quarta-feira, 5 de junho de 2013

O que há por trás das manifestações violentas de protestos na Turquia

Francisco Vianna
Aparentemente, a demolição planejada de alguns prédios, a remoção de árvores de alguns jardins e mudanças consideradas execráveis de locais históricos e de valor cultural em praças do Parque Gezi, serviram de motivação para que um grupo de ‘ambientalistas’, quase todos jovens, se reunisse na Praça Taksim, em 28 de maio último, na turística Istambul, para uma manifestação pacífica de protesto, que acabou tornando-se progressivamente violenta na noite do dia 30, depois que a polícia tentou dispersar uma concentração que já passava de cem manifestantes.


No início, a movimentação foi organizada, logo no dia seguinte ao que começou, por altos representantes do Poder Judiciário do país, juntamente com figuras do principal partido de oposição ao governo (o secular Partido Popular Republicano – PPR) e as mensagens da manifestação eram de protestos ambientalistas em defesa das árvores do Parque Gezi e de gritos e cartazes condenando e exigindo a renúncia do primeiro-ministro Tayyip Erdoğan por um rosário de queixas. Coros antigovernamentais incluíam "Abaixo o ditador Erdoğan”, ou "Tayyip, peça demissão", ou ainda “O povo unido contra o fascismo".

Com a ação truculenta da polícia, os protestos também cresceram rapidamente tanto em veemência quanto em agressividade e, após o fim de semana, no dia 1º de junho, a massa de manifestantes já era de mais de dez mil pessoas reunidas na Praça Taksim, com muitos deles vindos do distrito de Kadikoy, um reduto do PPR, no lado asiático de Istambul, atravessando a ponte sobre o estreito do Bósforo, batendo panelas e fazendo algazarra em aberto desafio às leis contra a passagem de pedestres pela ponte. Alguns deles chegaram a jogar coquetéis Molotov, fogos-de-artifício, e pedras contra a polícia, que revidou com gás lacrimogêneo, canhões d’água e balas de borracha contra os manifestantes. Este rápido movimento de condenação ao governo fez com que as autoridades retirassem temporariamente a polícia do local, o que permitiu que mais manifestantes chegassem para engrossar a ruidosa turba.

A resposta de Erdoğan foi contundente e desafiadora, embora admitindo que a polícia tivesse feito uso excessivo da força e ter pedido uma investigação sobre o fato. Declarou que não "toleraria a ação de extremistas selvagens que agem por motivos ideológicos", em oposição ao "movimento ambiental" e que “iria mobilizar para as ruas um milhão de apoiadores do seu regime para cada cem mil manifestantes contrários”. O resultado foi que cerca de cinco mil manifestantes apedrejaram o escritório do primeiro-ministro, no bairro de Besiktas, em Istambul.

Fortes chuvas mantiveram os manifestantes fora da Praça Taksim, na manhã de domingo, dia 2 de junho, exceto algumas dezenas que se reuniam em torno de fogueiras.

Mais manifestantes começaram a chegar à praça no período da tarde, enquanto Erdoğan fazia outro discurso desafiante e culpava o PPR pela agitação e prometia prosseguir com os planos de desenvolvimento urbano. Houve então confrontos de manifestantes com a polícia e o pau comeu com cerca de mil pessoas presas e dezenas feridas.

Mapa do alastramento das manifestações na Turquia de 30 de maio a 2 de junho de 2013
Até onde o primeiro-ministro Erdoğan pode ir? Espera-se que ele não volte atrás com as reformas urbanas que decidiu fazer. Até 1º de junho as manifestações tinham crescido e se alastrado por diversas províncias (estados) da Turquia, tais como Izmir, Eskisehir, Mugla, Yalova, Antalya, Bolu, Adana, Ancara, Kayseri e Konya. Muitas delas são redutos do PPR e de onde se esperam que os protestos incluam um número cada vez maior de adeptos. Entre essas províncias, destacam-se Konya, Kayseri e Ancara, fortes núcleos de apoio ao governo também através do Partido da Justiça e Desenvolvimento.

Tais protestos, até agora, não indicam que o partido de Erdoğan esteja sob risco sério ou iminente de sair do poder, mas revelam os limites da ambição política do primeiro-ministro. Erdoğan está tentando ganhar votos de um processo de paz lento e extremamente frágil com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão para lhe angariar o apoio necessário para levar adiante um referendo de reforma constitucional. Tal referendo transformaria a Turquia de um sistema parlamentarista para presidencialista e, pois, habilitaria Erdoğan, cujo mandato de primeiro-ministro termina em 2015, a continuar liderando o país como presidente depois de 2014, quando haverá no país eleições presidenciais.

