Agenda das esquerdas se impõe, teorias
conspiratórias frutificam, e grupos que apoiaram a deposição de Dilma caem na
conversa falsa do complô pró-impunidade
Reinaldo Azevedo
Chegam-me aqui imagens da
convocação de uma manifestação de protesto para o dia 26 de março. O mote é
“contra a impunidade”. Está sendo convocado com o apoio do “Vem Pra Rua”, do
“Movimento Brasil Livre” — que é “apoiado” por mim, segundo a escória
bolsonarista, que é aquela direita com sólida musculatura cerebral — e de
outros grupos que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff. Na mensagem que me chegou, há um troço mais
ou menos assim: “O governo passou dos limites, e o Congresso também”.
Muito bem! Se o MBL, como quer
aquela gente esquisita, seguisse mesmo a minha orientação, não iria aderir a
esse protesto, que está sendo pautado pelas esquerdas. Escrevi nesta manhã
quatro textos sobre a direita xucra. Não! O Vem Pra Rua não é xucro. O MBL não
é xucro. Fizeram grandes coisas pelo Brasil. Mas certo caldo dito conservador
ou de direita (não é nem uma coisa nem outra) que está a incentivar esse
protesto é xucro, sim.
Bem, meus caros! Acho que há
sempre a hora em que a liderança precisa educar a massa, em vez de seguir a
manada. É o que diferencia a democracia do fascismo. Tenho horror da política
que cede a clamores. Ela sempre é a porta de entrada daquelas grandes tragédias
que, depois, não têm responsáveis. Então se pergunta: “Quem fez a merda?”. A
resposta: o espírito do tempo.
A esquerda artificializa e
potencializa a crise econômica a partir do nada. E os liberais e conservadores,
infelizmente, se deixam cavalgar pela agenda esquerdista. Segundo a fantasia
mais influente, há um coquetel de eventos cuja interligação seria barrar a Lava
Jato. Seus personagens seriam Michel Temer (claro!), Moreira Franco, Eunício Oliveira,
Renan Calheiros, Romero Jucá, Edison Lobão, Alexandre de Moraes e Gilmar
Mendes. Os mais criativos me incluem no grupo.
Pergunte aos teóricos da
conspiração o que cada uma dessas pessoas pode fazer efetivamente contra Lava
Jato, e a resposta é um grande conjunto vazio. Até gente responsável, como
Fernando Gabeira, cai na conversa. Em artigo no Globo, associa uma opinião de
Mendes a um suposto objetivo de soltar Eduardo Cunha. A tolice de uma pessoa
inteligente é sempre decepcionante. Dos tolos de natural, esperamos o de
sempre.
Impunidade
Não só não há o que essas
pessoas possam fazer contra a Lava Jato como, se alguém está disposto a
combater a impunidade, há de se perguntar onde ela está sendo fabricada hoje. O
VPR, o MBL e os outros movimentos acham razoável que um patriota como Sérgio
Machado pegue menos de três anos de prisão domiciliar e ainda consiga livrar a
cara dos filhos, que cometeram crimes e não serão nem processados? O VPR e o
MBL acham razoável que delatores que cometeram crimes pantagruélicos peguem, no
máximo, uns três anos de cana e nem precisem depois passar adiante o controle
das empresas, que continuarão a celebrar acordos com governos futuros?
É isso o que se entende por
“combate à impunidade”? Mas, como sabem, só a Lava Jato é hoje fonte da
verdade. Um interlocutor me disse outro dia: “Ah, se não é o Sergio Moro, o STF
não pune ninguém!”. É mesmo? Marcos Valério: mas de 40 anos de cana; a sócia do
Banco Rural Kátia Rabello, mas de 17 anos. José Roberto Salgado, diretor da instituição:
mais de 16. Aqueles todos que falaram o que a força-tarefa queria ouvir: de
verdade, no máximo, três anos. Na prática, nem isso.
Pergunto: o VPR e o MBL se
opõem também a essa impunidade? Mas esperem… falei “também a essa”? Que outra
está em curso?
A esquerda não queria
Alexandre de Moraes no Supremo porque tinha outro candidato. A esquerda
inventou a tese de que a situação de Moreira Franco se equipara à de Lula
quando nomeado por Dilma. É falso como nota de R$ 3. A esquerda deu curso à
falácia de que a atual cúpula do Senado lá está para controlar a Lava Jato —
sem que se diga como. E bocas nervosas da operação divulgam a vigarice de que
Mendes estaria querendo contê-la, o que os vermelhos divulgam, é claro.
Sugiro que leiam uma
entrevista de Ciro Gomes à Coluna do Estadão. Ali se ouve a voz do populismo
mais rasteiro e brucutu com sotaque de esquerda. E a tarefa de gente como ele e
outros piores pode ser facilitada pelos ditos conservadores.
E, obviamente, enquanto o
processo político se perde nesses desvãos, deixa-se de fazer o que tem de ser
feito.
Temer deu a resposta certa, o
que eu já havia antecipado aqui. Não haverá ministros réus. É o certo. O resto
tem de ser alcançado com o cumprimento das leis.
Mas os tempos se abrem hoje ao
voluntarismo mais brucutu.
Nesse jogo, amigo, ou se é
Cavalcante ou se é cavalgado.
Título, Imagem e Texto: Reinaldo Azevedo, VEJA,
13-2-2017
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