Abaixo dois longos textos de
Reinaldo Azevedo que valem a pena ser lidos, especialmente por aqueles que,
como eu, não querem ser manipulados nem usados por vontades ocultas de esquerdistas
ou de melancias.
Por que eu digo “não” 1 – A rebelião das massas. Ou: Dilma fala, mas o
quebra-pau nas ruas continua
Poderia começar cantarolando
um antigo hit: “Não vou mudar/ esse caso não tem solução…”. Não, meus caros,
mesmo reconhecendo, e já escrevi aqui, que existem reivindicações justas e
honestas nas manifestações de rua; mesmo reconhecendo que expressões de
descontentamento são próprias do regime democrático; mesmo reconhecendo que,
hoje, o PT se transformou num dos alvos principais dos protestos, apesar de
tudo isso, eu continuo rejeitando a forma como milhares expressam o seu repúdio
“a tudo o que está aí”. Não posso fazer nada a respeito. Eu sou eu e minhas
circunstâncias, para citar um dos pensadores que me são caros, Ortega Y Gasset,
autor do que, para mim, é um clássico: “A Rebelião das Massas”.
Não posso, contra tudo aquilo
que penso, assentir com práticas que, se generalizadas e tornadas um norte
politico, ético e moral, conduziriam o país a um mal maior do que aquele que se
propuseram a combater. Ainda que tais procedimentos possam atingir em cheio
figuras e partidos que execro, essa seria uma batalha sem princípios — e é
contra os meus princípios adotar os métodos daqueles a quem combato. Eu não
cultivo a humildade socrática e jamais diria “só sei que nada sei”. Prefiro o
que poderia ser, talvez, uma divisa aristotélica: SÓ NÃO SEI O QUE NÃO SEI. O
fato de eu, como toda gente — incluindo governo e oposição —, não saber direito
o que está em curso nem qual será a forma do futuro não implica que eu deva
esquecer o que sei. Entenderam?
O fato de ignorarmos as causas
exatas de um determinado fenômeno não pode nos levar a nos colocar diante deles
como uma tábula rasa, de sorte a nos deixar conduzir pelo puro empirismo. O
fato é que sei algumas coisas. Sei, por exemplo, que não existe política fora
da política. Sei, por exemplo, que não existe saída civilizada fora da
representação democrática. Sei, por exemplo, que a imposição coletiva de
descontentamentos individuais ou de grupos nem protege o individualismo nem
cria coletividades mais tolerantes. Sei, por exemplo, que os oportunistas
sempre se beneficiam da depredação dos valores institucionais. Só não sei o que
não sei. Mas sei o que sei.
Seria tolo ignorar o que
aprendi até aqui e me deixar arrastar pela voragem das ruas contra as minhas
convicções. E entendo, sim, por que muita gente boa se entusiasma. Sim, meus
caros, eu sou tão conservador, mas tão conservador, que acredito que Dilma tem
de ser derrubada segundo métodos… conservadores! Ou por outra: tem de ser
vencida nas urnas segundo valores que são de outra natureza. Os que estão em
curso não me servem. Os que estão aí têm certo cherio de petismo sem PT; de
petismo pós-moderno; de um petismo que se espalhou nas redes sociais — ainda
que muita gente, e é certo que são milhões, execrem o PT. MAS ATENÇÃO! Nem para
tirar os petistas do poder eu aceitaria flertar com categorias que considero
pré-políticas, inaptas, ineptas e inapetentes para a vida em sociedade. Não
aceitaria porque eu também sei aonde essas coisas vão dar.
Eu, que desconfio de coletivos
e coletivismos; que repudio os aiatolás que se arvoram em juízes do pensamento
alheio; que sou um fanático da distinção entre as esferas pública e privada da
vida, eu não posso — e não vou — dar piscadelas àqueles que acreditam que podem
impor aos outros a sua vontade; que a rua, qualquer rua, pode ser apropriada
como espaço de reivindicação de maiorias ou minorias que pretendem falar em
nome da causa geral. Na verdade, uma das razões por que me oponho ao PT, aos
ditos movimentos sociais (que nada mais são do que minorias que acreditam no
valor universal de causas no mais das vezes particulares) e aos coletivos disso
e daquilo que têm a ambição de atuar como polícias do pensamento é justamente
seu caráter autoritário, impositivo, fascistoide.
