domingo, 26 de março de 2017

Os sofistas

Platão
Autênticas bestas negras para Platão, os sofistas foram um grupo de filósofos e educadores que dominaram a cena intelectual de Atenas no final do século V a. C. De fato, a palavra “sofista” não possuía então a conotação pejorativa com que hoje a empregamos, e que devemos em boa medida à má imagem que deles transmitiu Platão para a posteridade. Sofista significava pura e simplesmente “professor” e, por esse termo, era designada uma série de educadores que ganhavam a vida instruindo os jovens a troco de uma remuneração.

Dois eram os elementos da sofística que despertavam o receio, senão mesmo o ódio, entre uma grande parte da população grega.

O primeiro residia no fato de, ao contrário dos sábios de outrora, os sofistas não reunirem em torno de si um grupo de discípulos pelo mero prazer de difundir as suas ideias, antes faziam-se pagar e viviam disso: eram profissionais do ensino. Isto que hoje provavelmente não nos parece particularmente grave era visto como um autêntico escândalo pelos integrantes (entre eles Platão) dos setores mais esnobes e aristocráticos das pólis gregas. Em suma, e sem que as coisas tenham mudado nem um pouco, os que desprezavam o “vil metal” e o interesse crematístico eram precisamente aqueles que o tinham garantido e não tinham necessidade de ganhá-lo.

Em segundo lugar, e também substancialmente diferente dos modelos de sabedoria do passado, a educação ministrada pelos sofistas não tinha o objetivo teórico de alcançar e descobrir a verdade. Pelo contrário, a sua finalidade era eminentemente prática: adquirir as técnicas necessárias para impor o próprio argumento. Com efeito, na democracia ateniense, regida por um sistema de participação direta dos cidadãos nos assuntos da pólis e com abundantes litígios e julgamentos, a capacidade para dominar com habilidade a arte da palavra era um requisito imprescindível para o sucesso na política.

No calor desta circunstância nasceram e multiplicaram-se os sofistas, como mestres na arte da retórica e da oratória cuja principal preocupação foi, por conseguinte, desenvolver e transmitir as técnicas necessárias para defender e convencer a audiência de um raciocínio, independentemente de este ser verdadeiro ou não, moral ou imoral.

A ênfase no aspecto prático da discussão conduziu-os com frequência a posições relativistas ou céticas: não existia uma verdade com letra maiúscula, tudo dependia dos pontos de vista, dos usos e costumes, da força dos argumentos.

Para Protágoras “o homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são”, e para Górgias nada existia, se existisse seria incognoscível, e se existisse e fosse cognoscível seria incomunicável.

É compreensível que semelhantes pensamentos, nas mãos de alguns dos seus membros menos dignos, os tornassem merecedores da péssima fama que adquiriram entre muitos gregos. Um divertido fragmento do Eutidemo mostra-nos a faceta mais cômica e enrevesada dos raciocínios sofísticos. Nele, os dois sofistas Dionisidoro e Eutidemo recorrem a argúcias da linguagem para desconcertar o pobre Ctesipo:

“– Diz-me, pois: tens um cão?
– E muito feroz – respondeu Ctesipo.
–  E sem dúvida tem cachorrinhos?
– Que também são outros que tais.
– Portanto, o cão é pai deles?
– De certeza. Eu próprio o vi cobrir a cadela.
– Ai sim? E o cão não é teu?
– Absolutamente.
– Então, ele é teu, sendo pai, de modo que o cão passa a ser teu pai e tu irmão dos cachorrinhos?”

Platão, Eutidemo, 298d-e (N.E. Tradução de Adriana Freire Nogueira, 1999. Lisboa: INCM.), in “Platão – A verdade está noutro lugar”, páginas 24 e 25, Edição Cofina Media S.A., 2017
Digitação: JP 

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