José António Saraiva
O sucesso económico dos
governos de Cavaco Silva só foi possível porque Mário Soares e Ernâni Lopes
tinham aplicado, entre 1983 e 85, duras medidas de austeridade, que permitiram
restabelecer o equilíbrio financeiro.
mbora Soares tenha perdido
bastante popularidade com essa política, todos reconhecem hoje a importância do
seu esforço - com o contributo decisivo do ministro das Finanças, Ernâni Lopes.
Nessa época difícil, Soares
fez muitas afirmações incómodas que, 30 anos mais tarde, seriam repetidas por
outro primeiro-ministro: Pedro Passos Coelho.
«Portugal habituou-se a viver,
demasiado tempo, acima dos seus meios e recursos». Quem disse isto: Soares ou
Passos?
«Os problemas económicos em
Portugal são fáceis de explicar e a única coisa a fazer é apertar o cinto».
Quem disse isto: Soares ou Passos?
Ambas as frases são de Mário
Soares, datadas de 1984, mas poderiam ser de Passos Coelho, em 2011 ou 2012.
Ora, tal como Cavaco
beneficiou do esforço de Mário Soares, também António Costa está a beneficiar
do esforço de Passos Coelho.
A economia é como a
agricultura: é preciso semear para colher.
Assim, o sucesso económico que
Costa diz estar a ter constitui, só por si, a prova de que as políticas de
austeridade valeram a pena.
Mostra que as medidas
implementadas entre 2011 e 15 estavam certas, e começam agora a dar frutos.
Aliás, o fenómeno não é de
agora, pois a inversão do ciclo económico começou no fim de 2013.
A partir daí todos os índices
começaram a melhorar - a economia recomeçou a crescer, o desemprego começou a
cair, as exportações dispararam.
Direi até que, se não tivesse
havido eleições e mudança de Governo, a situação hoje seria bastante melhor do
que é.
Por que digo isto?
Porque o crescimento abrandou
no último semestre de 2015, por causa das eleições e da incerteza delas
resultante, e essa tendência manteve-se durante o primeiro semestre de 2016,
enquanto persistiam as dúvidas sobre a estabilidade da ‘geringonça’.
Só a partir do segundo semestre
do ano passado a economia voltou a dar sinais positivos.
Por isso, se não tivesse
havido a interrupção do percurso em consequência das eleições e da mudança de
Governo, hoje estaríamos provavelmente com um crescimento acima de 2%.
Um economista afeto à maioria
- Paulo Trigo Pereira -, rebatendo as críticas dos que dizem que a política
deste Governo não difere muito da do anterior, pois a austeridade continua
embora sob outras roupagens, afirmou perentoriamente que António Costa está a
fazer «o oposto do que fez Passos Coelho».
Enquanto este Governo - disse
ele - devolve recursos às famílias para estimular o crescimento e o consumo,
Passos retirou rendimentos às famílias.
Ora, se for mesmo assim, é
caso para termos medo.
Se este Governo estiver a fazer
tudo diferente, corremos o risco de ir pagar caro amanhã as medidas que estamos
a implementar hoje.
Esperemos que não. Esperemos
que, embora por outros caminhos, esta política não difira muito da anterior,
resumindo-se a dar com uma mão e tirar com a outra.
Estudos recentes apontam,
aliás, nesse sentido: apesar de todo o foguetório à volta da melhoria das
condições de vida dos portugueses, os rendimentos das pessoas apenas melhoraram
0,2% desde a posse do Executivo PS, isto é, nada.
Uma família que tivesse uma
poupança mensal de 100 euros, hoje terá os mesmos 100 euros mais 20 cêntimos.
Além disso, acredito que o
Governo vai querer continuar a cumprir o défice, a reduzir a despesa pública e
a basear o crescimento nas exportações.
Esta é a receita certa - e não
a tentativa fantasiosa de crescer apoiado no consumo, que nos levaria a
aumentar as importações, a desequilibrar a balança e a aumentar a dívida
externa.
Por muito que isso custe à
esquerda, António Costa já percebeu que o caminho certo é o que foi traçado por
Pedro Passos Coelho, Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque.
Mas há dois problemas para os
quais ainda não vi resposta.
Primeiro: se o défice do ano
passado só foi conseguido à custa de medidas extraordinárias - corte quase
total do investimento público, cativação de despesas e perdão fiscal - como
será possível reduzi-lo ainda mais com medidas correntes? Recordo que só o
corte do investimento público representou menos de 1% no PIB.
Segundo: se as exportações
cresceram muito em consequência do boom turístico e da venda de F-16 à Roménia,
como será possível continuarem a crescer ao mesmo ritmo tendo em conta que o
turismo deve abrandar e que não há mais aviões (nem outros bens semelhantes)
para vender?
Dir-se-á que estas dúvidas
serão esclarecidas no próximo Orçamento.
Só que o Orçamento para 2016
estava completamente errado - e só foi possível atingir as metas com as tais
medidas extraordinárias.
Apesar das ‘boas intenções’ de
António Costa, não prevejo que vá ter tempos fáceis.
Título e Texto: José António Saraiva, SOL,
24-4-2017
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