sábado, 22 de janeiro de 2011

Heróis inesperados: o comandante que ficou com os pés na terra

Em Los Angeles, um piloto da Southwest Airlines desafiou os regulamentos e retardou a partida do avião para poder levar um homem a despedir-se do neto que estava a morrer em Denver. Há uma semana que a história se propaga em sites de informação e redes sociais.


Faz agora dois anos, todos celebrámos a bravura, o sangue-frio e a competência de Chesley Sullenberger, o piloto da aviação comercial americana que ficou rebaptizado como o herói do rio Hudson. Os 155 passageiros de um voo da US Airways ficaram a dever-lhe a vida em 15 de Janeiro de 2009. Então, o avião Airbus A320 que comandava, instantes depois descolar do aeroporto de Nova Iorque, ficou com os motores bloqueados e desactivados pelo impacte de um bando de pássaros. Ele, Chesley, sabia que já não teria tempo para atingir a pista de asfalto mais próxima. Mas ele, Chesley, conhecia na perfeição as técnicas para dominar um avião. Soube levá-lo para fora do topo dos arranha-céus de Manhattan e transformou dois quilómetros do rio que separa Nova Iorque de Nova Jérsia na pista de aterragem (amaragem) ideal.

A história de agora, dois anos depois, também tem por protagonista um comandante de aviões. O nome dele não está a ser revelado, embora já tenha sido louvado pela companhia de aviação para a qual trabalha, a Southwest Airlines. Vamos chamar-lhe apenas o comandante. Neste caso, distingue-se não propriamente pelo arrojo e pelos nervos de aço, mas por um coração grande, comandado por uma rica sensibilidade humana.
Ao começo da tarde de um dia deste Janeiro, a quarta-feira 5 de Janeiro, o comandante conduzia um Boeing da Southwest Airlines na ponte aérea entre Los Angeles, na Califórnia, e Tucson, no Arizona. Cerca de 700 quilómetros de viagem. O comandante cultiva o hábito de ir à porta de embarque para acompanhar o fecho da entrada de passageiros no avião. Naquele 5 de Janeiro, o comandante apercebeu-se do drama de um homem e, apesar da intensa pressão para voar sempre à tabela, decidiu atrasar a partida do avião para que um homem pudesse despedir-se do neto que tinha sido assassinado e estava a morrer.
Este homem é Mark Dickinson. Estava em Los Angeles, em viagem de trabalho quando a mulher, Nancy, lhe telefonou a contar uma tragédia. Caden, o neto de ambos, com dois anos e meio, tinha sido brutalizado pelo padrasto, e estava em estado crítico num hospital de Denver, no Colorado, a mil e quinhentos quilómetros de distância de Los Angeles. Mark quis seguir logo para perto do neto. Depressa ficou a saber que, naquela tarde, a única hipótese viável para chegar a Denver, era tomar o voo, às 11h50m, da Southwest para Tucson e, neste aeroporto do Arizona, apanhar o voo das 15h para Denver.
Mark seguia em direcção ao aeroporto de Los Angeles quando a mulher lhe telefonou com terríveis notícias. Contou-lhe os detalhes da tragédia. Explicou-lhe que na noite anterior, Ashley, 26 anos, filha de ambos, tinha ido trabalhar e deixara o filho, Caden, dois anos e meio acabados de completar, ao cuidado de Theodore, 30 anos, o namorado com quem vivia. E contou que, quando Ashley voltou a casa, por volta das 11 da noite, encontrou o pequeno Caden inanimado, no meio de uma poça de sangue e, ao lado, Theodore prostrado. [Veio a saber-se que Theodore se tinha, uma vez mais, afogado em álcool e marijuana; ele tinha querido que o enteado, Caden, lhe desse atenção para jogarem juntos; Caden tentou escapar-se-lhe, Theodore, enfurecido, quis obrigá-lo, atirou-o, com brutalidade, contra a cama, causando a pancada fatal]. Ashley, logo que chegou a casa chamou a ambulância. No hospital os médicos tentaram tudo. Mas, no momento em que o avô Mark Dickinson, em Los Angeles, se dirigia ao aeroporto para voar para Denver, a mulher contou-lhe que os médicos tinham declarado o caso perdido: as lesões na cabeça de Caden eram irreversíveis, não havia esperança de o manter vivo a não ser por mais meia dúzia de horas. Acrescentou que tinha sido decidido que vários órgãos de Caden iriam ser doados para crianças na lista de espera para transplantes. Havia pelo menos 25 crianças em espera urgente.
O avô Mark passou a ter como maior desejo imediato, poder dar um beijo ao neto, antes de ser desligada a máquina que mantinha Caden com vida. Os médicos prometeram fazer tudo para manter a vida de Caden até à chegada do avô, ao fim do dia.
Mas, no aeroporto de Los Angeles, as habituais medidas de segurança, naquela tarde de 5 de Janeiro, estavam extremadas. A espera, na fila para o obrigatório controlo de segurança no acesso à zona de embarque, rondava duas horas. Mark, em desespero, contava o drama que estava a viver, mas os agentes da segurança mostravam-se inflexíveis. Teria de esperar. O que implicava perder o avião que lhe assegurava a última ligação. A história chegou aos ouvidos do comandante, quando este assomou à porta de embarque. E, embora tendo o avião com 150 pessoas a bordo, embora sabendo que há penalizações pesadas pelo incumprimento do horário de descolagem, o comandante tomou a decisão de esperar por Mark. Quando este finalmente conseguiu chegar à porta de embarque, tinha o comandante a recebê-lo: colocou-lhe a mão sobre o ombro, tentou palavras de conforto e, quando Mark agradeceu terem esperado por ele, o comandante tomou a palavra decisiva: “eles (os passageiros) não podem sair daqui sem mim e eu não sairia daqui sem o levar a si”.
Mark chegou a Denver às 6 da tarde e ainda teve oportunidade para se despedir do neto que foi declarado morto pelas 9 da noite.
O comandante da Soutwhest tinha furado os regulamentos, tinha tomado uma decisão que, face às normas, lhe poderia valer uma suspensão ou o despedimento, mas com a sua extraordinária compaixão deu conforto a um homem que vivia uma horrível tragédia. Num tempo em que tudo nas viagens aéreas se torna mais impessoal, o comandante deu à Southwest Airlines um motivo de orgulho. E dá-nos a todos um exemplo – quem decide deve decidir com a melhor sensibilidade, apesar das normas.
Francisco Sena SantosSapo Notícias, 22-01-2011
Colaboração: Pierre Pereira

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