No Globo Repórter de
sexta-feira, por exemplo, um rapaz do movimento “Juntos”, tratado como um
neoiluminista, falava da importância da sociedade mobilizada. Era o exemplo do
“jovem”. O Globo Repórter só não informou — e não o fez porque não quis, já que
segredo não é — que o “Juntos” é uma cria do PSOL. Luciana Genro é a dona do
domínio da turma na Internet. Já contei isso aqui. O rapaz que aparecia ali,
mestrando em sociologia, poetizando sobre um futuro generoso, é membro de uma
legenda que tem na sua plataforma, entre outras delicadezas, a expropriação
também de terras produtivas para a reforma agrária — eles defendem um limite
para a propriedade rural, mesmo aquela sobre a qual não há nenhuma evidência de
irregularidade. É princípio! Ele diz: “Isso [pessoas nas ruas]
deixa feliz; nós vamos ser um país melhor, mais democrático; nós vamos ter mais
possibilidade de tomar nas nossas mãos o nosso futuro quanto mais pessoas
puderem ir às ruas (…)”. É verdade! O PSOL disputa eleições. Se e quando tiver
votos, que aplique o seu programa. Dividindo o comando do DCE da USP, por
exemplo, o partido desse notável tribuno da plebe deu um golpe continuísta
porque corria o risco de perder. Nas greves da universidade, o PSOL costuma
impor a sua vontade por intermédio de suas minorias truculentas. Mas lá estava
ele sendo tratado como uma personagem dessa nova aurora — e, pior, como se não
tivesse partido.
Não, meus caros leitores,
minhas caras leitoras! Isso não me encanta. Ainda — e é verdade — que as
esquerdas tenham perdido o protagonismo do movimento que está nas ruas; ainda
que o “Juntos” e o “Movimento Passe Livre” tenham sido engolidos por outra
agenda — que eles, de fato, repudiam —, os métodos referendam uma forma de fazer
política que não aprovo. E eu não tenho o menor receio de ser contra a
maiorias. Nunca tive. Este blog bateu sucessivos recordes de visitas nesta
semana porque diz o que pensa, não o que pensam. Pesquisa Datafolha, segundo a
Folha deste domingo, aponta que 66% dos paulistanos acham que manifestações de
rua devem continuar; 34% acham que não. Que elas continuem, aprovo. Que tomem
qualquer via pública, quando der na cabeça das lideranças, aí não. Nesse caso,
estou com os 34%. À diferença do pensador do Globo Repórter, eu acho que o
mundo será tanto melhor quanto mais pudermos, cada um de nós, cuidar de nossa
própria vida e da vida da nossa família. “Então não existem demandas públicas,
Reinaldo?” Existem! Por isso existe a praça. Segundo o Datafolha, 78% dos paulistanos
apoiam a ocupação da Paulista. É? Pois eu estou com os 22%, então. Não posso
negar o que sei. E EU SEI QUE NEM MESMO AS MAIORIAS TÊM O DIREITO DE CASSAR O
DIREITO CONSTITUCIONAL DE IR E VIR. Nem o rapaz do PSOL nem um outro que odeie
o PT pode obrigar terceiros a aderir à pauta do PSOL ou a odiar o PT,
entenderam? E se todos aqueles que tiveram algo a dizer ou alguma demanda a
apresentar ao estado decidirem fazer o mesmo? Qual é o limite? Quem esses
juízes do espaço público acatam como juiz? “Ah, mas o direito de se expressar e
se reunir também está na Carta!” Eu sei e apanhei bastante para conquistá-lo.
Reitero: a praça está à disposição. Por mim, o Vale do Anhangabaú, por exemplo,
pode ficar reservado só para manifestações.
Aí eu vou lá levar o meu
cartaz. Erguerei um contra a corrupção, contra a PEC 37, contra o eventual
esforço de transformar o julgamento do mensalão num pastelão, contra a inércia
do Congresso, contra a incompetência no gerenciamento da saúde, contra a morte
da Baleia (a cadela de “Vidas Secas”), contra comida japonesa, contra o Bolero
de Ravel, contra a vírgula entre sujeito e predicado, contra o risco de que as
orações subordinadas sejam extintas em nossa imprensa… Eu tenho demandas
imensas.
