terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Paris se prepara para a enchente do século

O Zuave

Discreta, sem alarmar a população, uma força-tarefa prepara a defesa de Paris contra a “Enchente do Século”. Quando será a catástrofe da qual se escuta falar tão pouco? “Em média, uma grande inundação acontece três vezes por século,” diz o coronel Gérard Charguellon, chefe da Orsec, a organização francesa de segurança civil. “Longe de ser um fenômeno excepcional, trata-se de uma certeza da qual somente a data exata é desconhecida”, completa. Confidenciais, os detalhes do cenário de uma enchente prevista para alagar uma área mais extensa que a inundação do rio Sena em 1910, a maior enchente da capital da França, não tem nada de ficção científica. A sua prevenção vem sendo calibrada em milímetros por 50 especialistas. Isso porque Paris, uma metrópole de 12 milhões de habitantes, cujo brasão é um barco com a frase em latim Fluctuat nec mergitur (Flutua não submerge) gera 25% da riqueza nacional. As autoridades locais não querem ter a surpresa, seguida de impotência, do terceiro presidente da República francesa, Patrice de Mac Mahon, o Duque de Magenta. Acordado pelo mordomo de sapatos encharcados com a notícia de que água estava invadindo o Palácio do Eliseu, ele perguntou: “Água, que água?” Ou pior, ofensa máxima para os governantes franceses, ninguém quer correr o risco de ser comparado à George W. Bush durante a passagem do furacão Katrina em Nova Orleans.

Um estudo cotejado com as recentes inundações do rio Danúbio em Praga e do Tibre em Roma, estimou que o volume do rio Sena irá aumentar em 15% na próxima grande enchente. Neste caso, o Ministério das Finanças, a estação ferroviária de Austerlitz, a Maison de la radio, o Hospital Georges-Pompidou, 21 embaixadas — entre elas, a dos EUA e do Brasil — serão alagadas. E não só. Os subsolos do Museu do Louvre, onde estão objetos do Egito Antigo, e o belíssimo Museu d’Orsay estão na zona de risco certo. E mais. O local que abriga o sistema de telecomunicações e informática do Palácio do Eliseu será inundado. Na Assembléia Nacional, onde os parlamentares foram legislar de barco em 1910, o manuscrito das Confissões de Rousseau foi levado para o segundo andar como medida de precaução. Durante a “Enchente do Século”, 50.000 parisienses deverão abandonar suas residências, 8 ministérios irão funcionar fora das suas atuais instalações e para abastecer a população com água potável na razão de 2 litros diários por pessoa, calcula-se que serão necessários 9 trens para realizar viagens diárias às regiões dos Voges, Alpes e Planalto Central. Ginásios e grandes espaços cobertos de Paris vão ser equipados com 70.000 camas de campanha. Depois do pico da enchente, será preciso esperar uma semana até que o nivel do rio Sena volte ao normal, deixando nas áreas alagadas um odor pestilento e persistente. Paris só encontrará seu ritmo habitual depois de meses.
Uma escala gravada em um pilar de sustentação da Ponte d’Austerlitz, no rio Sena, serve de termômetro do perigo. Ela determina o início das medidas de precaução. Quando o nível do rio atinge a marca de 3,5 metros (alerta amarelo), os mendigos que vivem debaixo das pontes são removidos, a navegabilidade é suspensa e as grandes avenidas que margeiam o Sena são fechadas para o tráfego de veículos. Na marca de 6 metros (alerta vermelho), a companhia ferroviária estatal francesa SNCF inunda de maneira preventiva a linha C do RER — trem suburbano rápido — entre as estações Javel e Austerlitz para evitar desmoronamentos devido à pressão fluvial. A RATP, responsável pelo metrô de Paris, mobilizará 800 agentes para cimentar as 477 entradas de água da sua rede. Estima-se o prejuízo da enchente, só no setor ferroviário, em 5 bilhões de euros. O subsolo de Paris com sua rede de esgotos, linhas de metrô e catacumbas lembra um queijo do tipo Emmental, cujo interior é repleto de orifícios. Se a água tomar conta dos canais subterrâneos da capital, a parte visível da Cidade Luz jamais será a mesma devido aos desmoronamentos. Quando o Sena atingir a marca de 8,6 metros, o nível máximo da enchente de 1910, calcula-se que 360.000 parisienses estarão privados de aquecimento, uma vez que as usinas situadas à beira do rio que produzem vapor, deixarão de operar. Um contingente de 10.000 militares com ajuda de helicópteros, barcos inflados e pontes flutuantes, iniciam o Plano Netuno. A medida visa, além da ajuda aos alagados, a proteção das zonas atingidas pela água contra pilhagem.
Imagem e Texto: Antonio Ribeiro, Correspondente da Veja em Paris, 17-01-2011
Colaboração de Paulo Felske

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