sábado, 19 de dezembro de 2015

O socialismo como ele é, não como a direita condescendente imagina ser

Luciano Henrique

Dentre os aspectos mais desanimadores da direita atual, encontra-se a arrogância de compreender seu oponente de esquerda não como um implementador de totalitarismo, mas como um “coitadinho enganado”. A ilusão, criada desde os tempos de Ludwig Von Mises – quando ele escreveu a Mentalidade Anticapitalista, com uma condescendência infantil com os doutrinadores socialistas -, também se deve em parte a Michael Oakeshott. (São autores com ideias muito interessantes, mas jamais conseguiram se livrar desse lapso mental imperdoável)

Criando em sua mente um socialista que não existe na realidade, um direitista desde tipo não entra em embate com adversários reais, mas com projeções de si próprio. Assim, como ele está interessado em discutir “teses sobre economia”, mente para si próprio ao achar que seu oponente tem a mesma intenção.

Na realidade, ele quer unicamente o poder totalitário para seus líderes, sabendo que os mais espertos deles receberão uns bons trocados.

Este tipo de direita parece acreditar lutar contra a esquerda, mas na verdade a auxilia. Neste ponto, vale ler o ótimo texto de Octávio Henrique, “O comunismo não é uma utopia: ensaio sobre mais uma cegueira direitista”.

Não é difícil encontrar, internet afora, páginas e indivíduos declaradamente de direita que, ao terem de entrar na arena da política contra a esquerda, se embananam e, seja por excesso de bom mocismo artificial, seja por preciosismo petulante, acabam por perderem excelentes chances de desferirem bons golpes na esquerda e, ao invés de atacarem-na sem dó, incorporam um tom arrogante e partem para a discussão quase abstrata de conceitos pelos quais a população tem, na realidade, zero de interesse.

Um caso marcante é quando o direitista médio, do alto de sua aparente falta de sangue nas veias, passa a discursar longa e insossamente sobre como as ideias estatizantes vendidas pelos esquerdistas, isto é, o socialismo e o comunismo, não passam de utopias baseadas em abstrações acerca de um ser humano ideal ainda por vir.

Chamam, pois, os esquerdistas de “utópicos”. Chamam, pois, o ideário esquerdista de “utopia”. Mal sabem, porém, o serviço que prestam à esquerda, visto que, no fundo, o comunismo NÃO É uma utopia.

Se formos às origens do significado de utopia, inevitavelmente temos de encarar Utopia, obra em que o renomado filósofo inglês Thomas Morus se utiliza de um duplo literário para misturar coerentes críticas ao absolutismo inglês de sua época (século XVI) com a desonesta proposição de um sistema de sociedade aparentemente perfeito baseado na coerção estatal, na regulamentação extrema da vida privada e na manipulação descarada dos padrões de moralidade pública por parte do Estado, tratado por Morus, ainda que lateralmente, como uma espécie de Deus, posto que não há qualquer resquício de crítica séria à sociedade de Utopia na obra em si (i.e., mais de 100 páginas de louvor a fantasias estatizantes).

Com isso, e com a contribuição de vários pensadores de alto calibre, “utopia” deixa de significar apenas “não lugar/ lugar impossível” e passa a ter como significado, no inconsciente coletivo, “sociedade ideal, mas impossível, proposta por alguns inocentes iludidos”.

Chamar esquerdistas de “utópicos” é, portanto, o mesmo que dizer que são idealistas, no sentido de que, apesar de incorrerem em erro, são apenas pobres bem-intencionados que não querem o mal a ninguém.

Que esquerdista, em sã consciência, teria a mesma piedade arrogante com o ideário “liberal-conservative”, por exemplo?

Além disso, se uma utopia é uma impossibilidade lógica, dar ao comunismo esse rótulo é jogar com, e não contra, o discurso da esquerda. Se o comunismo, segundo esses direitistas, é mera utopia, que razão teriam para negar o discurso esquerdista padrão  de que URSS, China, Coreia do Norte, Iugoslávia, Checoslováquia, Alemanha Oriental, Vietnã, Camboja e outros não experimentaram “socialismo de verdade”?

Deve-se, sendo de direita ou não, ter muito claro em mente que o socialismo não foi ficção, mas realidade, e das mais distópicas, isto é, daquelas que mostram que o fim de toda Utopia, que teria sido o fim do living hell imaginado por Morus, é a perpetuação do morticínio nefasto em nome de ficções mais nefastas ainda.