Mas não me peçam…
Mas não me peçam para aplaudir, porque não vou, uma onda que professa seu ódio à política sob o pretexto de que pretende melhorá-la. Vocês sabem o que penso sobre o PT, o PSTU, o PSOL… Acima, expresso a minha contrariedade por um programa jornalístico da Globo ter omitido a origem de um movimento, atribuindo-lhe tinturas apartidárias que são falsas. Sou pela clareza. Defendo o meu direito de demonstrar que são partidos obscurantistas, que, na prática, querem mesmo é ditadura. Mas não me encanta, de modo nenhum!, esse ataque generalizado à política como morada exclusiva da falta de ética e da ladroagem. Exclusiva não é. Mas isso também não resolve, é claro. Basta que seja para merecer um protesto. Mas, então, que se melhore a política, ora!
Nos protestos havidos em
Brasília, havia muita gente gritando contra Renan Calheiros (PMDB-AL),
presidente do Senado, por exemplo. O arquivo está à disposição para que se
saiba o que penso dele e o que já escrevi sobre ele. Mas é de uma estupidez
sem-par chamar de pacífica uma manifestação que toma o teto do Congresso, com
cartazes convertidos em tochas. Eu não seria eu se não escrevesse tudo. E,
então, vou escrever tudo: se o diabo me obrigasse a escolher entre a democracia
que temos, com Renan Calheiros lá, sendo quem é, e os que acreditam que podem
sapatear sobre o teto do Parlamento, eu teria de escolher Renan. O motivo é
muito simples: no sistema que temos, eu, ao menos, posso escrever o que penso
sobre o presidente do Senado… Escrevi contra as manifestações e recebi centenas
de ameaças de morte e espancamento. “A culpa não é dos milhares que se
manifestam!” Nem eu estou dizendo que seja. Mas é preciso, sim, cuidar dos
sentimentos que a gente mobiliza quando faz determinadas reivindicações.
O ódio à política — e, não há
como negar, há uma parte da imprensa encantada com isso (vou escrever a
respeito; lembrem-se de que esta é apenas a primeira parte deste texto) — nos
conduz a formas pré-políticas de resolução de conflitos: ou à guerra de todos
contra todos ou à má política. Em seu péssimo pronunciamento, a presidente
Dilma anunciou a disposição de levar para o Palácio do Planalto os tais
movimentos sociais. Como serão usados? Serão tratados como supostos
representantes do povo, numa espécie de “by pass” no Congresso? Com que
legitimidade? Eu não quero uma democracia tutelada por conselhos populares,
formados por pessoas que outorgam a si mesmas o poder da representação.
Já escrevi 10.200 toques e
estou muito longe de acabar este post. Por isso ele vai em partes — autônomas,
sim, mas formam um conjunto. É claro que essa voz das ruas, ora justa, ora
destrambelhada, mas sempre equivocada nos métodos, tem uma origem (por óbvio,
mais remota) e se fez mais audível em razão de causas recentes. Ela questiona,
sim, o modelo petista de governo, mas de uma maneira que entendo distinta do
que se tem dito por aí. O baixo crescimento ou a inflação, por exemplo, são
absolutamente insuficientes para explicar esse mal-estar.
Encerro dando uma pista do que
virá na parte 2. Anotem aí: dez anos de ataque sistemático à ordem constituída
por meio da depredação de instituições e valores — Congresso, Judiciário,
imprensa, Polícia, Forças Armadas — não poderiam resultar numa coisa muito boa.
Mais: a “sociedade de consumo” do modelo petista tem outras demandas, além de
uma TV de tela plana, especialmente aquelas ligadas ao serviço público. Os
canais do partido, em sua fase burocrática, foram obstruídos por pelegos, pela
“burguesia do capital alheio”, como chamo. Vejo esta patética UNE tentando se
meter no meio da criançada que está na rua, e seus representantes me parecem
pterodáctilos renascidos no século 21. A UNE não existe. Foi privatizada por
Lula, que a comprou com dinheiro público. Nesses anos, a oposição poderia ter
sido um bom canal de expressão das contraditas — e tudo dentro da ordem
democrática —, mas também ela silenciou com medo da suposta unanimidade e foi
demonizada pelo demiurgo, cujo governo montou, por intermédio do subjornalismoo
de aluguel, uma verdadeira máquina criminosa de difamação das pessoas que ousam
divergir e da própria imprensa — que foi, com as exceções de praxe,
frequentemente servil ao suposto milagre petista.
