Há algumas semanas escrevi um texto onde
‘demonstrava’ por A+B que tudo o que de mal acontece em Portugal é por culpa
do… Passos.
José António Saraiva
No Governo ou na oposição, é
sempre ele o responsável.
Inversamente, António Costa
nunca tem culpa de coisa nenhuma.
A culpa é sempre de outros.
Quando Costa traiu António
José Seguro, quebrando um acordo que tinha firmado com ele, a culpa não foi sua
– foi de
Seguro, que ganhou as eleições
europeias por «poucochinho».
Por sinal, teve um resultado
praticamente igual ao que António Costa teria nas legislativas realizadas a
seguir (32%).
Depois formou-se a
‘geringonça’, numa solução inédita em Portugal e que suscitava legítimas
dúvidas, dado não ser o partido vencedor das eleições a formar Governo.
Mas Costa nunca foi
verdadeiramente contestado.
O bombo da festa voltou a ser
Passos Coelho, por não querer aceitar a realidade, por continuar agarrado ao
passado, por estar sempre carrancudo (e não de cara alegre, como deveria), etc.
Entretanto, a direção da Caixa
Geral de Depósitos foi despedida, mas o Governo não conseguiu controlar o processo
de substituição – e o banco público esteve quase um ano sem liderança efetiva.
Tratava-se de um facto anormal
e grave.
Mas Costa nada teve que ver com o assunto: a
responsabilidade foi de Mário Centeno, que assumiu compromissos que não devia,
e do indigitado governador, António Domingues, que fez exigências que não
devia.
O próprio ministro das
Finanças viria, aliás, a público pôr o primeiro-ministro fora do assunto,
reduzindo o caso a «erros de percepção mútua» nas conversas entre ele e
Domingues.
Vieram depois algumas
trapalhadas envolvendo o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde, e,
mais recentemente, a demissão de três secretários de Estado por causa das
viagens pagas pela GALP.
É claro que António Costa não
teve nada que ver com este problema.
Tratou-se de uma questão
judicial – e a demissão dos secretários de Estado foi da iniciativa dos
próprios.
A seguir teve lugar uma
remodelação governamental em que, entre outras mudanças, foi inesperadamente
substituída uma secretária de Estado muito próxima de Costa – Margarida Marques
– e ainda houve quem pensasse que o primeiro-ministro viria dar qualquer
esclarecimento sobre o assunto.
Quem assim pensou, enganou-se.
Por que haveria Costa de falar de casos particulares?
Até que se deram os terríveis
acontecimentos em Pedrógão e o caricato assalto a Tancos.
Era certo que, desta vez,
António Costa não escaparia – e teria de enfrentar o touro pelos cornos.
Qual quê!
Depois de uma visita-relâmpago
a Pedrógão, Costa nem quis voltar a ouvir falar do assunto e partiu para
férias.
Deixou o Presidente da
República a falar sozinho com as populações, e a ministra da Administração
Interna e o ministro da Defesa a assumirem as responsabilidades ‘políticas’.
E Passos Coelho também não foi
poupado, sendo acusado de ‘tentar aproveitar-se’ politicamente da tragédia –
facto considerado quase mais grave do que a própria tragédia.
Daí para cá, o SIRESP tem
falhado em quase todos os incêndios, e quem assinou o respetivo contrato foi
António Costa, quando era ministro da Administração Interna.
Mas esse pormenor pouco
importa.
O importante é que a PT não
enterrou os cabos das comunicações, como deveria.
Como também não interessa que
só ao fim de 15 anos António Costa tenha dado por isso; mais vale tarde que
nunca.
E as descoordenações na
Proteção Civil, admitidas pela ministra Constança, também não podem ser
assacadas ao primeiro-ministro, apesar de ter sido ele a substituir alguns
responsáveis por pessoas da sua confiança.
É de facto extraordinária a
arte mostrada por António Costa para fugir aos problemas.
Apesar de ser o chefe do
Governo, a culpa nunca é dele.
Ou é da oposição, ou é de
ministros, ou é de empresas, ou é de instituições.
Claro que, para isto ser
possível, Costa tem contado com bons apoios.
Os media poupam-no.
E o BE e o PCP levam-no ao
colo.
Imagine-se o que bloquistas e
comunistas estariam ainda a dizer e a fazer se o primeiro-ministro não fosse
António Costa, mas Passos Coelho.
Todos os dias exigiriam a sua
cabeça.
Andariam atrás dele por todo o
lado com cartazes a dizer «Assassino», fariam manifestações à porta da sua
residência, escreveriam nas paredes «Passos Rua!», não descansariam enquanto
não o tirassem do lugar.
António Costa, pelo contrário,
pôde gozar tranquilamente as férias.
A extrema-esquerda mete dó –
ao defender empenhadamente o que antes atacava ferozmente.
Para estarem no poder,
Catarina e Jerónimo fazem tudo o que for preciso.
Só resta dizer que, se Passos
fosse ainda primeiro-ministro, os próprios sociais-democratas não o poupariam.
O que diriam Marques Mendes,
Manuela Ferreira Leite ou José Pacheco Pereira se no tempo de Passos Coelho
tivesse ocorrido um roubo como o de Tancos, uma tragédia como a de Pedrógão com
64 mortos ou uma descoordenação tão grande como a que se verifica no combate
aos fogos?
Defendê-lo-iam?
Título e Texto: José António Saraiva, SOL, 11-9-2017
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