Voltei ao Rio em janeiro depois de nove anos entre as cidades de
Pequim, Washington D.C. e São Paulo — nesta última morei três anos — e o tal do
distanciamento crítico impôs uma pergunta que me faço todos os dias, desde que
botei os pés aqui: por que diabos os serviços são tão ruins no Rio?
É certo que a qualidade dos
serviços nunca foi exatamente uma maravilha. Mas, diante dos preços cobrados
aos cariocas hoje, esta deficiência se transformou num deboche e numa
irritação. Os serviços no Rio são caríssimos e inexplicavelmente ordinários.
Restaurantes cujos garçons não
conseguem descrever um prato, bares onde é preciso ser Denise Stoklos para se
fazer notar, casas de show incapazes de começar um espetáculo na hora, táxis
com motoristas que perguntam antes para onde vai o cliente, balcões de
informações com gente que não sabe nada, ônibus que são máquinas de matar,
caixas de banco pouco solícitos, caixas de supermercado que jogam suas compras,
vendedores de lojas que discriminam, hospitais com técnicos em enfermagem
rabugentos.
No Rio, tudo parece tocado pela incompetência ou pela falta de qualidade. Ou os dois juntos. Dia desses, peguei um táxi com o motorista ouvindo um programa religioso. Aos berros. Peço gentilmente ao sujeito que abaixe um pouco o som. E ele: “Mais um sem Jesus no coração”. E eu: “Ele não está no meu coração porque está preso no meu tímpano. O senhor pode baixar o som, por favor?”. Ele abaixou uma coisa ínfima e foi resmungando até chegar ao destino.
No Rio, tudo parece tocado pela incompetência ou pela falta de qualidade. Ou os dois juntos. Dia desses, peguei um táxi com o motorista ouvindo um programa religioso. Aos berros. Peço gentilmente ao sujeito que abaixe um pouco o som. E ele: “Mais um sem Jesus no coração”. E eu: “Ele não está no meu coração porque está preso no meu tímpano. O senhor pode baixar o som, por favor?”. Ele abaixou uma coisa ínfima e foi resmungando até chegar ao destino.
No Jobi, o garçom pede uma
cadeira vazia na mesa ao lado, ocupada por uma solitária mulher. A ocupante
disse que esperava uma amiga, que já estava chegando, mas o garçom garantiu que
não tinha problemas, que ele arrumaria outra cadeira. Quando a amiga chegou, a
mulher chamou o garçom, mas ele disse que não podia fazer nada. Diante de
reclamações indignadas, o garçom apontou a fila na porta: “Se você quiser ir
embora, não tem problema. Tem um monte de gente querendo entrar”.
Um amigo vem sofrendo para
agendar a entrega de uma estante nova e o conserto da TV a cabo porque as
empresas marcam o dia, mas não se comprometem com horário, como se o sujeito
tivesse um dia inteiro à disposição.
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Foto retirada daqui
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E há a falta de gentileza. Há
coisa de duas semanas, fui à Chocolates Katz do Rio Sul, de que gosto muito, e
enquanto bebericava um expresso (R$ 3,80) pedi para provar um cubinho de
chocolate extra amargo. Uma delícia. Pedi cem gramas, um potinho de biscoito
wafer coberto e a conta. E a atendente: “Vou cobrar seis gramas para incluir o
chocolate que o senhor comeu”. Como assim? A prova? Mas se não fosse ela eu não
gastaria R$ 35,34 em chocolate!
Um amigo foi ao Cafeína e
precisou usar o laptop. Descobriu que a bateria estava acabando e chamou a garçonete:
“Você teria uma tomada para eu ligar o meu computador?” E a menina: “Temos, mas
o gerente diz que cliente não pode usar".
Há quem explique essa
vagabundagem nos serviços apelando para a História. O Rio sempre padeceu de
bons serviços para a população porque sempre foi uma cidade dividida desde a
Colônia. Para a elite — os senhores de engenho, a corte, os nobres, os
governantes da capital, o topo do funcionalismo, os ricos —, tudo. Para os
outros, a resignação. Quem mandou não ser “alguém”? Quem mandou não ter
“conexões”? Ou seja: se você frequenta o lugar, é um rei. Se não frequenta, que
se vire.
Eu prefiro acreditar nos mais
pragmáticos: falta investir em treinamento. O que parece é que uma economia
turbinada pelo consumo e por programas de redistribuição de renda saiu
contratando quem estivesse disponível para trabalhar. E essa mão de obra
simplesmente não foi (não é) treinada adequadamente. Só isso explica um cidadão
ir a uma região administrativa da prefeitura e ouvir ali que “é mais fácil ligar
para o 1746”.
Uma terceira corrente vê
passividade nos cariocas. Para essa gente, o carioca não reivindica e não
reclama. Uma cidade cheia de belezas naturais parece ser o suficiente e
desculpar todas as falhas. Desde que a cerveja esteja gelada, tudo bem que a
mesa é bamba e a cadeira, de plástico.
Está mais do que na hora de
mudar isso, não?
Título e Texto: Gilberto Scofield Jr., O Globo,
08-06-2013
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A cara do Brasil. Num táxi do Rio de Janeiro.
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