O país parecia morto ou
anestesiado. Na dúvida, bastava chamar João Santana. Dilma chamou de novo. E se
produziu nesta sexta um discurso pífio na TV. No dia seguinte, lá estavam as
massas na rua, de novo, quebrando tudo.
Reinaldo Azevedo
Por que eu digo “não” 2 – O Brasil não é o Egito, e Dilma não é
Mubarak. Ou: Os problemas são reais, o transe é coisa de “engenheiros de
opinião”. Ou: Um terço dos manifestantes justificam depredações. É uma
“minoria” grande demais! Ou ainda: Repudio que os esquerdistas do Passe Livre
sejam a catraca do nosso cotidiano
Escrevi ontem o primeiro capítulo da série “Por que eu digo ‘não’”, com o subtítulo “A rebelião das massas. Ou: Dilma fala, mas o quebra-pau nas ruas continua”. Vamos à segunda parte, que começa com uma reiteração. Embora eu já tenha deixado isto claro inúmeras vezes, a questão insiste em aparecer nos comentários. Os que estranham a minha falta de entusiasmo com o movimento que está nas ruas ou jamais entenderam o que eu penso ou não compreendem o que veem. Não endosso e jamais endossarei o clamor por democracia direta ou pela instituição no país de mecanismos que a tanto conduzam se aprovados. Se e quando tal pleito sair vitorioso, estaremos todos à mercê da ditadura de minorias organizadas. E as manifestações a que assisto, com seu declarado ódio ou fastio às instituições, abrem uma vereda que nos conduz à terra do “quem grita mais chora menos”, destruindo, em vez de aprimorar, os mecanismos de representação. Isso se choca frontalmente com o que entendo por uma democracia organizada. Atenção! Parte substancial das dificuldades por que passa o país deriva do fato de que o governo está, sim, loteado entre partidos políticos, mas também está loteado, a seu modo, entre movimentos militantes. E o alarido tende a ampliar esse militantismo. Não será com o meu assentimento. Tratarei desse aspecto com mais vagar no terceiro texto. O transe por que passa o país nasce, sem dúvida, de problemas reais, mas a sua potencialização é artificial. Entendo que, longe de ser uma explosão espontânea de indignação e cidadania, trata-se, na sua fase inicial, de um fenômeno razoavelmente manejado de controle da opinião pública. Eu explico.
Vi na TV algumas senhoras e
senhores já maduros, um tantinho acima do tom, a bradar: “Não esperava que
fosse ver essa geração na rua! O país acordou e está reagindo!” Epa! O Brasil
não é o Egito, a Tunísia ou o Iêmen! Não é nem mesmo a Turquia, que não vive um
regime democrático na acepção plena do termo. Ainda que venha sendo
permanentemente agredida, ainda que viva sob permanente ataque especulativo,
estamos numa democracia de direito. O tom emprestado à cobertura das
manifestações, apontei aqui desde os primeiros dias, buscava mimetizar o apelo
épico que a Al Jazeera, a emissora da ditadura do Catar, emprestava à mal
chamada “Primavera Árabe”. As coberturas ao vivo no Brasil percorreram
todos os adjetivos e exclamações do ridículo, da mistificação e da discurseira
laudatória. Vocês sabem o que penso sobre o PT há muitos anos. Sabem,
igualmente, o que penso sobre Dilma Rousseff, mas ela não é Hosni Mubarak ou
Muamar Kadafi. Se desafiar estado de direito numa ditadura pode até resultar
em democracia (não aconteceu em nenhum país árabe ainda), o desafio ao estado
de direito numa democracia acena para a ditadura. É uma questão óbvia.
