André Azevedo Alves
Num contexto de hegemonia quase absoluta
da esquerda e extrema-esquerda nas redações da comunicação social portuguesa,
José Rodrigues dos Santos – goste-se ou não do estilo – é uma presença
incómoda.
Num artigo intitulado “O fascismo tem mesmo origem no marxismo?”, o jornalista do
Público Paulo Pena procura – de forma tão obstinada quanto desastrada – atacar
o também jornalista José Rodrigues dos Santos (o que não será indiferente ao
incómodo e reacções que suscitou, escritor recordista de vendas) por este ter afirmado que o fascismo é um movimento que tem
origem marxista.
Não li o mais recente livro de
José Rodrigues dos Santos mas, independentemente da sustentação que essa
afirmação possa ter (ou não) no livro, a verdade é que está longe de ser um
disparate, podendo a ligação entre marxismo e fascismo ser razoavelmente
defendida por vários prismas. Dentro das limitações inerentes a um artigo como
este, gostaria de realçar duas: as muitas semelhanças práticas entre regimes de
inspiração marxista e fascista e as similitudes no plano ideológico.
Começando pelas semelhanças
práticas, vale a pena recordar características comuns como o regime de partido
único, os movimentos de massas, o culto do líder, a supressão da democracia
parlamentar, o intervencionismo económico, o expansionismo agressivo e a feroz
repressão dos dissidentes internos, com recurso a um amplo leque de ferramentas
incluindo polícias secretas e campos de “reeducação”. Há também diferenças
relevantes entre as várias manifestações históricas desses regimes? Certamente
que sim, desde logo por nem todos poderem ser considerados igualmente repressivos
ou totalitários. Mas há semelhanças em grau e quantidade mais do que suficiente
para não descartar as ligações entre eles.
Ligações que, tratando-se de
fascismo e marxismo, encontram também expressão relevante no plano da
genealogia das ideias. A trajectória política de Mussolini não pode ser
reduzida a um mero caso de “transição abrupta entre ideologias adversárias”.
Mussolini, figura de proa do socialismo italiano, foi um marxista ortodoxo que
admirava incondicionalmente Marx e o tinha como uma referência absoluta no
campo doutrinal. É verdade que a conversão de Mussolini à causa do nacionalismo
italiano (com oportuno impulso francês) e o jogo dos alinhamentos internos e
externos o acabaram por colocar como feroz concorrente dos comunistas, mas nem
por isso o fascismo – que recolhe múltiplas influências – deixa de ser em boa
medida o produto de uma divisão entre marxistas.
Não é por isso de estranhar
que o fascismo partilhe vários traços ideológicos centrais com o marxismo: o
colectivismo, a oposição ao liberalismo e – talvez mais importante no plano da
acção política – a rejeição do pluralismo e a apologia da violência
revolucionária. Entre revolucionários monistas, a única via para a resolução de
diferendos é mesmo a violência. A tenebrosa história dos muitos milhões de
vítimas dos regimes de inspiração marxista prova abundantemente isso mesmo. Daí
que seja estranho apontar os “milhões de mortos” em conflitos associados a
marxistas e fascistas para supostamente refutar a afirmação de José Rodrigues
dos Santos.
Mas porventura o mais estranho
no artigo de Paulo Pena é que se insira numa rubrica intitulada “Prova dos
Factos”. Se se tratasse apenas – e assumidamente – de um artigo de opinião,
seriam de lamentar as imprecisões e inconsistências (algumas das quais bastante
grosseiras) mas pelo menos não estaria em causa a natureza do texto (apenas a
sua falta de rigor e qualidade). Ao tentar apresentar-se como algo que
notoriamente não é nem poderia ser, o artigo assume natureza mais gravosa por
se inserir numa campanha de propaganda dirigida contra José Rodrigues dos
Santos.
Num contexto de hegemonia quase absoluta da esquerda e extrema-esquerda
nas redações da comunicação social portuguesa, Rodrigues dos Santos – goste-se
ou não do estilo – é uma presença incómoda. Mais ainda por não ser facilmente
intimidável e por ter uma posição que lhe garante alguma autonomia.
Curiosamente, ao apresentar
opiniões (ainda para mais mal fundamentadas) como “factos” e pretender
cobrir-se de um manto de objectividade que evidentemente não tem, o artigo em
causa evidencia uma outra característica: a instrumentalização da comunicação
social para difusão de propaganda política disfarçada de análise supostamente
“factual” – característica essa também comum tanto a marxistas como a
fascistas.
Título e Texto: André Azevedo Lopes, Professor do
Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Observador,
28-6-2016
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