sábado, 22 de janeiro de 2011

Lama na ventoinha


O chamado caso das acções do BPN lembrou-me uma conversa com Durão Barroso, que me dizia há uns anos: «Os ingleses têm um provérbio que diz que quando se atira lama para uma ventoinha todos são salpicados» (a palavra inglesa não era lama mas shit).Ora, nesta história do BPN, não foi preciso esperar 24 horas para verificar até que ponto o provérbio é verdadeiro.
Logo após Manuel Alegre ter começado a fazer ataques directos a Cavaco, repetindo em todas as declarações que ele tinha de «dar mais explicações sobre as acções da SLN», rebentou o escandalozinho da participação de Alegre numa campanha publicitária do BPP.
O assunto não teria qualquer importância não fosse a teia de contradições em que Alegre se enredou (e que deixaram pesadas dúvidas sobre o seu amor à verdade): começou por dizer que devolveu o cheque ao banco, depois (quando se apurou que o pagamento não fora feito por cheque mas por transferência bancária) disse que devolvera a quantia com um cheque seu, mais tarde (quando se verificou não existir qualquer cheque) remeteu o assunto para a secretária - e finalmente soube-se que ficara com o dinheiro!

Ora, como explicar que um homem tão pouco rigoroso relativamente aos seus proventos se vá meter com os proventos dos outros?
Não sei se esta polémica afectará ou não Cavaco Silva, e de que maneira.
Pode ter perdido votos de pessoas que ficaram com dúvidas sobre o seu desapego às questões materiais, pode ter ganho votos de pessoas que ficaram indignadas com a campanha desenvolvida contra ele e decidiram dar-lhe o voto.
O que me parece evidente é que os ataques a Cavaco afectarão negativamente o candidato Manuel Alegre.
Os portugueses não gostam destes ataques pessoais - muito menos contra uma pessoa que projecta uma imagem de rigor e honestidade.
Mesmo que Alegre tivesse razão, não ganharia nada em ser ele o acusador, transmitindo a ideia de que já tem a derrota como certa e entrou na fase do perdido por cem, perdido por mil - lançando mão de tudo, já não para ganhar, mas para enlamear o adversário.
Lembro, a propósito, uma conversa com José Rodrigues dos Santos, em que este - manifestando-me solidariedade depois de um ataque de que fui vítima - me dizia: «Os insultos dizem muito pouco sobre quem é insultado, mas dizem muito sobre quem insulta».
Mas houve outra coisa que não beneficiou nada Manuel Alegre: o facto de a sua voz nesta questão do BPN ter sido sobretudo secundada por dirigentes do Bloco de Esquerda, radicalizando ainda mais uma campanha que já estava muito encostada à esquerda.
A intervenção surreal de Louçã no Parlamento, dizendo (com ar transtornado) que Cavaco era «dono do BPN», foi um autêntico desastre para Alegre.
Com apoiantes destes, é muito difícil ele apresentar-se como um candidato credível à Presidência da República.
Por tudo isto, a polémica sobre o BPN deve acabar nas urnas por aumentar o fosso entre Cavaco Silva e Manuel Alegre.
E para Cavaco foi bom rebentar quando rebentou, antes da campanha, e não à boca das urnas.
Remato esta crónica com uma frase do ex-Presidente da República Teixeira Gomes contida numa carta escrita de Bougie, onde se exilou depois de deixar Belém, dirigida ao seu amigo João de Barros:
«A lembrança dos dias da Presidência raro me acode a memória e, se isso sucede, logo a repilo com tédio, como se se tratasse de um extenso lodaçal, que atravessei milagrosamente sem nele me afundar».
P.S. - A questão das acções foi desde o início mal colocada. É óbvio que qualquer cidadão vende e compra as acções pelo melhor preço possível. O problema é se o negócio envolve algo menos claro, do tipo: Eu faço-lhe um bom preço, você faz-me este ou aquele favor . Ora alguém está a ver Cavaco Silva envolvido num negócio deste género? Além do mais, ele estava nessa época fora da política e não tinha poder para fazer favores.
José António Saraiva, Sol, 17-01-2011

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