Legalidade desafiada e Fux
“Mas a legalidade está sendo desafiada, Reinaldo?” Ora, as manifestações falam por si, seja pela degeneração em vandalismo, seja pela permanente agressão ao direito constitucional de ir e vir. Pior: o clima das ruas começa a contaminar o juízo de quem deveria ter juízo e de quem é, a rigor, o próprio juízo. No dia 19, o ministro Luiz Fux, do STF, concedeu uma liminar aos “companheiros” do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais, ligado à CUT, derrubando outra liminar que havia sido concedida pelo Tribunal de Justiça de Minas, que havia proibido manifestação que impedisse o trânsito de pessoas e veículos. A prevalecer a liminar de Fux, qualquer grupo pode, a qualquer hora, interromper o trânsito onde bem entender, sem prévio aviso, sem nada. Basta ir lá e pronto! O ministro só faz uma ressalva: não pode haver violência. Nesse caso, então, a Polícia Militar pode intervir. Pergunto: forçar as pessoas, porque é disto que se trata, a participar de um ato com o qual eventualmente não concordem ou impedi-las de transitar livremente constituem ou não violência? Para Fux, não! A íntegra de sua liminar está aqui. A Constituição não contém fundamentos que se negam mutuamente. Pergunto: o que Fux fez do direito de ir e vir? “Mas como as pessoas poderão protestar?” Há praças para isso. Pode-se combinar previamente com o poder público um itinerário para evitar o caos na cidade. Que nada! Fux evoca o testemunho da imprensa de que as manifestações são pacíficas e concede uma liminar que não lhes impõe nenhum limite, a não ser este: só não pode depredar. Em que país do mundo é assim? Em nenhum! É mais uma jabuticaba de Banânia.
Atenção! A prevalecer o texto
de Fux, manifestantes podem impedir o trânsito que conduz a estádios ou a
megaeventos, que envolvam milhares de pessoas. Se, por exemplo, no próximo Rock
in Rio, um grupo de fanáticos da MPB — ou mesmo do verdadeiro rock (será que
fui muito sutil?) — decidir que é o caso de obstruir a passagem da turma, a
polícia poderá no máximo observar. Se não houver quebra-quebra, tudo bem! Vênia
máxima, não se trata de uma liminar, mas de um engajamento — aliás, o texto do
ministro chega a ter certo tom condoreiro. Há mais: juízes estão mandando
soltar os vândalos que estão botando pra quebrar Brasil afora, promovem
arruaça, depredam, desaparecem, a polícia os encontra e são imediatamente
postos na rua.
Causas reais, tensão artificial
Saúde, educação, infraestrutura… Nada disso anda bem. Há roubalheira no país. Os corruptos estão soltos por aí. O Congresso há muito é mero caudatário do Executivo, reunindo algumas figuras pouco recomendáveis. É claro que há motivos em penca para protestar. As causas são verdadeiras. Mas a tensão a que chegou o país é matéria de engenharia de opinião pública — e, como tal, embute um discurso político que tem de ser destrinchado. E eu não me furtarei a fazê-lo, ainda que tomando algumas porradas aqui e ali. Estou acostumado.
Tudo começou com um pleito
absurdo de grupelhos de extrema esquerda em São Paulo, aliados históricos do
PT: querem o tal “passe livre” e passaram a ser tratados como gente séria, de
respeito, que tem algo a dizer. Na quinta, dia 13, manifestantes, que já vinha
fazendo protestos notavelmente violentos, desrespeitaram um acordo feito com a
tropa de choque em São Paulo e avançaram a linha do combinado. A PM reagiu.
Essas coisas nunca são bonitas. Decretou-se, o que é uma mentira escandalosa,
que os policiais é que haviam dado início ao conflito. Cenas de exageros da
polícia — e tudo indica que aconteceram — passaram a ser exibidas
insistentemente nas TVs. Os grupos organizados nas redes sociais se
encarregaram de espalhá-las. Os vândalos e aqueles que usaram a sua mão de obra
passaram a ser tratados como os utopistas de um novo mundo. Quando a Secretaria
de Segurança Pública de São Paulo, atendendo ao clamor, especialmente da imprensa,
combinou com o Passe Livre que não haveria tropa de choque na rua, balas de
borracha, bombas de gás, nada disso, e que a cidade inteira era um território
livre para a manifestação, os protestos se tornaram nacionais pra valer.
