Houve um ditado no Brasil, inventado há muito tempo, mas já depois da construção de Brasília, que dizia que “as leis no Brasil são feitas em Brasília, impressas no Rio de Janeiro, lidas em São Paulo e cumpridas no Rio Grande do Sul”.
E parecia verdade. No RS todas as leis eram cumpridas, o que dava certa inveja aos gaúchos, que não podiam transgredir as leis nem um pouquinho; lá vinha a multa ou outra penalidade.
Já não mais. Nesses mais de 50 anos de Brasília, depois de tudo o que aconteceu no País (ou “depois de tudo o que foi cometido no Brasil...), a única coisa que restou daquele velho adágio foi o de que as leis são feitas (muitas mal feitas...) em Brasília. Mas são descumpridas em todo o País.
Mas, o que é pior, o cidadão comum não entende mais nada de leis.
Principalmente as que têm que ver com o cumprimento das penalidades impostas aos supostos infratores, quer pela autoridade policial, quer por membros do Poder Judiciário.
É verdade, também, que existia a classe de advogados que era chamada de “de porta de cadeia”, ou seja, advogados que eram de um muito baixo nível cultural e de também pouco conhecimento do direito, mas que se especializavam em livrar da cadeia muitos infratores.
Então, lemos diariamente que alguém foi detido, por ter cometido algum delito, mas saiu da cadeia tão depressa quanto entrou; aliás, nem lá ficou qualquer hora.
E não me estou referindo exclusivamente aos “peixes grandes”, se bem que nos casos desses é mais freqüente serem soltos com a mesma rapidez com que foram presos.
Mas, e aí há outro fenômeno igualmente incompreensível, pelo menos para os leigos, há pessoas que, condenadas a 20, 30 ou mais anos de cadeia, repentinamente conseguem um “habeas corpus”, saindo da cadeia (e do País, muitas vezes).
Esse “habeas corpus” normalmente é concedido por um desembargador de um tribunal, muitas vezes por um Ministro do próprio STF. Há inúmeros exemplos: um, mais antigo, liberou o Sr. Cacciola, que sumiu na mesma hora para reaparecer em Roma, onde desfrutou de sua riqueza ilegalmente obtida durante muito tempo.
Outra, mais recente, teve que ver com o médico Abdelmassif, condenado a muitos anos de recolhimento por estuprar algumas dezenas de suas pacientes, que foi beneficiado com um “habeas corpus” ou instrumento parecido por um Ministro do STF e literalmente sumiu na mesma hora; ainda não reapareceu.
Mais recente ainda é o caso de jogador Edmundo. Condenado, foi preso em S. Paulo depois de uns tantos anos em liberdade (não dá para entender a razão pela qual não tinha sido preso, pois circulava livremente por aí !); levado para o Rio de Janeiro, onde tinha ocorrido o acidente que motivou sua condenação, mal chegou a entrar na delegacia; foi liberado praticamente na hora!
Tudo isso faz com que o cidadão comum fique descrente das leis brasileiras e de sua aplicação. Não dá para entender como é que as prisões em todo o País estão transbordando de presos, ao mesmo tempo em que ocorrem fatos como os que descrevi acima.
As conclusões dos não-iniciados são várias, por exemplo: quem tem dinheiro ou muita influência não vai para a cadeia (ou vai e sai em seguida); quem comete crimes pequenos (como furtar um pacote de manteiga de um super-mercado) vai preso. Quem é poderoso também tem garantido sua liberdade (como o dono do Banco de Santos); o cidadão comum está “ferrado”.
Verdadeiramente odiosos são o foro privilegiado e a imunidade parlamentar.
Por que tantas autoridades (muitas são apenas “otoridades”) e os parlamentares merecem imunidade e foro privilegiado?
Não são todos cidadãos como nós o somos? Então, as leis não são iguais para todos os brasileiros? Há brasileiros de primeira classe e os de segunda ou terceira classe?
Qual a razão de parlamentares poderem roubar, matar, ou cometer qualquer outro crime, só podendo ser julgados por um tribunal superior (e como há parlamentares infratores!).
E o que acontece freqüentemente nesses casos? Essas pessoas não são julgadas, até porque outro instrumento odioso os protege: o legislativo a que pertencem tem que autorizar o julgamento!
Mas, como diria o Jeca-Tatu, “oquequé isso?”
De lembrar que o AI-5 foi editado porque a Câmara de Deputados não permitiu o julgamento de então Deputado Marcio Moreira Alves (RJ), que na visão dos militares os havia ofendido em um discurso.
Penso que ambas as partes erraram; o Deputado, com sua manifestação, e os Generais (e Brigadeiros e Almirantes), com sua reação. Mas aconteceu e pode acontecer novamente se o nível moral de nossa gente não melhorar significativamente.
Não creio que o ser humano nascido no Brasil seja pior (ou melhor) do que qualquer um nascido em outro País ou em outro continente, ao nascer.
Parece-me que ele se torna completamente diferente com a realidade que temos aqui, pelo menos quantitativamente. As coisas que acontecem em nosso País também ocorrem em outros Países. Mas no Brasil isso se dá com muito maior freqüência.
O mesmo que descrevi acima se refere às leis de outra natureza, como as que regem as atividades industriais e comerciais.
Isso gera uma incerteza jurídica extremamente negativa. As pessoas em qualquer atividade, têm que ter a segurança de que estão agindo de acordo com a lei e que, em sendo assim, não precisam temer qualquer penalização.
Isso não ocorre aqui, exatamente pelo emaranhado de milhares de leis.
Há muito que venho defendendo que, quando houver qualquer alteração em uma lei (ou portaria ou instrução ou seja o instrumento que for), deveria ser obrigatório republicar dito instrumento por inteiro, a fim de desobrigar o cidadão a manter em seu arquivo todos os instrumentos anteriores e obrigando-o a um trabalho insano para dominar o novo texto.
Infelizmente, isso nunca foi feito.
Aliás, só por curiosidade, cito que o hoje Senador Fernando Collor de Melo, quando Presidente, editou uma lei cancelando, revogando, 112.000 leis que ainda estavam em vigor mas que já não serviam para mais nada.
Porque o atual Governo não faz o mesmo? Fica aí a sugestão.
Peter Wilm Rosenfeld
Porto Alegre (RS), 22 de junho de 2011
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