Aparecido Raimundo de Souza
“É difícil encarar a realidade quando ela tem
muitas faces.”
Tony Follari, comediante
neozelandês
HÁ MUITOS E MUITOS ANOS,
escritores, pensadores e intelectuais, desde o instante em que aconteceu em
suas vidas o milagre do perfect-natus
– isto é, os vagidos de suas entradas no espaço físico deste planeta,
tornando-os reais e palpáveis – ardentemente se viram obrigados a clamarem, com
engulhos afogueados, a necessidade de darem existência a um modelo padrão,
porém próprio e autônomo, com a intenção de dirigirem e orientarem os rumos,
independentemente das fórmulas estrangeiras introduzidas por mentalidades
esnobes e tacanhas e que, por sinal, ocasionaram (e continuam ocasionando)
lesões profundas e incalculáveis à soberania do país.
A bel-comodismo, por nos darmos às atividades intelectuais de pensar
em coisas novas, buscamos nos Estados Unidos, França e Alemanha, e em quase
todos os demais continentes espalhados pelo mundo, os paradigmas para
direcionarmos as nossas universidades; bem ainda, nortearmos a política
econômica e, igualmente, a exploração plena das riquezas e os haveres de
raízes. Como resultado prático dessa pesquisa, só recentemente se principiou a
incrementar por aqui a criação de escolas polivalentes, cursos de formações
técnicas, faculdades de administração de empresas e de administração pública,
enfim, todas essas “novidades” ininterruptas que ultimamente sinalizam à
consciência dos homens de visão, notadamente a nos apontar de maneira clara e
concisa, o quanto estávamos mergulhados nas valas comuns do obscurantismo
emperrado.
Aos jovens que escolhiam o
cabo da enxada ou o caminho do comércio, da indústria ou das artes, os
cabeçudos e retrógrados lecionavam sobre as declinações latinas, contavam a
trajetória do meteorito de Bendegó e proclamavam as maravilhas da corte de Luís
XIV. A mocidade terminava o clássico ou o científico e queria, em fluxo
idêntico, arranjar um “bico” para se tornar autossuficiente. Entretanto,
desconhecia completamente a taquigrafia, o Código Morse e a datilografia; nunca
tinha ouvido falar em fatura ou duplicata, tampouco sabia escrever uma carta
comercial, porque o colégio só lhe colocou na massa cinzenta como fazer
descrições sobre as paisagens dos Alpes ou da Normandia.
Muitos estudantes se viram, em
razão disso, impossibilitados de ingressarem nas cadeiras superiores e foram
reprovados nos vestibulares por ignorarem fatos ligados à Batalha de
Peloponeso, ou por não recordarem que o nome de Molière era Jean-Baptiste
Poquelin, e que Sartre foi um filósofo e crítico francês conhecido como o pai
do existencialismo. As mais diversificadas comunidades, que nos serviram de
exemplos para tantos conceitos esdrúxulos e prosaicos, construíram, na verdade,
um império econômico e industrial baseado numa matéria-prima de que não
dispunham: o petróleo.
E o Brasil, como não poderia
deixar de ser, correu atrás, no mesmo ritmo, criando uma idealidade
automobilística que se converteu num pasmo de orgulho nacional. Houve uma época
(não sei se os senhores se lembram) em que o governo desta republiqueta de
merda se mobilizou para ajudar a vender carros. A Caixa Econômica Federal e os
bancos estatais se transformaram, da noite para o dia, em agências de
automotores, comprando, trocando, alienando, a longos prazos, a períodos a se perderem
de vista e, muitas vezes, recebendo os veículos de volta, por falta dos
pagamentos das prestações e os cedendo a terceiros.