As Policias Militares de todos
os estados passaram a ser tratadas como as forças de Muamar Kadafi ou de
Mubarak. Deu-se de barato que estavam proibidas de intervir. As
escandalosamente reiteradas cenas de barbárie nas ruas passaram a ser chamadas
por aquilo que não eram: EXCEÇÃO! Nunca antes na história do mundo se viu uma
exceção se repetir tantas vezes. Ora, em movimentos dessa natureza, é sempre
uma minoria que parte para o ataque. A questão é saber qual era a sua conexão
com a maioria ou com os organizadores do evento. O MPL, por exemplo, jamais
condenou o vandalismo. Nunca! Numa entrevista coletiva, seus líderes
disseram-se contrários apenas à hostilidade dos manifestantes aos jornalistas —
e, claro, criticaram a polícia.
Insisto neste aspecto: a
Polícia Militar é sempre a primeira força de contenção quando explodem
conflitos de grandes proporções. Demonizada, satanizada nas ruas, tratada como
bando de aloprados, vista como aglomerado de brucutus, qual seria a consequência?
Some-se a isso uma reivindicação da imprensa que foi plenamente atendida: as
cidades como territórios livres — das cidades, logo se chegou às estradas.
Todos os acessos a São Paulo — ou saídas, se quiserem — chegaram a ser
bloqueados. O Aeroporto de Cumbica, uma área de segurança, ficou isolado. Se os
patriotas decidirem fazer isso durante a Copa do Mundo, Luiz Fux chamará de
“democracia”..
Mas lá estavam os engenheiros
de opinião pública a decretar: trata-se de uma manifestação pacífica,
infiltrada por alguns baderneiros. Não! Quebrar banco, invadir loja, depredar a
Assembleia Legislativa, ah, isso não podia. Mas tomar as estradas, isolar o
aeroporto, impor às pessoas uma rotina de guerra, ah, isso tudo bem! Com isso
Fux, por exemplo, concorda. Com isso, as TVs concordam. Chamam de “manifestação
pacífica”.
As causas são reais? São! A
“crise da democracia” é artificial. E eu lhes apresento uma espécie de “prova
pela ausência”.
Cadê os policiais feridos?
Quantos policiais feridos vocês viram na televisão ou nos jornais? Um só! Aquele que quase foi linchado em São Paulo, no dia 11, se não me engano. Só na Assembleia Legislativa do Rio, 20 se machucaram. Não obstante, imagens de jornalistas atingidos por balas de borracha — podemos debater se elas devem ou não ser usadas — passaram a ser exibidas ou como evidência da truculência da polícia ou, sei lá, do martírio dos profissionais de imprensa. As edições têm privilegiado especialmente os atos violentos dos PMs. Não por acaso, na pesquisa encomendada pela TV Globo ao Ibope, levada ao ar ontem no Fantástico, 57% dos que participaram das passeatas consideram que a polícia agiu com muita violência. Pois é… Em, sei lá, 95% das vezes, os policiais reprimiram vândalos. Há casos de gente atingida por gás de pimenta, por exemplo, que não estava quebrando nada? Há! Exibi-los à exaustão converte a exceção em regra. Assim como a rotina das depredações era, absurdamente, chamada de exceção.
O Fantástico ontem, diga-se,
entrevistou o policial Nilmar Avelino, do Rio, aquele que levou uma pedrada na
cabeça e ficou estirado no chão, atacado por aquilo que parecia ser um bando de
urubus. Muito bem. Seguiu-se o seguinte diálogo:
Fantástico: Você não tem mágoa de quem te fez levar esses dez pontos na cabeça?
Nilmar: Por que teria? De repente, ele não sabe nem o que fez. Sempre vai haver os mais exaltados. Mas acho que as pessoas ali estão reivindicando é um país melhor. Quem não sonha? Eu sonho com um país melhor.
Fantástico: Você não tem mágoa de quem te fez levar esses dez pontos na cabeça?
Nilmar: Por que teria? De repente, ele não sabe nem o que fez. Sempre vai haver os mais exaltados. Mas acho que as pessoas ali estão reivindicando é um país melhor. Quem não sonha? Eu sonho com um país melhor.
