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José Mendonça da Cruz
Velha esperança
Há quem deseje e defenda para
Portugal «uma sociedade civil forte e aberta… suficientemente autónoma do
Estado e dos grandes poderes» e «um poder político que saiba separar o
interesse público do privado ou particular». Esta sociedade não toleraria a
existência e a zelosa blindagem de centros de corrupção, roubo de dinheiros
públicos e saque de dinheiro dos contribuintes como a Caixa Geral de Depósitos,
a antiga Portugal Telecom, ou um estarrecedor número de sombrias
fundações. Esta sociedade não toleraria um fisco voraz e abusivo, e toleraria
ainda menos que os media silenciassem todos os abusos, e, ao invés,
procurassem excitadamente os raros casos de «evasão» fiscal, que nas
circunstâncias atuais mais parecem legítima defesa.
Há quem deseje e defenda para
Portugal «uma economia competitiva, aberta, autónoma, socialmente responsável»,
que não esteja tolhida pelos pequenos poderes que se acoitam nas malhas da
burocracia, por uma carga de impostos que a asfixia, e depois, com o produto da
rapina, oferece «apoios», «isenções» e «incentivos» aos primos, amigos e
companheiros de avental.
Esta sociedade não toleraria a
reversão de uma reforma maioritariamente subscrita do IRC; nem o domínio de uma
petrolífera que, mediante o monopólio de refinação e armazenamento, define os
preços de gasolina e gasóleo (e ainda ri, sarcasticamente, nos cartazes que
«informam» sobre os preços das diversas gasolineiras); esta sociedade não
toleraria um Estado que sorve 60% do preço de cada litro de combustível; nem os
sinuosos e casuísticos arranjos que colocaram privados e empresas a pagar a
eletricidade mais cara da Europa; esta sociedade não toleraria que, demonstrada
penosamente a falência das intervenções protecionistas no mercado
habitacional, a elas se regressasse com arcaicos argumentos de virtude.
Há quem deseje e defenda para
Portugal umas «finanças públicas que fossem responsáveis» e não submeta
presente e futuro a cangas financeiras. Um Portugal assim ficaria de cabelos em
pé com uma dívida pública a subir para além dos 250 mil milhões de euros, e
erguer-se-ia numa fúria sagrada contra algum troca-tintas que aventasse
que a dívida pública está, na verdade, a baixar.
Há quem deseje e defenda para
Portugal uma sociedade inspirada por «um sentimento de justiça e equidade», que
acredite que nenhum dos objetivos anteriores o contraria ou bloqueia, e que, ao
contrário, são esses objetivos que abrem caminho à justiça e à equidade, e
agilizam o elevador social.
Há quem deseje e defenda «uma
sociedade com sentido de exigência, e de rigor e disciplina». Essa sociedade
não suportaria nem um mês do mais presunçoso, desclassificado e
desclassificante consulado da Educação; nem o rastejante, porém despudorado,
enjeitar de responsabilidades na Administração Interna, na Defesa, nos Negócios
Estrangeiros, e na Assembleia, e em São Bento. Essa sociedade sentiria asco
perante um chefe de governo relapso e contumaz nos seus acessos de boçalidade e
ordinarice na própria «casa da democracia».
Velhos lacaios
A última vez que os valores
acima foram a votos, venceram com 39%. Mas os travestis de jornalistas
que dominam as redações chamam-lhes valores «passistas». É justo, literalmente,
pois tudo o que está entre aspas vem do discurso de despedida de Pedro Passos
Coelho, é o seu testamento político. Politicamente, porém, a escolha
terminológica dos travestis é pura fraude e propaganda. Tudo o
que extravase ou contrarie o seu pequeno mundo de funcionalismo, servidão, e
amanhãs que nunca cantaram nem cantam é «neoliberal» ou «passista». Não sabem o
que dizem – é difícil quando não se pensa –, mas como propaganda resulta. Todos
os iletrados querem «apoios do Estado», e nenhum repara que é «generosamente» …
«apoiado» … com o seu próprio dinheiro.
