segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Cavaco ganhou, mas há quem garanta que, afinal, ele... perdeu!

Vasco Graça Moura
Em 23 de Janeiro, com a reeleição do Presidente da República extinguiram-se não apenas a maioria que o elegeu mas também, e sobretudo, as minorias que se polarizaram nos candidatos derrotados. Descontado o eventual interesse dos elementos de análise que fornecem, os valores percentuais respectivos não servem rigorosamente para nada, nem dão qualquer autoridade ou força política aos vencidos.


Por sua vez, a autoridade de Aníbal Cavaco Silva não sai beliscada, nem de perto nem de longe. Mas ainda há, aqui e ali, uns trejeitos ranhosos de gente que não desarma e, como não pode contestar a legitimidade da sua eleição, continua a regougar, a ratar, a roer, talvez a regurgitar e a remoer de novo, a propósito da figura e da força do Presidente, o qual, a despeito de vencedor, teria saído ingloriamente enfraquecido da eleição.

Cavaco Silva não apenas ganhou com uma confortável maioria, como ganhou em todos os distritos, do Continente e das regiões autónomas, mas para essa malta é como se não tivesse ganho. Ganhou, mas agora há quem garanta que afinal ele... perdeu! Este prodígio dialéctico tem um intuito evidente, que é o de tentar desagregar na opinião pública os poderes que a Constituição confere ao Chefe do Estado, ou pela via de lhe quererem descortinar na prática uma diminuição de estatuto e de autoridade, ou pela das conclusões extraídas a fórceps de variados malabarismos aritméticos sobre os resultados eleitorais, ou ainda pela da crítica ao seu discurso de vitória na noite das eleições, em que, opinam eles de sobrolho contristado, deveria ter perdido a memória, oferecido a outra face e estendido a mão caridosa e conciliadora a quem o insultou sem escrúpulos.
Alguns amigos meus terão também feito algumas reservas quanto a este último aspecto, talvez sem repararem que Cavaco Silva se demarcou - e fez muito bem! - das porcarias da esquerda, sem deixar de se assumir como Presidente de todos os portugueses.
Dizendo as coisas por outras palavras: as minorias vencidas extinguiram-se, mas ficaram no terreno uns agentes póstumos, ao serviço de uma conveniência política manhosa e obscura. Se pusermos a questão do cui prodest, vemos que essa retórica viciada e viciosa pessoalmente nem sequer aproveita muito aos derrotados que, sejam quais forem os seus méritos e deméritos, não vão a lado nenhum com a derrota; mas poderia aproveitar a um Governo que tem medo de ser posto a andar sem grandes delongas, por incompetente e má figura, e julga que assim faz funcionar mais umas válvulas de segurança.
É também nessa perspectiva que podem ler-se os ditirambos à estabilidade a que o Governo se agarrou logo a seguir à vitória de Cavaco. É de supor que, na sua análise, o Governo trace um cenário de paupérrimo esquematismo e mais ou menos deste tipo: "Portámo-nos indecentemente com o Presidente, tivemos mesmo a badalhoquice de ajudar a insultá-lo, logo ele vai ajustar contas connosco depois de tomar posse, sendo preciso travá-lo, antes que nos ponha na rua e por isso toca a falar de estabilidade"...
Com as suas arengas sobre a preciosa estabilidade que agora vislumbram como tão benfazeja para os destinos da Pátria, essas criaturas fingem não perceber que o que pode assegurá-la não tem a ver com ajustes de contas (hélas!), mas sim com outros factores, uns que se prendem com o comportamento do Governo no combate à crise, com particular relevo para a execução orçamental, outros que estão ligados ao endividamento do País e à sua credibilidade externa, à evolução dos indicadores de confiança, ao desemprego e ao agravamento dos problemas sociais dele decorrentes, etc., etc.
A estabilidade não pode configurar um mero chavão para os lorpas ou para os próximos conclaves do Partido Socialista, nem deve funcionar como simples expediente para reconduzir Sócrates no cargo de secretário-geral do PS. Tem de servir de moldura a uma política útil, firme, rigorosa e exequível, com o objectivo de tirar Portugal da crise.
De outro modo e dentro do buraco em que nos encontramos, a estabilidade pela estabilidade não serve para nada, a não ser para aumentar esse buraco e para ele se tornar ainda mais pantanoso.
Vasco Graça MouraDiário de Notícias, 31-01-2011

2 comentários:

  1. Como sempre faço, informei o autor do texto desta (re)publicação. Dele, do prof. João César das Neves, recebi o seguinte esclarecimento:

    Lamento informá-lo, mas o texto publicado ontem no DN não é da minha autoria.
    Ainda não sei o que aconteceu, mas houve um lamentável erro no jornal e o meu texto foi substituído por este.
    Aliás, não tenho costume de usar linguarem dessa
    Agradecia muito que eliminasse o meu nome da sua republicação
    João César das Neves

    Mantive, evidentemente, o link para o original que,inexplicavelmente, continua mencionando a autoria do professor.

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  2. No "Diário de Notícias" de 03-02-2011:

    "DN PEDE DESCULPA PELA TROCA DE ARTIGOS. O artigo com o título "O Rescaldo", publicado na nossa edição da última segunda-feira, dia 31 de janeiro, como sendo do professor João César das Neves, não é de sua autoria. O texto em causa é sim do cronista Vasco Graça Moura e foi republicado na edição de ontem. Um lamentável erro esteve na origem desta troca de artigos, pela qual o DN se penaliza e pede desculpa aos dois cronistas, João César da Neves e Vasco Graça Moura, e aos leitores."

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