Tudo isso em vista do
falecimento múltiplo da agricultura, setor fundamental para o engrandecimento e
desenvolvimento, onde infelizmente, até os dias de hoje domina diabolicamente a
sombra negra da estagnação sedentária. Os grandes programas estratégicos sempre
tiveram em alça de mira a gestação extemporânea de novas instituições
bancárias, usque a fusão fraternizada
de empresas, a disciplina das letras de câmbio e a edificação de cidades, se
esquecendo, todavia, que todas as bocas que se encontram em serviços
burocráticos requerem a existência de um equivalente de brasileiros no
interior, originando alimentos. Sem eles, estaríamos literalmente fodidos.
Inúmeras nações, bem sabemos,
são cobertas pela neve durante quatro, cinco ou seis meses. Em consequência, só
conseguem uma safra anual e, mesmo assim, tida por especialistas, como
cadenciada, moderada ou regular. Aqui não. Pela alternação das regiões, podemos
ter boas lavouras de janeiro a dezembro. No entanto, sofremos problemas de
abastecimento. Uma tremenda vergonha! Em razão dela, vemos crescer, a cada dia,
a massa disforme de esfaimados como se multiplicando o número de crianças
pobres e dos desabrigados moradores de ruas e praças.
A esta altura do campeonato,
trazemos lá de fora (quando deveria ser o contrário) o feijão, o arroz, a
batata, a cebola, o trigo e outros itens indispensáveis, o que, aliás, não
deixa de ser espantoso, em se tratando de uma terra sã e “eminentemente
agrícola” e, onde, segundo o famoso repórter das “coisas” do velho torrão, “em
se plantando tudo dá”. Sabemos, entretanto, em paralelo, que aqui assentamos
muitos ladrões, cultivamos pilantras, e regamos com nossos suores, vagabundos
que deveriam estar mofando nas cadeias. Porém, como o país vive à sombra das
gorjetas e propinas, é provável que o Complexo da Papuda nunca abrace esses
filhos da puta que se escondem atrás de crimes ambíguos.
Sem falar que temos de
contrapeso um presidente ladrão. Ladrão e vigarista. De “fala fina”, conforme
afirmou com propriedade o cantor e compositor Ernesto Nunes, em sua linda
composição “Apelando pra Deus”,
trazida a público no Programa “Querência”
Assim, se o povo continuar no
marasmo, não acordar desse sono infame e letárgico, e em nome do garbo
ultrajado e da moral devassada e esmerilhada, não adotar providências sérias e
enérgicas, logo chegará o tempo em que consumiremos a alface da Groenlândia e a
cenoura do Japão, a propósito das melancias piratas do inferno e das bocetas
clonadas e disponíveis nos mercados do sexo explícito em plena efervescência em
nossas principais capitais, ou mais precisamente, nas redondezas das mansões às
margens do belo e inimitável Lago Paranoá.
À vista do exposto, se inspira
um ligeiro raciocínio: quem nos forjou esse malfadado destino? Não resta
dúvida, os dedos apontam os “técnicos empacotados” e remunerados a peso de
ouro, que viviam (ou melhor, que abundam) nos gabinetes dos ministérios em
Brasília, nas cadeiras do Senado, na putaria incontrolável dos palácios e na
zona da Câmara, onde veados e transexuais (nada contra a turma dos GLBTT, pelo
amor de Deus, não nos entendam de maneira errada!) escrevem pareceres confusos,
inexplicáveis, e por que não dizer, nebulosos e pasmosos, sendo muitos deles em
inglês ou alemão.
Apesar dos pesares, nos resta
uma saída: como dizem os antigos que “Deus é brasileiro”. Oxalá, confiemos que
realmente seja. Enquanto não sobressai a certeza absoluta, justa e perfeita, o
que temos a fazer é cruzarmos os braços, virarmos nossas bundinhas para os engravatados
do Epicentro (ou Capital do Cambalacho, como acharem melhor), ficarmos de
quatro e esperarmos resignado e pacificamente, como vaquinhas de presépio, que
continuem a nos enrabar.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza. Da sede da Polícia Federal em Brasília, Distrito
Federal. 12-9-2017
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