O que convém aos travestis é
o que não convém ao país. E, no entanto, na sua autossuficiência, na certeza da
sua superioridade e ideário, os travestis não se coíbem de
revelar o que mais lhes conviria. Durante dois anos, os travestis silenciaram
ou esqueceram todo e qualquer argumento da oposição (a menos que tomado desde
logo pelo seu contraditório), preferindo sempre em alternativa algum dichote de
alguma Catarina, alguma catilinária de algum Galamba, alguma falácia de Costa.
Agora, de súbito, o PSD enche
as páginas dos jornais, sobretudo com notícias que, por um lado, nos aconselham
Rui Rio, apelidando de «passistas» todos os outros (até no Observador,
que se vai revelando um dos maiores equívocos da informação dos últimos tempos,
com a ilha de inteligência
do comentário sitiada pelo jornalismo de manada do costume); e, por outro lado,
recomendando vivamente ao PSD que, para sobreviver, seja mais como o PS. Sobre
este ponto, no que toca a comentários maliciosos de travestis de
jornalistas e barões ultrapassados, vem previsivelmente Pacheco Pereira à
cabeça, cada vez mais submarino, cada vez menos socialdemocrata. (Traz Ferreira
Leite de arrasto.) (Invocam todos Sá Carneiro.)
Velhas carcaças
Foi Santana Lopes o líder que
não temeu ir a votos para substituir quem decidira ir «para a Europa» e escapar
à choldra? Foi eficaz e competente o seu Governo ou deu bastos argumentos à
manobra antidemocrática de Sampaio? E, sobretudo – mais para seu bem do que
nosso –, não está Santana Lopes confortável na Santa Casa, onde Costa o
manteve, onde com Costa negociou tapar as habilidades do Montepio com um risco
irresponsável para a Santa Casa? Devia continuar por aí.
Diz o Expresso de
31 de julho de 2013: «Hoje, quem seriam o Soares e Mota Pinto do século XXI?
Certamente António Costa e Rui Rio, dois amigos que se respeitam, com
cumplicidades políticas e pessoais várias, compondo um dueto que até esteve
presente no Clube de Bilderberg.» «Até» no clube… Pronto. Compreendemos.
Diz a Sic Notícias de 22 de
julho de 2014, que «numa conferência sobre "A política, os políticos e a
gestão dos dinheiros públicos", organizada pela TSF e pela Ordem dos
Técnicos Oficiais de Contas (…) foi notório o bom entendimento entre ambos (Rio
e Costa)» e que «Rui Rio reforçou que "o acordo principal é o acordo de
regime"». O Bloco Central, portanto, com um PSD obsequiante.
Diz Miguel Sousa Tavares, em 2
de outubro, na Sic: «Quem é Rui Rio, eu não conheço Rui Rio, não lhe conheço
ideias de espécie nenhuma.» Diz bem. Tirando a demonstrada pulsão para se aliar
com Costa, ninguém conhece.
Restaria Rangel para a
sucessão no PSD, se não tivesse invocado razões familiares para se afastar,
hoje, da corrida. Reconhecendo-se-lhe a inteligência, a cultura, a capacidade
política, e o espírito crítico e combativo demonstrados como líder parlamentar,
entre ocasiões diversas, teria, porém, que explicar uma frase … (peço desculpa)
… obtusa do que parecia o seu discurso de candidatura publicado esta semana
no Público: «A liberalização não é nem pode ser a operação através
da qual os interesses que opacamente colonizam o Estado passam abertamente a
colonizar a sociedade. Por isso não somos liberais.» É que, não querendo a
frase dizer nada, ela só pode ter como justificação o medo de declarar-se
liberal, ou a tentação persistente na direita de parecer esquerda. As duas
coisas são más, as duas coisas significam um PSD a reboque do PS. Por mim,
nunca ponho o voto no CDS, porque aprendi que não sei para onde o leva. E deixaria
de votar num PSD cujo anseio fosse ser um PS de segunda.
É estranho que a propósito de
um rumo individualizado para o partido nunca se ouça citar Sá Carneiro.
Título e Texto: José Mendonça da Cruz, Corta-fitas,
6-10-2017
Marcação: JP
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