
Logo após Manuel Alegre ter começado a fazer ataques directos a Cavaco, repetindo em todas as declarações que ele tinha de «dar mais explicações sobre as acções da SLN», rebentou o escandalozinho da participação de Alegre numa campanha publicitária do BPP.
O assunto não teria qualquer importância não fosse a teia de contradições em que Alegre se enredou (e que deixaram pesadas dúvidas sobre o seu amor à verdade): começou por dizer que devolveu o cheque ao banco, depois (quando se apurou que o pagamento não fora feito por cheque mas por transferência bancária) disse que devolvera a quantia com um cheque seu, mais tarde (quando se verificou não existir qualquer cheque) remeteu o assunto para a secretária - e finalmente soube-se que ficara com o dinheiro!
Ora, como explicar que um homem tão pouco rigoroso relativamente aos seus proventos se vá meter com os proventos dos outros?
Não sei se esta polémica afectará ou não Cavaco Silva, e de que maneira.
Pode ter perdido votos de pessoas que ficaram com dúvidas sobre o seu desapego às questões materiais, pode ter ganho votos de pessoas que ficaram indignadas com a campanha desenvolvida contra ele e decidiram dar-lhe o voto.
O que me parece evidente é que os ataques a Cavaco afectarão negativamente o candidato Manuel Alegre.
Os portugueses não gostam destes ataques pessoais - muito menos contra uma pessoa que projecta uma imagem de rigor e honestidade.
Mesmo que Alegre tivesse razão, não ganharia nada em ser ele o acusador, transmitindo a ideia de que já tem a derrota como certa e entrou na fase do perdido por cem, perdido por mil - lançando mão de tudo, já não para ganhar, mas para enlamear o adversário.
Lembro, a propósito, uma conversa com José Rodrigues dos Santos, em que este - manifestando-me solidariedade depois de um ataque de que fui vítima - me dizia: «Os insultos dizem muito pouco sobre quem é insultado, mas dizem muito sobre quem insulta».
Mas houve outra coisa que não beneficiou nada Manuel Alegre: o facto de a sua voz nesta questão do BPN ter sido sobretudo secundada por dirigentes do Bloco de Esquerda, radicalizando ainda mais uma campanha que já estava muito encostada à esquerda.
A intervenção surreal de Louçã no Parlamento, dizendo (com ar transtornado) que Cavaco era «dono do BPN», foi um autêntico desastre para Alegre.
Com apoiantes destes, é muito difícil ele apresentar-se como um candidato credível à Presidência da República.
Por tudo isto, a polémica sobre o BPN deve acabar nas urnas por aumentar o fosso entre Cavaco Silva e Manuel Alegre.
E para Cavaco foi bom rebentar quando rebentou, antes da campanha, e não à boca das urnas.
Remato esta crónica com uma frase do ex-Presidente da República Teixeira Gomes contida numa carta escrita de Bougie, onde se exilou depois de deixar Belém, dirigida ao seu amigo João de Barros:
«A lembrança dos dias da Presidência raro me acode a memória e, se isso sucede, logo a repilo com tédio, como se se tratasse de um extenso lodaçal, que atravessei milagrosamente sem nele me afundar».
P.S. - A questão das acções foi desde o início mal colocada. É óbvio que qualquer cidadão vende e compra as acções pelo melhor preço possível. O problema é se o negócio envolve algo menos claro, do tipo: Eu faço-lhe um bom preço, você faz-me este ou aquele favor . Ora alguém está a ver Cavaco Silva envolvido num negócio deste género? Além do mais, ele estava nessa época fora da política e não tinha poder para fazer favores.
José António Saraiva, Sol, 17-01-2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-