sábado, 21 de novembro de 2015

A entrevista de Passos Coelho

O ainda primeiro-ministro está a ver bem quando se afasta de um governo de gestão e coloca a responsabilidade no líder do PS para a formação do próximo executivo. É uma leitura simples que só por ser nova demorou tanto tempo a ser digerida.
João Marcelino

Ilustração: Rui Ricardo
Na entrevista à RTP, Passos Coelho acabou de vez com a esperança daqueles que, na direita, acham que ele e o PSD, mais Portas e o CDS, deveriam esgotar todos os argumentos para suportarem uma eventual decisão do PR por um governo de gestão, ou outro da mesma linha.
Não deve ser assim – e Cavaco Silva deve tomar a devida nota da afirmação do ainda primeiro-ministro: “Cabe ao PS apresentar uma solução de governo”.

A questão não está nas motivações que levaram António Costa a rebentar com uma rotina antiga de permitir a rotatividade ente PS e PSD, mesmo quando em minoria. Nem sequer no facto, evidente, da coligação à esquerda ser muito frágil. Francisco Louçã falou disso sem complexos (e também com o propósito político de colocar o ónus dessa falha no PCP…). Quando uma coligação não se materializa em todas as suas dimensões, não só de partilha de um governo como na assunção de um programa comum e a prazo certo – e nem sequer é capaz tirar uma foto conjunta, quanto mais tentar um entendimento a três! -, algo está mal, obviamente. Passos Coelho assinalou todos esses dados do problema. Mas isso, percebeu-se também, são questões que ele entende que devem ser geridas por essa maioria e, futuramente, avaliadas pelo eleitorado.

Passos Coelho está a ver bem quando, por isso, se afasta de um governo de gestão e coloca a responsabilidade no líder do PS para a formação do próximo executivo. É uma leitura simples que só por ser nova demorou tanto tempo a ser digerida.

Passos Coelho demarcou-se também de Paulo Portas quando abordado sobre a eventualidade de, em algum dia no futuro, o PS vir a necessitar do PSD para fazer passar medidas importantes no que respeita aos compromissos europeus. É certo que afirmou que num caso desses, em que o PS não encontrasse respaldo à esquerda, António Costa teria de se demitir. Mas não disse, nunca, que esse apoio virá a faltar ao País. Um político responsável não o pode sequer insinuar. Foi uma diferença em relação ao que Portas deixara cair no Parlamento aquando da discussão do programa de governo, e da sua rejeição pela maioria de esquerda.

O registo de Passos Coelho foi fiel ao que se conhece dos últimos anos: frio, sereno, apontado ao futuro para além das cortinas da sala

Outra “orientação” de Passos Coelho teve a ver com as eleições presidenciais. Aos nervosos elementos da direita que se têm declarado chocados com a posição (cautelosa) de Marcelo Rebelo de Sousa sobre este processo de formação do novo executivo, o presidente do PSD remeteu a análise ao apoio formal para dezembro, nos órgãos do partido. Foi evidente que não subscreve a tese do aparecimento de algum talibã que diga o que uma escassa minoria de outros talibãs gostaria de ouvir dizer. É certo que também ele gostaria de ter outro candidato a Belém, como se viu na moção de estratégia ao último congresso do PSD, mas Durão Barroso não passou nas sondagens – e o povo é quem mais ordena.

O registo de Passos Coelho foi fiel ao que se conhece dos últimos anos: frio, sereno, apontado ao futuro para além das cortinas da sala. Ele sabe, sobretudo depois ver como o PCP obrigou o PS a engolir o sapo histórico do 25 de novembro na Assembleia da República, que aquela coligação tem tudo para correr mal. É só esperar pelo momento em que o PS, de cujas convicções europeias ninguém de bom senso deverá duvidar, tiver de fazer aprovar políticas de acordo com as metas comuns. Depois de um (pouco de) tempo de alguma euforia, de estado de graça gerado pela aplicação de políticas populares, a realidade acabará por se impor. E nesse dia a direita precisará de contar com um líder que tenha, serenamente, previsto o inevitável. Foi isso que, na RTP, Passos Coelho demonstrou saber, como poucos na sua área. 

Um comentário:

  1. Assisti à entrevista. Temos Estadista!
    Serenidade, sim. Segurança, também!
    Sem ironias e sem um plasmado sorriso cínico que, nada mais, nada menos, serve para disfarçar a insegurança e a má-fé.

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