Silvana Lagoas
Às vezes tenho a sensação de que o Brasil não é exatamente uma nação, mas um experimento. Uma espécie de inovação política — não no sentido admirável, mas no mais inquietante. Aqui, conceitos como separação de poderes, Estado de Direito e instituições sólidas são constantemente redesenhados, reinterpretados ou simplesmente ignorados.
Em vez de freios e
contrapesos, temos vaidades em disputa. Em vez de instituições que se
fiscalizam, temos protagonismos inflamados. A política brasileira já não se
organiza em torno de ideias ou princípios — mas de paixões. Paixões que
dispensam lógica, atropelam leis e moldam narrativas conforme o herói ou o
vilão da vez.
Talvez por exaustão, talvez
por lucidez, deixei de me surpreender com a política brasileira. Não me
surpreendi, por exemplo, quando o então juiz Sérgio Moro atropelou garantias
legais em nome de um bem maior — ou pelo menos assim se dizia. A condução coerciva
de Lula, naquele momento, era desnecessária: ele nunca se negou a depor. Mas o
objetivo não era propriamente jurídico — era simbólico. Era o espetáculo. Lula
acabou preso, tornou-se símbolo, virou manchete, e mais tarde foi solto por um
detalhe jurídico. Nada mais brasileiro do que uma prisão politicamente útil ser
anulada por um tecnicismo. A justiça, aqui, é elástica: serve ao enredo do
momento.
A cada novo episódio, fica mais difícil distinguir justiça de encenação. No Brasil, tudo parece montado para a plateia — mesmo (ou sobretudo) o que deveria ser institucional, técnico, discreto. Os rituais do processo legal transformaram-se em capítulos de uma série de tribunal, com vilões caricatos, heróis moralistas e reviravoltas sob medida para o noticiário. O Judiciário já não se limita a interpretar a lei: dirige o enredo. Define quem entra em cena, quem sai, quem será punido — e em qual momento.
Foi com esse espírito
performativo que vieram as medidas contra Bolsonaro. Tínhamos ali o cenário
completo: o ex-presidente já sem passaporte, sob investigação, a apresentar-se
à Justiça — e ainda assim, impõe-se uma tornozeleira eletrónica, limita-se o contato
com aliados, encena-se uma busca e apreensão. Encontram-se dez mil dólares e
uma pen drive numa casa de banho, e pronto: o script está
completo. Mas não termina aí. O despacho aproveita para acenar a Washington,
com uma referência direta a Donald Trump — porque, afinal, no Brasil até os
autos processuais têm ambição de geopolítica.
O problema não está apenas nas
medidas em si — como a tornozeleira eletrónica, a proibição de contacto com
terceiros ou de se ausentar da comarca —, mas no tipo de argumentação usada
para justificá-las. O Código de Processo Penal, nos artigos 282 e 319, prevê
medidas cautelares para proteger a ordem pública, assegurar a aplicação da lei
penal e garantir a instrução criminal. Mas exige, para isso, fatos concretos. E
o que temos? Insinuações, suposições e clima político.
No Brasil, o Direito é cada
vez mais interpretado conforme o personagem em julgamento — e não conforme a
letra da lei. O que hoje justifica uma punição, amanhã é ignorado por
conveniência. O Judiciário, que deveria ser o guardião do equilíbrio, parece confortável
no papel de protagonista — ora justiceiro, ora censor, ora tutor da democracia.
Aquela frase que antes soava caricata — “o Brasil vai virar a Venezuela” — já não me parece assim tão absurda. A diferença é que, lá, o Executivo controla todos os poderes. Aqui, é o Judiciário quem tudo centraliza.
Título e Texto: Silvana Lagoas é mãe a tempo inteiro, autodidata, livre pensadora, ContraCultura, 28-7-2025
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