sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Palavras e moedas


O enfezado bicho humano, desdentado e sem garras, nu, vagaroso, sem força nem estatura, teve de se virar para os seus semelhantes para sobreviver. E como nem tinha instintos gregários, teve de produzir sinais – acústicos e visuais – para se entender com os outros. A fala foi usada desde cedo para regular os comportamentos, e foi por ela que o bicho homem se tornou humano.
Tal foi o valor da fala, que não tardou que as palavras se tornassem autónomas e circulassem na forma de escrita. Amplificaram as potencialidades humanas e, feitas leis, passaram a regular os comportamentos.
Entre estes estava a troca de bens: quem possuísse certas coisas em excesso podia trocá-las por outras que lhe fizessem falta. Este comportamento era económico, pois evitava que cada um dos desgraçados humanos se matasse a trabalhar para obter as diversas coisas de que precisava. E começou a ser tão valioso e generalizado, que os humanos acabaram por criar outro meio para regular as trocas. Inventaram, assim, as moedas.
Palavras e moedas – o sistema linguístico e o sistema financeiro – regulam, hoje, os comportamentos humanos em alternativa às armas e fortificações. Estão ligadas umas às outras, já que as palavras formam as leis que regulam o sistema financeiro. Às vezes, porém, destacam-se e correm sozinhas. Ao curso das palavras pelas palavras chama-se poesia, e enriquece-nos.  Ao curso das moedas pelas moedas chama-se especulação, e empobrece-nos.
J. L. Pio Abreu, Destak, 20-01-2011

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