Tendo em vista a coalizão do Partido Popular Democrata (PPD) e os que são pró-paz com os curdos com o PPR pelos atuais protestos, o fato parece não aborrecer Erdoğan ou prejudicar o seu plano de confiar naqueles votos no referendo. Embora o Partido da Justiça e Desenvolvimento, que ainda é o mais popular da Turquia, principalmente entre a maioria conservadora da população da Anatólia interior, até o momento não enfrenta um adversário político de peso para as eleições legislativas locais de outubro próximo bem como para as eleições parlamentares nacionais de 2015, e a manobra política de Erdoğan para se tornar presidente deverá enfrentar uma resistência maior.

O principal partido da oposição secular ao governo está alarmado com as políticas de Erdoğan que comprometem os princípios que regem o núcleo do estado turco, de acordo com a definição de ‘Kemal Ataturk’.


A partir de medidas sociais que proíbem a venda de álcool depois das 10 horas da noite e de medidas de política externa pelas quais a Turquia tenta moldar e influenciar grupos rebeldes islâmicos na Síria, tais políticas prejudicam diretamente o mandato ataturquiano pelo qual o país deva permanecer sendo secular e evite extrapolar as fronteiras da república.

Mas a crescente dissidência contra o partido governamental não é uma simples divisão do secularismo islâmico; a percepção que cresce entre um crescente número de turcos é a de que o partido está buscando uma forma agressiva do capitalismo que desafia as considerações ambientais, bem como ignora valores islâmicos. Dentro dos círculos de negócios, a frustração está tomando conta de um número de concessões distribuídas a aliados mais próximos de Erdoğan, fazendo crescer a dissidência.

O estado turco está, pois, polarizado e isso fica evidente no relatório oficial dos protestos do Parque Gezi. As manifestações parecem ter dado um pouco mais de coragem aos jornais que criticam o governo, como o Hurriyet, que reassumem uma postura antigovernamental que era meio invisível nos últimos anos em que Erdoğan tem procurado domar a mídia nacional. O Hurriyet tem transmitido a "derrota" de Erdoğan com manchetes como tais como “Erdoğan não é o Todo-Poderoso".

No outro extremo do espectro político, a notícia financiada pelo Estado e divulgada pela agência Anatólia reporta que os protestos são consequência de uma "briga" entre o fogo-de-artifício lançando pelos extremistas jovens contra a polícia e a afirmação de uma mensagem democrática, pela qual, o governo permitiu que o PPR levasse adiante as demonstrações em Taksim.

Já o relato das fontes de apoio tradicionais do Partido Desenvolvimento e Justiça, é muito mais interessante. O jornal Yeni Safak, governista, condenou o projeto do parque e simpatiza com os manifestantes e o mesmo foi lido no jornal Zaman, dirigido por seguidores do movimento islâmico moderado ‘Gulen’. Os gulenistas formam um componente crucial da base governista, mas também mantém uma distância ‘segura’ do partido no poder. O movimento tem sido cada vez mais crítico a Erdoğan, sugerindo fortemente que ele e seu partido tornaram-se hipertrofiados. Em editoriais do jornal, Erdoğan é advertido pelo seu comportamento "excessivo" e defende em tese os manifestantes.

Muito embora a dissidência esteja crescendo, Erdoğan e o Partido do Desenvolvimento e Justiça tem ainda um apoio substancial da base partidária que lhe dá governabilidade. A oposição continua a carecer de potencial de credibilidade alternativa (as eleições locais de outubro próximo irão, provavelmente, nos dizer o quanto de apoio o partido ainda dispõe).

Concomitantemente, a Turquia busca uma agenda externa altamente ambiciosa, que prevê a paz negociada com o Curdistão e seus militantes e a construção de oleodutos no Iraque e no Curdistão para tentar manter afastados os ataques de militantes apoiados pela Síria.

A Turquia se achava também altamente constrangida na busca de tais objetivos de sua política externa, mas têm um papel secundário nas políticas de desvio de atenção do povo turco internamente, uma vez que Erdoğan prioriza os desafios de crescimento doméstico enquanto adversários externos, como a Síria, tentam tirar vantagem das preocupantes forças de segurança turcas e tentar patrocinar mais ataques dentro da Turquia.
Título e Texto: Francisco Vianna, 05-06-2013

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