Porque é que as manifestações contra um projeto urbanístico em Istambul
se transformaram em protestos contra o poder do primeiro-ministro? Porque há já
muito tempo que este último ignora as críticas e parece ter escolhido a fuga
para a frente, considera um editorialista.
Orhan Kemal Cengiz
Se tivermos em conta as declarações feitas pelo primeiro-ministro após o início dos acontecimentos de Taskim, depressa se entende quais são os problemas em termos de democracia no nosso país. Recep Tayyip Erdoğan critica toda a gente: a oposição, os manifestantes e até mesmo a polícia que abusou do gás lacrimogéneo. Só não critica as suas ações e as do Governo. Até o governador de Istambul é poupado.
Se tivermos em conta as declarações feitas pelo primeiro-ministro após o início dos acontecimentos de Taskim, depressa se entende quais são os problemas em termos de democracia no nosso país. Recep Tayyip Erdoğan critica toda a gente: a oposição, os manifestantes e até mesmo a polícia que abusou do gás lacrimogéneo. Só não critica as suas ações e as do Governo. Até o governador de Istambul é poupado.
Portanto, os únicos
responsáveis pelos últimos acontecimentos são os agentes policiais subalternos.
Se se tratasse apenas de um abuso de poder por parte destes últimos, num regime
democrático, o Governo teria de assumir a responsabilidade. Além disso, na
Turquia não existem leis que definam claramente as condições em que o gás deve
ser utilizado. O Governo que concedeu esse tipo de poder à polícia nem sequer
se deu ao trabalho de legislar sobre a matéria.
Dito isto, a crise que começou
no Parque Gezi ultrapassa largamente o uso excessivo de gás lacrimogéneo por
parte da polícia. De facto, estamos perante um verdadeiro movimento de
desobediência civil que se formou na sequência de uma mobilização contra o
abate de árvores, cuja legitimidade jurídica é questionável [o Radikal revelou
a existência de um relatório oficial de peritos que não reconhece qualquer
legitimidade a este projeto de transformação do Parque Gezi]. E assistimos, em
resposta, a uma forma de terrorismo de Estado que nega o direito das pessoas se
reunirem e protestarem.
Restrições severas e
tratamento violento
Erdoğan, que se isolou na sua
torre de marfim, onde nenhuma crítica o pode atingir, recusa ver que os
projetos que apresentou e que considera úteis para a coletividade levantam na
verdade sérias objeções por parte de várias minorias da sociedade. Também não
quer entender que esta sociedade já não aceita que todos os mecanismos de
decisão estejam nas mãos de um só homem. Prefere não ver que o controlo dos
meios de comunicação, o despedimento de editorialistas com opiniões críticas, a
escolha de um nome para a terceira ponte que atravessa o Bósforo que chocou
profundamente os alevitas [Ponte Yavuz Sultan Selim, do nome turco do sultão
otomano Selim I, 1470-1520, conhecido por ter combatido o xiismo com o qual se
relacionam os alevitas, xiitas heterodoxos da Anatólia], as restrições muito
severas em matéria de consumo de álcool sob pretexto de medidas de saúde, assim
como a violência da qual foram alvos os manifestantes do Parque Gezi criaram o
sentimento de que tudo era imposto à força e que viviam sob o jugo da tirania.
O primeiro-ministro gostaria
que a ausência de críticas que caracteriza o ambiente do seu partido se
estendesse a toda a sociedade. Não presta a mínima atenção às objeções dos
conservadores, muçulmanos praticantes e liberais que o apoiaram durante muito
tempo. Não quer ver o profundo descontentamento que reside na minoria é muito
diferente da sociedade que promoveu a ascensão do seu autoritarismo quando
podia ter criado o único regime democrático do mundo muçulmano que suscitava imenso interesse num plano internacional.
A virtude da flexibilidade
Não percebeu que o facto de
tratar a minoria com respeito, apesar de dispor de uma ampla maioria, não era
sinal de falta de poder mas de virtude, e que ao ser flexível não mostraria
sinais de fraqueza, mas uma grande inteligência política.
Em vez de fazer um pouco de
autocrítica, prefere atirar achas para a fogueira e esperar que o movimento de
protesto seja apoiado por organizações radicais, para poder desacreditá-lo com
mais facilidade. Ao declarar que tenciona destruir o centro cultural Atatürk
[AKM, centro de congressos, sala de concertos e de ópera, situado na praça
Taksim] para construir uma mesquita, esperando assim obter o apoio dos
muçulmanos praticantes, está a apostar na polarização da sociedade e a tomar
uma iniciativa extremamente arriscada.
Título e Texto: Orhan Kemal Cengiz, Presseurope,
03-06-2013
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