Óbvio que qualquer estudioso de política sabe de tudo o que aqui foi registrado, mas o fato é exatamente que os alvos mais numerosos do discurso político não estudam política a ponto de enxergarem a pilantragem total dos utópicos. O que o cidadão comum que discute política quer, na verdade e no fundo, é um discurso fácil de entender e mais fácil ainda de reproduzir para aqueles que tentará convencer de suas ideias.

Negar essa essência do homem-massa para posar de superior perante “tudo isso que está aí” não é ter boas ideias. Entrar no jogo linguístico da esquerda ao discutir política e discursar com insuportável arrogância para as massas também não. Tais comportamentos devem ser descritos com apenas duas palavras: burrice criminosa.

Eu já utilizei este exemplo várias vezes, mas vamos a ele de novo.

Imagine que você é um gerente de segurança da informação querendo proteger sua organização de phishing, um método de roubar informações falsas a partir do envio de e-mails falsos que, se clicados, levarão o usuário a um site suspeito. Queira ou não, você possui dois inimigos na organização: os fraudadores, que utilizam o email de phishing, e pessoas de sua própria organização que não saibam compreender que o phishing é uma fraude. O pior é quando estes últimos continuam insistindo na tese de que o phishing, se chegou à sua caixa de email, provavelmente veio “por engano”, mesmo que já tenham sido alertados disso.

Pessoas assim serão incapazes de criar uma precaução mental para não clicar no e-mail fraudulento. Com isso, seus cérebros não terão a condição de apreender as noções básicas de conscientização sobre segurança. O resultado não é apenas “teórico”, mas prático: essas pessoas serão fontes úteis para que os hackers invadam sua rede a partir do envio do e-mail de phishing. Os fraudadores contarão com a incapacidade mental criada por esta própria pessoa. Geralmente o fazem por teimosia e arrogância. Leia mais sobre o phishing:

Phishing é um tipo de golpe eletrônico cujo objetivo é o furto de dados pessoais, tais como número de CPF e dados bancários. E-mails estranhos com mensagem de depósitos ou de sorteios de prêmios são muito comuns hoje em dia. Geralmente, esses e-mails contam com um link malicioso que leva a uma página sem sentido.

No mundo corporativo, não há outra solução que não exigir que as pessoas mudem suas próprias mentes. Caso contrário, a demissão é inevitável. Na ocasião em que isso acontece nas corporações, o gerente de segurança da informação implicitamente deixará claro: “Você está realmente querendo levar à frente a ideia de que estes e-mails de phishing são reais e que as pessoas devem clicar neles e até tomá-los como ’emails que vieram por engano’? Vamos ver então quem vence esta contenda: se nós, da segurança, ou se você.”

Como não podemos tomar essa providência no debate público, poderíamos dizer que aqueles que chamam o socialismo de “engano” ou “tese que fracassou” são mentirosos. É certo que muitos não mentem intencionalmente, mas reproduzem as mentiras inseridas em suas mentes por ideólogos socialistas que morrem de rir de sua ingenuidade.

Uma sugestão para tratamento deste problema é adotar, em qualquer interação, ou participação nas redes sociais, o constrangimento do formador de opinião que trate o opositor como coitadinho enganado.
Exemplo de diálogo:
X: A Dilma é uma trapalhona na economia!
Y: Deixe de ser hipócrita!
X: O quê?
Y: Você sabe que ela detonou a economia intencionalmente. Está querendo enganar a quem?
X: É por isso que ela errou…
Y: Mentira tua! Ela fez certinho o que ela devia fazer. Ela não é “trapalhona”. O projeto de poder dela está indo conforme os planos. Está querendo escondê-los?

Enfim, nitidamente muitos da direita não são desonestos, mas compraram as ilusões de desonestos como se fossem reais. Assim, deveriam pagar o preço. Este é um primeiro ponto para a pressão, começando pelos formadores de opinião republicanos em geral. Pode parecer radical? Sim. Estamos rotulando essas pessoas em seu caráter? Não. Mas esta teimosia não pode ficar barata. Toda pessoa de direita que possui uma crença inserida em sua mente por esquerdistas desonestos é como se fosse um fiador, e deve ser responsabilizado pelo que propaga. 
Título e Texto: Luciano Henrique, Ceticismo Político, 19-12-2015

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