Maria João Marques
Costa está tão desesperado para que
os eleitores gostem dele (e não gostam), que foi a correr para a imprensa do
coração contar pormenores familiares. Há coisa mais patética para um
primeiro-ministro?
Há dias, numa feira de arte em
Miami Beach, uma senhora esfaqueou outra no pescoço com um x-ato. O sangramento
foi abundante. Pouco tempo depois veio a polícia, que colocou umas fitas CSI no
local e levou a criminosa para a esquadra e a vítima para o hospital. Durante tudo
isto, a maioria dos outros visitantes do evento, em vez de ajudarem a vítima,
observaram deleitados a cena e tiraram fotografias.
Não, não se tratou de uma
exibição de frieza perante o sofrimento alheio, ai onde vai parar a humanidade
e o que mais. Afinal era uma exposição de arte e os visitantes pensaram estar a
ver uma encenação teatral, com duas atrizes e sangue falso. E quando veio a
polícia limitar o local, viram-no como a preparação de uma instalação artística
em frente ao stand N29. Um outro visitante da feira, vendo a vítima a ser
transportada em cadeira de rodas assumiu que uma escultura lhe tinha caído em
cima. Mesmo no frenético mundo americano, mesmo na cool e trendy Miami Beach
(local de culto para os amantes de arquitetura art deco – como eu) o
esfaqueamento de alguém é algo improvável que, podendo, ninguém leva a sério.
Conto esta história para
ilustrar a minha reação à entrevista de António Costa – e mulher e ‘pintainhos’
– à Caras. Quando a capa da revista apareceu no facebook, ri imenso, pus uns
tantos likes e nem por um segundo me ocorreu que não fosse uma montagem a fazer
pouco, pela enésima vez (é um político que convida a isso, convenhamos, desde
logo pela importância pomposa que se dá a si próprio), de António Costa. Depois
vi pessoas a reagir a uma primeira entrevista de um primeiro-ministro a uma
revista cor-de-rosa e questionei-me. Mas só quando li a notícia do Observador percebi que sim, que António Costa – e mulher e
‘pintainhos’ – mal se viu como primeiro-ministro foi a correr dar uma
entrevista intimista a uma revista de coração. Aí, a minha reação no facebook
foi o comentário (vou abreviar para não ofender almas sensíveis) OMFG.
Ora bem, a entrevista de Costa
à Caras merece-me três comentários.
O primeiro. Não tenho nada contra políticos aparecerem, com
moderação e cuidado, na imprensa cor-de-rosa. Se estas revistas têm público e consumidores,
parece-me muito normal que os políticos – que têm a obrigação de comunicar com
os cidadãos, seja para informar da sua visão política seja para prestar contas
– usem este meio para chegar a pessoas que porventura não leem jornais, nem
blogues, nem frequentam o twitter. Não tenho paciência para o snobismo
intelectual de quem pensa que só quem vai à Cinemateca pelo menos quatro vezes
por ano merece a atenção do político de esquerda. Como liberal de boa cepa, lá
por não comprar a imprensa cor-de-rosa (em boa verdade, também me recuso a
comprar alguma imprensa dita de referência) não vejo que quem consuma a dita
deva ser desprezado por quem tem a obrigação de se prestar ao escrutínio
democrático.
O segundo. Muitos indefetíveis socialistas, alguns deles militantes
mais ou menos abaixo na pirâmide partidária, foram particularmente cáusticos
com cada aparição de Passos Coelho (voluntária ou involuntária) nas revistas
cor-de-rosa. Num caso de particular revelação de negrume de alma (própria, e
que transpõem para os demais), chegaram mesmo a atacar politicamente Passos Coelho pela revelação da doença da sua mulher.
Nada disto foi repudiado por António Costa. Pois bem, um partido que ataca
violentamente outro pelo uso da imprensa cor-de-rosa perde, aí sim, o direito
de a usar.
E, se a usa, revela uma
hipocrisia preocupante e que merece ser julgada pelos eleitores. Porque esta
hipocrisia não se restringe ao pormenor imprensa cor-de-rosa. Alarga-se, por
exemplo, à argumentação com que defendem, agora, a manutenção da sobretaxa do
IRS. A tal que Costa prometeu exterminar. (Caro leitor, proteja-se da tosse
fulminante de cada vez que se lembrar da frase de Costa ‘palavra dada, palavra
honrada’.)
Por mim, uso para os outros o
critério que eles julgam bons para terceiros. Assim, de quem proclamou que o
anterior governo nos queria empobrecer, usando os impostos, por maldade
intrínseca nos corações, só posso concluir que Costa vai manter a sobretaxa por
desejo declarado de empobrecer os cidadãos que a vão continuar a pagar.
O terceiro. A entrevista à Caras (antes de a outra publicação)
revela a enorme fragilidade de Costa. Revela também um excessivo gosto da
mulher de Costa pelo contacto mediático – que se viu logo no dia da tomada de
posse com a forma como abordou os jornalistas, assegurando-lhes que ‘o António’
nos vai fazer maravilhas. Mas sobretudo o que dali sai é a fragilidade de um
PM que não foi o escolhido pelos eleitores. Que, ao contrário do que
garantiu, não mereceu a confiança dos portugueses. Que não gerou empatia nem
esperança. António Costa está tão desesperado para que os eleitores gostem dele
(e sabe que não gostam) que foi a correr para a imprensa do coração contar
pormenores familiares. Há lá coisa mais patética para um primeiro-ministro?
E nem refiro, por falta de
tempo, os tratados que se poderiam escrever sobre um primeiro-ministro aliado
de comunistas que escolhe para se fazer fotografar – mais mulher e ‘pintainhos’
– um palácio com mobília estofada de cetim dourado (arghh) a armar ao
aristocrático.
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