Pergunta óbvia: o policial
poderia ter dado uma resposta diferente dessa? Vamos imaginar que dissesse que
tem mágoa, sim. Vamos supor que dissesse que, na próxima, se perceber que vai
apanhar, vai é bater primeiro. Teria ido ao ar? Se fosse, o coitado, que já
estava de volta ao serviço, seria afastado. É evidente que se trata de uma
forma nada sutil de sugerir que aos policiais cabe a grandeza do perdão, como
se estivessem lá para aquilo mesmo. E não estão. Policial militar não recebe
para levar pedrada e apanhar de vagabundo. E não conservar mágoa não é uma
superioridade moral obrigatória. NOTA À MARGEM: nenhum jornalista foi convidado
a perdoar policial. Corolário: um bandido até pode merecer perdão; um PM não.
Pesquisa desmente farsa do
pacifismo. Ou: A grande irresponsabilidade
Faustão, ontem, num discurso em favor da ocupação das ruas, transformando programa de auditório em comício, disse que os eventos desmentem essa história de que o brasileiro é um povo pacífico e coisa e tal. É verdade! Mas não da maneira como sugere. A pesquisa encomendada pela Globo revela que 5% dos entrevistados acham que depredações são sempre justificadas. Outros 28% acham que elas se justificam em alguns casos. Para 66%, nunca se justificam, e 1% não soube responder.
Faustão, ontem, num discurso em favor da ocupação das ruas, transformando programa de auditório em comício, disse que os eventos desmentem essa história de que o brasileiro é um povo pacífico e coisa e tal. É verdade! Mas não da maneira como sugere. A pesquisa encomendada pela Globo revela que 5% dos entrevistados acham que depredações são sempre justificadas. Outros 28% acham que elas se justificam em alguns casos. Para 66%, nunca se justificam, e 1% não soube responder.
Minoria??? Em relação aos 66%,
sim. Mas atenção! UM TERÇO DAS PESSOAS QUE PARTICIPAM DOS PROTESTOS
JUSTIFICAM AS DEPREDAÇÕES. Digamos que tenham comparecido, num número
talvez subestimado, 400 mil pessoas no mega-evento do Rio. Digamos que a
amostragem do Ibope esteja certa e que a pesquisa reproduza a média das
opiniões. Naquele dia, pelos menos 132 mil pessoas flertavam com a
possibilidade de partir para o pau: 20 mil delas aceitariam isso em qualquer
caso; 112 mil, só em alguns…
Destaco essa questão para dar
relevo à grande irresponsabilidade que é demonizar as Polícias Militares numa situação
como essa. O que querem no lugar? Se não forem eles, será quem a intervir se as
coisas fugirem do controle? É UM ABSURDO QUE 33% DE MANIFESTANTES ADMITAM A
POSSIBILIDADE DA DEPREDAÇÃO. Quando o ministro Luiz Fux concede uma liminar que
torna o Brasil inteiro território livre para manifestações, está flertando com
o perigo — alheio, claro!, não com o seu próprio.
Inventar uma “Primavera Árabe”
num país democrático é um despropósito. Transformar as Polícias Militares em
exércitos treinados para reprimir o seu próprio povo — como se dizia das forças
que sustentavam aquelas tiranias — é igualmente falso. Flertar com
manifestações de descrédito às instituições é um risco. A propósito: esse tal
Passe Livre tem como lema “a vida sem catraca”. Totalitários que são, querem
ser a catraca da vida de milhões de brasileiros. Preço que cobram: o seu
direito de ir e vir. Mas por que chegamos aqui?
Ataque às instituições e canais obstruídos
Há muito tempo já, mas há dez anos de forma sistemática, as instituições têm sido alvos de ataques especulativos. Escrevi, sem qualquer hipérbole, milhares de textos apontando as muitas vezes em que o petismo, mesmo o que está no poder, que integra o Estado, dá de ombros para as leis. Existem, estão aí, mas quem se importa? A presidente Dilma Rousseff atribuiu justamente a Gilberto Carvalho a tarefa de estabelecer a tal “interlocução com movimentos sociais”, atrelando-os ao Planalto. “O que há de mal nisso, Reinaldo? Você e mesmo um reacionário!” Não há mal nenhum desde que o governo — ou, de forma ainda mais profunda, o Estado — não se torne o principal promotor da desordem no país.
