilmente perceberemos que é nessa teia que o PS de Costa já
caiu, em parte por opção ideológica dos seus jovens turcos, em parte por puro
oportunismo dos que se alapam ao poder. Mas é lá que estão e é por lá que ficarão
nos próximos tempos.
A nova liderança do PSD
deveria por isso ter bem claro que a sua responsabilidade é ser alternativa –
nas ideias, na visão do mundo, na definição das prioridades, sobretudo na
defesa de um Portugal liberto dos atavismos, corporativismos e interesses
pequeninos (ou grandes) que há séculos determinam o nosso atraso e paralisia. É
um disparate sem nome achar que a deriva esquerdista do PS recomenda um
centrismo amorfo e disforme: o eleitorado português nunca foi muito de
ideologias e nem sabe o que isso significa. Mais: é de uma enorme cobardia
intelectual render-se à ladainha da esquerda e dos ressabiados sobre a deriva
“neoliberal” de Passos Coelho, pois mesmo os que ficaram zangados com o antigo
primeiro-ministro sabem que Portugal tinha de fazer sacrifícios e combater
privilégios de casta, tal como mesmo os que gritaram contra a “austeridade”
sabem lá no fundo que havia um caminho das pedras a percorrer.
Paulo Rangel escreveu algumas
coisas acertadas sobre o diferencia o PSD do PS e só é pena que não esteja na
luta pela liderança a defender essas suas ideias que, para mim, seriam pelo
menos um interessante ponto de partida para um debate frutuoso. (Cito, pois
parece-me relevante: “O PSD é pela igualdade solidária, o PS é pelo igualitarismo
social. O PSD acredita no Estado social que liberta, autonomiza e
responsabiliza o cidadão, o PS cultiva o Estado social que o cativa, condiciona
e infantiliza. O PSD aposta em que a exigência na educação pode tornar os
cidadãos mais iguais, o PS presume que o facilitismo os trata por igual. O PSD
acredita que a família e a comunidade devem guiar a educação, o PS insiste em
que o Estado deve formatá-la. O PSD quer um SNS capaz e eficiente, o PS quer um
SNS gigante e complacente. O PSD visa uma segurança social abrangente e
sustentável; o PS recusa pensá-la.”)
Em lugar da tonta ladainha
sobre a “socialdemocracia”, um PSD que na Europa alinha sem estados de alma na
família dos cristãos-democratas deverá compreender duas coisas: primeiro, que
um partido “personalista” é, antes de tudo o mais, um partido que acredita no
primado da liberdade e da criatividade individual, não na tutela asfixiante do
Estado, das suas dependências e das suas mordomias; segundo, que o
politicamente correto é uma nova forma de totalitarismo que pretende impor-nos
uma engenharia social e cultural que violenta a condição humana e séculos de
civilização e conhecimento científico.
No filme Abril, do italiano
Nanni Moretti (que esteve ligado ao Partido Comunista), a certa altura o
personagem só pedia para que os socialistas (em concreto Massimo d’Alema)
dissessem qualquer coisa de esquerda. Em Portugal há gente suficiente para o PSD
ter um futuro se disser qualquer coisa que não seja de esquerda. Não há é
futuro para uma cópia não assumida, envergonhada e porventura algo bolorenta e
ressequida de um PS com roupagens mais moderadas.
Nunca ninguém ganhou em não
ser carne nem peixe.
Título e Texto: José Manuel Fernandes, Observador,
8-10-2017
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O PSD que vem aí não é alternativa a coisa nenhuma!
ResponderExcluirVotei duas vezes no PSD, ou melhor, em Pedro Passos Coelho.
Não votei, nem jamais votarei, em Rebelo de Sousa para presidente; votei no socialista Henrique Neto.
Nas próximas legislativas, com certeza que não votarei no PSD. Votarei em um partido que se identifique – e não tenha medo –, com valores cristãos, conservadores (do tipo mulher com homem fazem outros homens e outras mulheres, e adoram fazê-los), Estado Social para quem realmente necessite, e Estado (especialmente Governo) fora, longe, de transportes, sejam eles aéreos, submersos, terrestres ou espaciais... Um Estado forte no tripé: Saúde, Segurança, Educação.
Em assim não sendo, que Portugal continue chafurdando na esquerdice anacrônica e traiçoeira. Bom proveito!
Paz, pão, povo, liberdade e nódoas negras
ResponderExcluirSérgio Barreto Costa
Pedro Passos Coelho vai abandonar a cena e, sobre esse acto de retirada, a maioria das vozes que se vão ouvindo são provenientes de dois grupos: o daqueles que nunca votaram nem nunca irão votar no PSD, e o dos que, sendo eleitores do partido, andavam zangados com o seu presidente. Uns e outros partilham a mesma convicção: o líder laranja afastou-se da matriz fundadora do Partido Social Democrata e traiu os ideais dos seus antecessores. Considerando que muitos dos elementos do primeiro grupo ocuparam uma larga parte das suas vidas a apelidar Sá Carneiro e Cavaco Silva de fascistas, imagino pretenderem elogiar Passos Coelho com tal juízo. Em relação ao segundo grupo a análise é mais complexa. Pensemos, por exemplo, em Pacheco Pereira. No mesmo dia em que era anunciada a decisão de não recandidatura, o cronista analisava no Público a situação do partido e dava orientações sobre o caminho que deveria ser seguido pelos seus militantes. Recuando no tempo, começa por informar os leitores das características históricas do antigo PPD, características essas que, pelos vistos, fazem muita falta ao actual. São elas a social-democracia, a defesa de uma forte redistribuição por via fiscal, o iliberalismo económico, o posicionamento no centro ou no centro-esquerda e nunca na direita.
Dado não ser militante, não vou poder participar na reflexão interna que se aproxima. Tal como diziam muitos brasileiros entre 1964 e 1985, não gosto de militar. De qualquer forma, de um modo totalmente gratuito, gostaria de deixar uma sugestão aos que militam: se é para acompanhar o raciocínio de Pacheco Pereira, a sigla PSD deveria passar a significar “Partido Socialista Dois”. Ou então, mais adequado ainda, “Partido Socialista Duplo”. Tal como acontece em Hollywood, tenho a certeza que o PS não se importaria de ter um substituto permanente para as cenas difíceis e arriscadas da gestão política nacional. Uma organização com as mesmas ideias e aparência, mas disponível para servir de saco de pancada em momentos de aperto. Os socialistas principais ficariam com a fama e com os beijinhos da audiência e os duplos tratariam de arriscar a pele nas inevitáveis ocasiões de perigo, tais como dar saltos de comboios em andamento, seguidos de cambalhota à frente, resgate financeiro e recuperação de bancarrota.
Sérgio Barreto Costa