quarta-feira, 12 de julho de 2017

Eu odeio criança em avião

Foto: William Whyte
Mônica Nobrega

Escutei a frase do título desta coluna há duas semanas dentro de um avião. Era um voo de duas horas; na metade dele, um bebê começou a chorar alto. Instantes depois do começo do choro, meu vizinho de poltrona disse para a mulher que o acompanhava, num tom de voz normal, nem gritado, nem cochichado: “Até que demorou para esse bebê começar a chorar, eu odeio criança em avião”.

Foram muitos os voos por essa vida afora em que vi passageiros manifestarem reações de incômodo pela presença de crianças.

Acontece o tempo todo, ou não existiriam tantas histórias espalhadas pela internet de famílias que gastam tempo e dinheiro preparando kits com protetor de ouvido, bala, chocolate e bilhetinho fofo pedindo desculpas prévias e implorando um pouco de empatia com seus bebês caso fiquem impacientes durante o voo (e quem não fica?). Não existiriam as “quiet zones”, ou zonas de silêncio que vêm sendo criadas por companhias aéreas – um conjunto de fileiras onde passageiros com idade inferior a 12 anos não podem se sentar. A AirAsia, da Malásia, tem “quiet zones” em seus voos há cerca de três anos; a low cost indiana IndiGo criou as suas em 2016.

Na edição mais recente da maior feira de turismo de luxo do País, ao me apresentar um hotel que se define como “de charme”, a relações públicas do empreendimento mostrou a foto de uma piscina de mais de mil metros quadrados. E então, com cara de quem guardou o melhor para o final, sentenciou: “E nós não aceitamos crianças”.

É só mais um caso. A moda dos hotéis que não recebem hóspedes menores de 12 anos se espalha como praga. Há até hospedagens que vão além e aliam segregação e oportunismo: para não perder o potencial de mercado de datas como os dias das mães e dos pais, aceitam famílias com filhos apenas nestes períodos específicos. E ainda divulgam isso como se estivessem fazendo um grande favor a alguém.

Há também os restaurantes. Quantos casos de estabelecimentos que não aceitam crianças passam pelas suas redes sociais a cada ano?

As justificativas são várias. É o modelo de negócio. A infraestrutura do lugar que não comporta os pequenos. É o direito de descansar ou fazer uma refeição sem o barulho da criançada por perto. São essas crianças de hoje em dia que não sabem se comportar e chutam a poltrona da frente.

Posso até lembrar aqui que os chatos da piscina ou da outra mesa podem facilmente ser aquele grupo de casais bebendo uísque com energético. Mas a questão principal é que crianças são seres humanos como todos os outros. Excluir seres humanos não é um direito. Ninguém tem o direito de escolher que tipo de pessoa aceita ou não ter por perto.

Isso se chama discriminação, e parece que só contra crianças ela é plenamente tolerada nos dias de hoje. Tente imaginar se um hotel, restaurante ou voo decidisse não aceitar idosos ou pessoas com deficiência física – e ainda divulgasse isso orgulhosamente, como se fosse um diferencial, uma vantagem. Pense no tamanho do barulho e dos boicotes, com toda razão.

A verdade é que, sob o pretexto de que empresas privadas podem escolher qual público querem atender, uma parte da indústria do turismo pratica e dissemina o discurso de ódio contra crianças. Soa pesado demais? Pois essa postura de discriminar crianças, de considerá-las inconvenientes e ainda divulgar isso é só mais uma evidência de um tipo de pensamento individualista, que rejeita as diferenças e considera que o outro tem menos direitos. Discurso de ódio contra crianças, sim. O turismo precisa falar sobre isso.

Isso não é sobre leis. Não é sobre querer ou não ter filhos. É sobre em que tipo de mundo queremos viver. Como disse em recente entrevista um dos meus escritores preferidos, o britânico Ian McEwan, “alguém que não pode tratar bem as crianças está em bancarrota ética”. 
Mônica Nobrega - O Estado de S. Paulo, 11-7-2017 

Discurso de ódio?! Presumo o formato (e influência) do pensamento desta senhora. 😠

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