sábado, 18 de junho de 2011

Século 21, agenda do século 19

Um país em que metade de sua população não tem rede de esgoto está com o futuro seriamente comprometido. É triste demais, sobretudo se esse país não for miserável, como é o caso do Brasil
Uma das razões do atraso brasileiro são as escolhas erradas em relação ao que é importante e o que é prioritário, o que contribuiu para o país se especializar em combater o inimigo errado e fazer os investimentos menos capazes de superar o atraso. Citemos dois fatos:
Fato 1: Os bancos vêm apresentando altos lucros em seus balanços, provocando, como sempre, broncas e protestos. Um parlamentar afirmou que teria de haver um limite ético para o lucro dos bancos. Será mesmo? Valem aí duas perguntas: a) com quais critérios se poderia julgar o lucro de uma atividade empresarial? b) será que deve haver limite ético para o lucro de qualquer empresa? Um exemplo interessante: a Petrobras, sozinha e beneficiada pelo monopólio, lucrou mais do que dez grandes bancos juntos sem que os detratores dos banqueiros tenham proposto um limite ético para o lucro da Petrobras.
Analisemos o caso. O que deve ser tomado como base para se saber se o lucro é condenável ou não é apenas “a forma como ele é obtido”. Primeiro, é aceitável, e desejável, todo lucro que derive de atividade reconhecida pela sociedade como algo de valor, útil e necessária. Segundo, é inaceitável todo o lucro obtido em atividade não reconhecida pela sociedade como útil e de valor ou mediante favores ou privilégios negados aos concorrentes.

Na época da inflação, o sistema financeiro chegou a representar um quinto de todo o Produto Interno Bruto (PIB), o que não é razoável, situação possível porque o organismo econômico vivia doente, sob infecção inflacionária. O volume de atividade e de lucro dos bancos era muito superior ao valor reconhecido pela sociedade e bem maior do que internacionalmente se aceita como porcentual razoável em relação ao PIB. Essa situação era condenável, mas não por culpa dos bancos, e, sim, por culpa de uma economia distorcida pela inflação e por governos perdulários.
Nesse assunto, não há que meter a ética no meio nem culpar os banqueiros, pois o responsável pela inflação mora em Brasília, nos governos estaduais e nas prefeituras. Ademais, a moral situa-se em outra ordem. Os bancos são meras empresas, que se nutrem do mercado, saudável ou doente. Os bancos são necessários em qualquer economia, mas devem estar limitados ao tamanho razoável do setor financeiro em relação ao todo. O tamanho exagerado dos bancos vinha da inflação e bastou que ela fosse debelada para que as atividades bancárias retrocedessem muito. Se o setor financeiro diminuiu, não foi por razões morais; foi por razões econômicas.
Fato 2: O governo anunciou que metade da população brasileira não tem acesso a saneamento básico. Isso é tenebroso, contra o que a sociedade precisa se indignar e lutar. Os especialistas afirmam que uma criança entre 0 e 3 anos e que sofra alguma doença derivada da falta de água tratada pode ter sua acuidade mental prejudicada pelo resto da vida. Essa criança tem sua capacidade intelectiva reduzida, fica com dificuldades para aprender e sua qualificação profissional é prejudicada.
Se é certo que a criança pode ter sua capacidade mental afetada por doenças derivadas da simples falta de esgoto e de água tratada, passando a ter dificuldades para aprender os conteúdos da educação básica, então o saneamento deveria ser elevado à condição de prioridade maior do país. Na semana em que abundaram notícias sobre o drama do saneamento básico, qual foi o grande assunto no governo? Estádios de futebol e trem-bala.
Um país em que metade de sua população não tem rede de esgoto está com o futuro seriamente comprometido. É triste demais, sobretudo se esse país não for miserável, como é o caso do Brasil. Cabe perguntar: “Para onde estão indo os 40% da renda nacional que a sociedade entrega ao governo em forma de tributos?”. A revista Época, em sua edição de 12/6/2011, ajuda a responder a essa pergunta. Em extensa reportagem, a revista mostra que somente o governo federal tem participação em 675 empresas, entre estatais que ele controla e empresas privadas das quais ele participa como sócio.
Definitivamente, no quesito de saber o que é importante e que é prioridade, o Brasil tem falhado. E não há sinais de que isso vá mudar tão cedo, apesar de a presidente Dilma Rousseff ter levantado o problema da falta de saneamento em seus debates quando era candidata. Mas candidato é candidato, governo é governo.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo, 17-06-2011

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