Aparecido Raimundo de Souza.
“Se o seu nome é feio ou bonito, não
importa. O que faz a diferença é a transparência do caráter que o envolve”.
Bezerra de Menezes, escritor, autor de “Usina
de silêncio”.
MÃE E
FILHA CONVERSAM animadamente sobre vários assuntos enquanto tomam café na
cozinha. A certa altura, como sempre, indiscreta e imprudente, a garota mal
chegada à casa dos treze, parece descambar com acirrado interesse para um
propósito que, de certa forma, lhe desperta uma curiosidade acima do normal.
Não é de hoje, tenta pegar a mãe de jeito, mas em vão. Uma inclinação confusa,
quase sexual lhe transtorna o espírito. Precisa descobrir. Saber, de qualquer
forma, o segredo, ou ficará “pirada”.
Por conta, elabora uma série de voltas, pega atalhos. Usa de
artimanhas. “Os fins justificam os meios” – pensa de si para consigo. A mãe, todavia, sempre que se assoberba
acuada, desliza pela tangente. Escorrega daqui, resvala dali, desliza acolá, se
alinha dando uma de desentendida. Quem sabe a quarentona, de repente, caia em
contradição, abra a guarda e esclareça a dúvida que ela precisa ver trazida à
tona. Ataca usando um método até então não experimentado com a sua velha.
- Mãe, por que o nome da minha prima é Rosângela?
- Porque sua tia Berenice gostava muito de rosas. Ou melhor,
ainda gosta.
- E por que a tia Regina colocou na minha prima o nome de
Alice?
- Desde pequena, sua tia se encantou por um livro chamado
“Alice no país das maravilhas”.
- De Lewis Carroll?
- Se é dessa pessoa aí, ou de outra, eu não sei. Deve ser...
- Por sinal, desinteressante! Me vi forçada, ou pior,
obrigada a ler a balela toda da trama para um trabalho de escola. Um saco!
Voltando ao nosso trololó. Por que o pai se chama Roberto? Acredito que a
senhora deva saber, estou certa?
- De fato. Segundo me falou a sua avó, o pai dele, era fã
incondicional de Roberto Carlos.
- Que falta de imaginação! E a Kátia, minha outra prima,
filha de tia Judite. Por que esse nome sem nenhuma criação?
- Desde pequenininha, Katia passou a morar com a sua tia
Judite. Kátia não é filha dela e sim, da nossa irmã Sofia, que morreu
atropelada. Faz tempo. Você era miudinha, não se lembra. Kátia igualmente não
sabe desse pormenor. Portanto, esse assunto morre aqui. Não vá abrir o bico.
Por conta dessa fatalidade, Judite pegou a menina e a registrou em seu
nome. Um dia pretende contar... porém,
até agora, não teve coragem. Como era tia e não mãe, e como a criança veio para
sua companhia com meses de vida, Judite achou por bem batizar a pobrezinha como
Katia. Desde então, por morar com a tia, Judite teve a ideia de Katia. Daí,
K-a-t-i-a.
- E tio Getúlio?
- Meu pai, seu avô, ou melhor, seu bisa, era fã de Vargas.
Getúlio Vargas.
- Nunca ouvi falar nessa criatura...
- Claro que não. Nem poderia. Você não estuda, não abre um
livro, não pega um caderno. Vive na Internet dia e noite jogando essas merdas
de joguinhos idiotas e falando bobeira com o namorado... que futuro pretende...
- Tá legal, mãe. Sem sermão. Foca aqui na parada. Vamos ao
que interessa. Tio Persiano?
- Papai consertava persianas de casa em casa. Criou a nós
todos com esse trabalho. Quando Persi nasceu... correu no tabelião e...
- Me racha a cara. Nada a ver!...
- Engano seu. Tudo a ver. Por exemplo. A nossa vizinha, a
Mônica, o pai dela batizou a sua colega em vista de gostar das historinhas da
“Turma da Mônica”, do Maurício de Sousa.
- Quem é Maurício de Sousa?
- Viu só? De novo, bato na mesma tecla. Não sabe nada.
Maurício de Sousa é um cartunista famoso e o criador da Mônica. A dentucinha
dos quadrinhos, entre outros. Eu, por exemplo, adoro o “Horácio” e o seu pai,
“Chico Bento”.
- Quanto idiotismo! Nosso vizinho, seu Leão, você teria uma
explicação lógica para esse nome “óóóó” de horrível?
- O pai dele, seu Amadeu, falecido, que Deus o tenha, vivia
de caça...
- Caçou um baita de um leão?
- Não exatamente. Até onde sei um cágado e uma tartaruga.
- Dona Clara, a costureira?
