Vitor Cunha
Foi em 2005, há dez anos, num
parque aquático espanhol, em Fuengirola, entre Marbella e Málaga, que tive
oportunidade de me sentir deslocado, apesar dos números, pela presença de uma
senhora – presumo, podia ser um homem ou três – envergando niqab, acompanhando
o – alegado – marido e filho, ambos de calções e tronco nu, como eu e todos os
outros. As mulheres presentes, com a excepção desta, usavam fatos de banho,
biquinis, algumas dispensando a parte superior deste quando deitadas sob o
tórrido sol, como as pessoas normais da Europa fazem, graças a Deus, obrigado,
liberdade.
Tentei, por momentos, imaginar
alguém vestido de forma ostensivamente exagerada para o mês de Agosto, de preto
escuro, que há diferentes tons de preto, quer pelo espaçamento do entrelaçado
do tecido, quer pelo particular esforço de remoção de pigmentação capaz de
reflectir qualquer fotão que tente fugir ao aquecimento global da pessoa humana
que encontra, no querido mês de Agosto, necessidade de uma segunda pele da
cabeça aos pés. Imaginei uma freira, cara destapada – claro – com claro tecido
sobre a cabeça que permite vislumbrar algum cabelo e apercebi-me do ridículo de
uma religiosa a observar a frenética gritaria da juventude louca pelas
cornucópias dos escorregas sem participar nas festividades: não havia uma única
freira para ser vista, pelo menos que assim se quisesse anunciar: talvez
houvesse, de fato de banho ou biquini. Havia, sim, mulheres de todas as idades,
nenhuma com as pernas tapadas.
Tinha a mulher de niqab
direito a estar ali com o ostensivo traje? Tinha. Tinha tanto direito como um
pedófilo vestido com um traje de urso polar, apesar de – garanto – não ter
visto vivalma com traje de urso polar. Devia estar? Se o objectivo era
demonstrar às restantes mulheres o quão depravadas são por exporem os
tornozelos à vista de homens incapazes de conter o ímpeto de as violar, não foi
bem-sucedida. Não deixou, porém, de deixar um gosto desagradável na boca, como
que anunciando que a Europa nunca mais seria a Europa em que cresci,
infelizmente, para bem pior.
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