Laurinda Alves
O Papa Francisco repete sem cessar o
apelo a que não deixemos que nos roubem a alegria, o que é ainda mais
interpelador em alturas tão difíceis como estas em que tudo convoca o
pessimismo e o desânimo
Viktor E. Frankl, autor de
leitura obrigatória para todas as gerações, explicou bem a diferença entre
alegria e tristeza no seu livro “O Homem em Busca de um Sentido”, escrito
depois de sobreviver a vários campos de concentração nazi. A alegria é sinónimo
de ânimo e vontade de viver. O contrário da alegria não é a tristeza. O oposto
da alegria é o pessimismo, a ruminação, o medo e a desistência. Ou seja, os
alegres não são apenas os que riem, mas os que conseguem encontrar um sentido
para a sua vida, seja ela fácil ou difícil. A verdadeira alegria está muito
para além da boa disposição, do riso e das gargalhadas. Foi esta alegria, tão
bem enunciada por Viktor E. Frankl neste seu livro autobiográfico (ensinado em
universidades como o MIT, onde o autor é apresentado como um verdadeiro caso de
liderança!) que lhe permitiu não se isolar, não desistir e sobreviver não a um,
mas a quatro campos de concentração. Não foi apenas sorte, note-se, mas uma
capacidade para encontrar dentro de si a força interior que lhe permitiu
elevar-se acima do seu destino, recordando obsessivamente as palavras de
Nietzsche: “aquele que tem uma razão para viver, pode suportar quase tudo”. No
caso de Viktor E. Frankl a alegria, neste sentido íntimo e profundo, foi o amor
pela sua mulher e pelo filho que geraram. O filho não chegou a nascer e nunca
mais voltou a ver a sua mulher, mas foram eles a razão da sua sobrevivência.
Ter estas razões para viver, permitiu-lhe aguentar os ‘Como’ da sua dolorosa e
dramática existência nos sucessivos campos de concentração.
Hoje em dia o Papa Francisco
repete incessantemente o apelo a que não deixemos que nos roubem a alegria, e
as suas palavras fazem um eco especialmente interpelador em alturas tão
difíceis como estas em que tudo à nossa volta nos convoca ao pessimismo e ao
desânimo. Mas como resgatar a alegria depois de Paris, depois do Mali e com
tudo o que acontece no mundo? Acontece que a questão da alegria é vital, e
também em resposta a esta magna questão, outros jesuítas como o Papa promoveram
neste fim de semana em Portugal um grande encontro nacional sobre a Alegria! De
dois em dois anos há encontros do SEEI – Estudos de Espiritualidade Inaciana, e
este ano o ciclo de conferências reuniu em Fátima mais de 600 pessoas para
ouvirem padres como Tolentino Mendonça, Vasco Pinto de Magalhães, Miguel
Almeida (cronista deste jornal) e José Frazão, Provincial dos jesuítas, entre
muitos outros. Foram 2 dias de verdadeiro luxo espiritual que ajudaram crentes
e descrentes a resgatar o sentido da alegria. Voltando aos ‘Como’, a grande
questão é mesmo essa: como viver a alegria nesta realidade actual tão concreta,
tão negra e tão avassaladora? Vasco Pinto de Magalhães e José Frazão insistiram
em esclarecer que o medo é o contrário da alegria, e os nossos medos facilmente
nos ameaçam e escravizam. Neste mundo em profunda transição, neste mundo
líquido ou ‘gasoso’, em que tudo muda constantemente e nem sempre sabemos bem
qual a direcção que devemos seguir, muita coisa nos aterroriza e enche de
medos. Na verdade a última palavra sobre a vida não deve ser o medo nem a
tristeza, mas a alegria e a confiança. Soa excessivo? Sei que sim, mas revela
um olhar realista que nos diz que apesar dos acontecimentos, apesar das mortes
e perdas, apesar do extraordinário custo da realidade é possível atravessar as
circunstâncias mais adversas do mundo, no mundo!, transformando-o a partir de
dentro.
Só a partir da realidade-real
podemos transformar alguma coisa em nós e à nossa volta. Numa escala mais à
nossa medida, e no concreto da vida de cada um, temos a experiência de ser
possível encontrarmos razões para nos elevarmos acima dos acontecimentos, mas
num tempo de extremismos, vale a pena pegar em exemplos tão radicais como as
mães dos filhos jihadistas que se alistaram nas fileiras do EI, para perceber
através dos seus testemunhos aquilo que algumas estão a fazer para recuperar o
alento e conseguirem manter um diálogo consigo mesmas e com a realidade. Lemos
aqui no Observador que enquanto para umas delas o facto de terem filhos
assassinos é uma tortura insuportável, para outras foi a mola que as fez dar um
salto em altura, elevando-se acima da sua dor e perplexidade, fundando a Hayat
Canada e a Mothers for Life, para ajudar pais de jovens radicalizados. Se
atendermos ao que dizem estas últimas, percebemos o sentido que encontraram na
morte dos filhos que se fizeram explodir e mataram dezenas de inocentes:
“Educamos os nossos filhos sobre drogas, sexo, álcool, bullying. Sobre todos
estes assuntos e sobre como lidar com eles, mas não os educamos sobre isto da
radicalização”. Christianne Boudreau, uma destas mães, estuda agora os métodos
de radicalização dos jihadistas, para perceber melhor o perfil dos jovens
escolhidos, e graças a ela as autoridades que buscam os terroristas podem
percorrer outros caminhos, mas nós também. Nós, pais e educadores, que
saberemos melhor identificar os sinais de alerta em crianças e jovens
adolescentes. Os casos extremos das vivências de Viktor E. Frankl ou das mães
dos jihadistas, servem-nos para perceber que em circunstâncias menos extremas,
mas porventura tão dramáticas como as doenças prolongadas, as mortes prematuras
e tantos outros sofrimentos que nos atravessam, é possível partirmos da
realidade para nos elevarmos acima dela. Tolentino Mendonça disse, com enorme
coragem e clareza, que o pessimismo e a tristeza são a resposta mais fácil e
mais espontânea aos que acontece em nós e à nossa volta. “Fácil é ser triste. O
mais difícil é permanecer na alegria!” e voltou a insistir no medo que nos
paralisa e na ‘doença mortal em que se tornou a angústia’. Sei que tudo isto
parece extraordinariamente difícil de assimilar e quase impossível de viver no
dia a dia, mas tal como Tolentino Mendonça, também eu acredito que “um mundo
gerido por pessimistas não nos deixaria sequer levantar a âncora do porto”.
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