- Passarei a você as palavras ditas por ela. Clara, desde
pequena, gostava de comer as claras dos ovos. Detestava as gemas. Tinha nojo. A
mãe, dona Marcela, aproveitou o embalo e pimba. Tascou esse.
- Sua comadre Valentina. De onde surgiu essa coisa insossa e
fora de esquadro?
- Valentina, logo que coroou, teve um probleminha sério de
saúde. Quase morreu. Chegou a ser desenganada pelos médicos. Pela luta ferrenha
para sobreviver, a mãe, dona Oliverdina não pensou duas vezes. Mandou bala em
Valentina. A bebezinha, desde o dia em que abriu os olhos lutou com coragem e
determinação. E venceu. Foi dessa guerra pela vida que veio a ideia de
Valentina.
- Seu Aparecido, do açougue?
- Era demais parecido com o pai dele, seu Cidoca.
- A senhora sabe tudo, de todo mundo!
- Não poderia ser diferente, filha. Moro aqui nesta vila com
seu pai desde que nasci. Aliás, comecei a namorar cedo. Contava quinze para
dezesseis quando tive seu irmão Tadeu. Casei aos dezessete, com Eduardo pulando
feito canguru na barriga...
- Entendo! Minha amiga de escola, a Franciela?
- Dona Araci logo que engravidou, anunciou pra todo mundo
aqui da comunidade. Se viesse homem, se chamaria Franciele. Se mulher,
Franciela. Deu à segunda.
- Estou azul de roxa. Seu Calisto da quitanda?
- O pai dele, seu Bebeto sem braço (compadre Bebeto não
tinha o membro esquerdo), vivia reclamando dos calos nos pés. Pra você ter uma
ideia, filha, o sujeito não podia usar sapatos. Andava descalço. De vez em
quando um chinelo caindo aos pedaços. Ao nascer o rebento esperado, por sinal,
o único, decidiu por Calisto.
- Que coisa mais sem graça. Com tantos nomes bonitos...
escolher logo um troço ligado ao que lhe tirava a paz. Meio que uma aberração,
não acha?
- Veja pelo lado alegre e cômico da situação. Ao menos
lembra os tilomas que o incomodavam. Entendo que o senhorzinho perpetuou a
importunice como uma forma de se vingar... sei lá...
- E a nossa vizinha aqui de frente?
- A Wanderleia?
- Temos outra Wanderleia sem ser a chata e pegajosa do outro
lado da rua?
- Não fale assim da sua futura cunhada. Wandeca é uma pessoa
sem por cento. Seu irmão Walmir, que noivou com ela, só falta beijar o chão em
volta. Pra você entender a situação, vou lhe contar uma historinha. Conceição
deu luz a um casal de gêmeos. O menino seria Wander e a menina Leia. Como
Wander veio a óbito, dona Conceição achou por bem juntar os dois num só. Dessa junção surgiu Wanderléia.
- Que meigo!
- Por que essa cara de deboche?
- Porque sempre a senhora foge de um determinado assunto, quando
chegamos nele.
- Que assunto, filha. Seja mais objetiva.
- Ok mãe. Tudo bem. Vamos lá. Se liga. Pela milésima vez. A
pergunta que não quer calar. Por que a senhora que teve onze filhos e, sendo
eu, a raspa de tacho, a temporã, colocou em mim, esse nome que eu tanto odeio?
No que a senhora pensou, ou o que a senhora tanto amava, ou gostava de maneira
muito louca e desregrada, como posso saber, se mancomunou com papai, ou ele com
a senhora, e me batizaram, ou melhor, me marcaram pra toda eternidade com um
apelido infamemente desgraçado? Olhe para meus outros irmãos e irmãs. Todos
ganharam nomes decentes... desembucha mãe. Quero saber...
-...?
- Estou esperando.
-...?!
- Mãe, está me ouvindo?
A pobre mulher, sem saída, se complica de novo, dificulta o
falar, se perturba, se embaraça. Envermelha os olhos, começa a tremer as mãos.
E como das vezes anteriores não explica bulhufas.
- Mãe?!
No minuto seguinte desata a chorar, desesperada e copiosa,
sem elucidar, todavia, a questiúncula pela qual a filha adolescente tanto tempo
espera. Por derradeiro, soluçante e quase aos peidos, consuma as mãos tapando o
rosto entristecido:
- Um dia você saberá Rolayne.
Título e texto: Aparecido
Raimundo de Souza, jornalista. Da Lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro.
1-12-2017
Colunas anteriores:
Esta é uma curiosidade que também já tive. Só meu pai escolhia os nomes dos filhos (foram quatorze), quando não era nome de santo, era de livrinhos de cordel que ele colecionava. O meu por exemplo, é a segunda opção. E aí vem: Antonio, José, Maria, Adazilza, Ademilde, Zilda, Dilma, etc.
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