Ora, em que resultou e tem
resultado a “interlocução” de Carvalho? O MST invade e depreda fazendas quando
lhe dá na telha. Mas, é claro!, trata-se de um dos “interlocutores” de
Carvalho. Meio Mato Grosso do Sul está conflagrado por causa da questão
indígena, e essa é uma crise que eu ousaria dizer fabricada na Secretaria Geral
da Presidência. Nestes dez anos, com ênfase no governo Lula, nada ficou imune à
depredação e ao vandalismo moral: Legislativo, Judiciário, imprensa… A oposição
foi impiedosamente desqualificada, desmoralizada — e se deixou, é bem verdade,
desqualificar e desmoralizar.
Notem que há um estranho
casamento de agendas na praça: a extrema esquerda está lá, sim. Foi ela,
diga-se, que abriu a primeira janela — e os petistas incitaram o baguncismo em
São Paulo. Mas há também os que não suportam mais a rotina de incompetências e
desmandos e que repudiam o petismo. Mas nem por isso se sentem representados
pela oposição. E nem poderiam. Ao longo dos anos, ela se mostrou um tanto
frouxa, incapaz de articular um discurso que reunisse valores alternativos aos
triunfantes. Resultado: há, sim, milhões de pessoas que, embora repudiem visão
de mundo petista, não têm onde ancorar as suas frustrações.
Gilberto Carvalho tem razão ao
dizer que há um certo moralismo nas ruas. É verdade! E ele se dirige contra o
governo do PT, que resolveu declarar imoral a própria moral, não é mesmo?
Assim, descontentamentos ficaram represados: nem havia como expressá-los por
intermédio da capilaridade governista — já que os movimentos sociais estavam e
estão todos cooptados, comprados pelo petismo com seus “bolsismo” e medidas de
reparação disso e daquilo — nem por intermédio da oposição, que seria o canal
natural por onde deveria escoar as contraditas ao discurso do poder. Um bom
exemplo é a UNE. Há milhares de estudantes na rua que jamais sentiram a
presença dos pelegos em seu cotidiano.
Por que digo que os problemas
são reais, mas a tensão é matéria de engenharia? Porque parte deles, que
assumiu a forma da urgência, é crônica. Alguns se tornaram mais agudos, é
claro!, à medida que as políticas de inserção social dos últimos 20 anos — e
elas existem — aumentaram o número de usuários de aparelhos do sistema público,
escandalosamente ineficientes. E, então, chegamos a um busílis importante, que
ficará para o terceiro capítulo desses textos, que são independentes entre si,
mas conectados: a coloração que estão assumindo os justos protestos nos leva à
solução ou pode criar novas e graves problemas? Direi, então, no texto de
amanhã por que há o risco imenso de incidirmos na segunda hipótese. Por que a
educação é sofrível? Por que a saúde é uma lástima? Por que a segurança é
precária? Por que a infraestrutura está em pandarecos? Não e por causa dos
estádios da Copa nem é por falta de dinheiro (acreditem!).
O caminho que se abre pela
frente — e torço muito para estar errado — caminho não e. Há um risco razoável
de que esse militantismo sem alvo, ou de muitos alvos, crie novos e severos
embaraços, maiores do que aqueles que já estão aí. De resto, meus caros, por
melhores que fossem ou que sejam os propósitos, nunca vi nada de bom sair do
desrespeito sistemático às leis e da agressão permanente a direitos
fundamentais.
Eu quero de volta o eu direito
de ir e vir e de planejar o meu dia sem ter de consultar a agenda de
manifestações do MPL ou sei lá quem. Eu não posso aceitar que cada grupo
organizado, por mais justo que seja, se assenhore das garantias
constitucionais, apesar da liminar do ministro Luiz Fux — que jamais terá
problemas para ir e vir. Se for o caso, reivindico, então, o meu direito de
minoria. Os liberais que podem estar vendo no que está em curso uma nova aurora
podem acordar abraçados a um Tirano de Siracusa, só que sem o amor pela
sabedoria.
Reinaldo Azevedo
Reinaldo Azevedo
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