José António Saraiva
Vários cronistas, sobretudo de
esquerda, escreveram e disseram que Pedro Passos Coelho não deveria ter-se
recandidatado à liderança do PSD após a “derrota” de 4 de outubro - e apontam o
exemplo de Paulo Portas, que se afastou do CDS.
Esta opinião enferma de dois
problemas.
Em primeiro lugar, não é
desinteressada.
Quando pessoas de esquerda
dizem que Passos Coelho deveria sair, é obviamente porque acham que isso
fragilizaria o seu partido.
O interesse dessas pessoas não
é com certeza que o PSD se fortaleça…
E assim, os apelos à saída de
Passos acabaram por beneficiá-lo - pois ninguém no seu juízo perfeito segue os
conselhos dos adversários.
Em segundo lugar, Passos
Coelho não ‘perdeu’ as eleições legislativas: ganhou-as.
Foi mesmo um dos raros líderes
em todo o mundo que venceram eleições depois de terem prosseguido duras
políticas de austeridade.
Argumenta-se que a maioria dos
eleitores votou ‘contra’ a coligação PSD-CDS.
Ora, isso não é verdade.
Nas eleições legislativas não
se vota ‘contra’ isto ou aquilo - vota-se ‘a favor’ disto ou daquilo.
Nos referendos é que se vota
‘sim’ ou ‘não’.
Nas legislativas, o princípio
é outro: vota-se em partidos políticos e em programas - e, de caminho, no líder
partidário que se deseja para primeiro-ministro.
Ora, em nenhum desses planos a
direita perdeu: a força política vencedora foi a PàF, o partido que conquistou
mais deputados foi o PSD e o líder com mais votos foi Passos Coelho.
Dizer uma coisa diferente é
abusivo e pouco sério.
A afirmação de que das
eleições saiu uma maioria de esquerda também não é verdadeira.
O que se diria, por exemplo,
se o PS se tivesse aliado ao PSD e fizesse um bloco central?
Dir-se-ia, com toda a
legitimidade, que o centro ganhou as eleições…
E até teria uma percentagem
bem maior do que a atual ‘maioria de esquerda’.
A artimanha de dizer que a
esquerda ganhou foi inventada para permitir a António Costa ser
primeiro-ministro e permitir ao Bloco de Esquerda e ao Partido Comunista
ganharem influência governativa.
Num bloco central, António
Costa não seria primeiro-ministro (seria Passos Coelho) e o PCP e o BE seriam
perfeitamente irrelevantes.
Argumentam, finalmente, os
comentadores ligados à esquerda que esta coligação vai durar quatro anos, até
porque convém aos três partidos que a sustentam.
Isso é parcialmente verdade.
Enquanto as questões forem
políticas, a coligação irá tapando os buracos e fugindo para a frente, como tem
vindo a fazer.
Só que o principal problema
desta maioria não é a política - é o Orçamento.
Quando passarmos do terreno
das palavras para o terreno dos números, a habilidade política já não valerá de
nada.
Quando se começar a perceber
que o Orçamento não é cumprível - e Bruxelas já o percebeu -, quando os
parceiros europeus apertarem ainda mais o cerco, quando os parafusos da
geringonça começarem todos a ranger, não haverá artifícios que valham.
Repito: o Governo não cairá
por razões políticas mas por razões económicas e financeiras.
E, quando a geringonça se
desconjuntar, o poder acabará no colo de Passos Coelho.
É por isso que a esquerda o
quer afastar.
A esquerda sabe que, pela
imagem de responsabilidade que construiu, Passos Coelho é o líder mais bem
posicionado para suceder a este desvario esquerdista.
A sua simples presença paira
como um fantasma sobre o Governo.
Olha-se para ele e parece que
ainda está ali o primeiro-ministro.
E depois, se ganhou as
eleições com quase 39% após quatro anos de austeridade, que percentagem terá se
este Governo cair prematuramente?
Dificilmente deixará de ter
maioria absoluta.
Até porque, nessa altura,
estará provado que a ‘alternativa’ à política que vinha a ser seguida por ele
era uma miragem.
Julgo que o grande problema de
Passos Coelho não será, pois, voltar a S. Bento - mas sim o que fazer para
remediar os estragos feitos por esta maioria desconexa.
António Costa tem vindo a
destruir tudo o que o Governo de Passos Coelho fez.
Até mete dó.
Como os talibãs, a maioria de
esquerda, depois de tomar o poder, começou a derrubar implacavelmente o que
estava feito, não deixando pedra sobre pedra.
Ora, quando voltar a ser
primeiro-ministro, Passos Coelho terá o mesmo comportamento?
Espero que não.
Espero que tenha uma atitude
mais civilizada.
Portugal não pode estar
sempre, desgraçadamente, a voltar ao princípio.
Portugal tem de definir um
rumo e segui-lo com firmeza.
* A palavra ‘geringonça’,
usada por Vasco Pulido Valente (e popularizada por Paulo Portas) para designar
esta solução de Governo, já era usada no século XIX, embora o sentido não fosse
bem o mesmo. Escrevia Ramalho Ortigão, n’As Farpas, em Janeiro de 1874: “Esta
retórica trôpega, relaxada e senil [dos deputados], não podendo criar uma
língua forte e digna, deu o ser a um estilo especial de malandragem política,
fez a gíria constitucional, a geringonça parlamentar, o calão burguês”.
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