sexta-feira, 10 de junho de 2011

Faz falta, na Europa, uma espécie de revolução cultural

Diz-se que a União Europeia, enquanto projeto comum, está em crise. É um refrão frequente, nas colunas de opinião, em Portugal e não só. Estaríamos perante um barco sem rumo nem piloto, a navegar apenas ao sabor dos mercados, das notações das agências financeiras, das políticas neoliberais e dos estados de alma de Ângela Merkel. Tudo isto após o esforço político colossal que foi o processo de aprovação do Tratado de Lisboa. Este deveria ter conduzido a um aprofundamento da União. Um ano e meio depois, a Europa estaria a evoluir no sentido contrário.  
Na verdade, a UE vive um período de grandes contradições. A maioria dos governos é de inspiração conservadora. O mandato recebido dos eleitores tem que ver com a resolução dos problemas internos, de cada Estado, numa visão estreita, egoísta e tradicional da soberania nacional. Acentuam-se, por isso, os nacionalismos. Ao mesmo tempo, Bruxelas procura alargar os seus poderes comunitários, com base numa interpretação ambiciosa do Tratado de Lisboa. A política comum de ação externa é um dos exemplos. Catherine Ashton tem tentado criar um serviço de representação diplomática eficiente. As capitais reagem, falam de competição com as embaixadas de cada país, e opõem-se. Daqui resulta um clima de confrontação, com Bruxelas a sair enfraquecida. É mais fácil atacar politicamente um membro da Comissão do que um ministro de um qualquer governo nacional. Mais ainda. Tem-se assistido ao reforço dos comités onde se sentam, para decidir, os representantes dos governos. Mesmo quando certos comités funcionam na base de discussões entre delegados relativamente juniores.

Um passo importante para o enfraquecimento das instituições comunitárias foi dado quando da constituição do presente colégio de comissários. Os Estados nomearam para Bruxelas gente de terceira linha, políticos de relevância marginal. O próprio Parlamento Europeu não ajuda: é composto pelo que sobra e não cabe nas arenas políticas nacionais. É uma assembleia sem visibilidade, anónima, com fraca influência e pouca credibilidade, entendida apenas como um poiso dourado. Vive num planeta à parte, fora do mundo do europeu comum.
Com a aceleração da globalização económica, os países mais avançados da EU passaram a estar mais interessados nos mercados emergentes. Como são economias com um alto grau de desenvolvimento tecnológico e trabalhadores qualificados, têm sabido tirar partido do crescimento verificado noutras regiões do globo. Para esses países, o mercado interno está a perder peso relativo. Daqui resulta um decrescente interesse político pelas questões comunitárias. Mais. As diferenças, em termos de capacidade de adaptação à concorrência global, vieram acentuar o fosso entre os países europeus e alimentar preconceitos nacionalistas. A Alemanha, a Holanda e os Nórdicos são os exemplos mais flagrantes.
Neste contexto, é urgente repensar o projeto comum. Não de um modo burocrático, nem de elites, mas sim com a participação dos cidadãos. Faz falta, na Europa, uma espécie de revolução cultural. Seria aqui que o Parlamento Europeu poderia tomar a dianteira e ganhar estatura política. Os velhos ideais, em torno das questões da segurança coletiva e do bem-estar das populações seriam agora vistos à luz do presente. A Europa voltaria a ser entendida como um espaço de cooperação entre Estados, de concertação de interesses comuns, de partilha de valores. Seria, assim, uma união capaz de construir uma plataforma coordenada de resposta aos desafios do Século XXI.
Victor Ângelo, revista “Visão” nº 952

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