segunda-feira, 28 de julho de 2025

O Brasil, laboratório de absurdos

Silvana Lagoas

Às vezes tenho a sensação de que o Brasil não é exatamente uma nação, mas um experimento. Uma espécie de inovação política — não no sentido admirável, mas no mais inquietante. Aqui, conceitos como separação de poderes, Estado de Direito e instituições sólidas são constantemente redesenhados, reinterpretados ou simplesmente ignorados.

Em vez de freios e contrapesos, temos vaidades em disputa. Em vez de instituições que se fiscalizam, temos protagonismos inflamados. A política brasileira já não se organiza em torno de ideias ou princípios — mas de paixões. Paixões que dispensam lógica, atropelam leis e moldam narrativas conforme o herói ou o vilão da vez.

Talvez por exaustão, talvez por lucidez, deixei de me surpreender com a política brasileira. Não me surpreendi, por exemplo, quando o então juiz Sérgio Moro atropelou garantias legais em nome de um bem maior — ou pelo menos assim se dizia. A condução coerciva de Lula, naquele momento, era desnecessária: ele nunca se negou a depor. Mas o objetivo não era propriamente jurídico — era simbólico. Era o espetáculo. Lula acabou preso, tornou-se símbolo, virou manchete, e mais tarde foi solto por um detalhe jurídico. Nada mais brasileiro do que uma prisão politicamente útil ser anulada por um tecnicismo. A justiça, aqui, é elástica: serve ao enredo do momento.

A cada novo episódio, fica mais difícil distinguir justiça de encenação. No Brasil, tudo parece montado para a plateia — mesmo (ou sobretudo) o que deveria ser institucional, técnico, discreto. Os rituais do processo legal transformaram-se em capítulos de uma série de tribunal, com vilões caricatos, heróis moralistas e reviravoltas sob medida para o noticiário. O Judiciário já não se limita a interpretar a lei: dirige o enredo. Define quem entra em cena, quem sai, quem será punido — e em qual momento.

Foi com esse espírito performativo que vieram as medidas contra Bolsonaro. Tínhamos ali o cenário completo: o ex-presidente já sem passaporte, sob investigação, a apresentar-se à Justiça — e ainda assim, impõe-se uma tornozeleira eletrónica, limita-se o contato com aliados, encena-se uma busca e apreensão. Encontram-se dez mil dólares e uma pen drive numa casa de banho, e pronto: o script está completo. Mas não termina aí. O despacho aproveita para acenar a Washington, com uma referência direta a Donald Trump — porque, afinal, no Brasil até os autos processuais têm ambição de geopolítica.

O problema não está apenas nas medidas em si — como a tornozeleira eletrónica, a proibição de contacto com terceiros ou de se ausentar da comarca —, mas no tipo de argumentação usada para justificá-las. O Código de Processo Penal, nos artigos 282 e 319, prevê medidas cautelares para proteger a ordem pública, assegurar a aplicação da lei penal e garantir a instrução criminal. Mas exige, para isso, fatos concretos. E o que temos? Insinuações, suposições e clima político.

No Brasil, o Direito é cada vez mais interpretado conforme o personagem em julgamento — e não conforme a letra da lei. O que hoje justifica uma punição, amanhã é ignorado por conveniência. O Judiciário, que deveria ser o guardião do equilíbrio, parece confortável no papel de protagonista — ora justiceiro, ora censor, ora tutor da democracia.

Aquela frase que antes soava caricata — “o Brasil vai virar a Venezuela” — já não me parece assim tão absurda. A diferença é que, lá, o Executivo controla todos os poderes. Aqui, é o Judiciário quem tudo centraliza. 

Título e Texto: Silvana Lagoas é mãe a tempo inteiro, autodidata, livre pensadora, ContraCultura, 28-7-2025 

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