Jonathas Filho
Atualmente tenho dormido bem
tarde da noite; às vezes, até às duas da manhã estou acordado, escrevendo no
notebook, uma crônica, um texto cômico ou partes do livro que estou terminando.
Tenho dormido pouco e acordado mais cedo do que gostaria.
Geralmente, após o café da
manhã, por volta das sete e meia, tenho o costume de molhar as plantas do meu
jardim e posteriormente me sento na varanda e fico apreciando as folhagens, as
flores e seus diversos matizes.
Numa dessas manhãs, uma suave
brisa morna convidava e a espreguiçadeira mais do que me incentivava à
indolência e a alguns minutos de deleitoso ócio.
Tudo era propício a uma doce
letargia e confesso que deixei-me levar e, com os olhos semicerrados fiquei
divagando e devo ter cochilado. Sonhei com Hong Kong, no tempo que lá passei e
com uma interessante fábula chinesa que não sei se, de fato, foi escrita.
Na ilusão do sonho, contava a
lenda de um Príncipe primogênito que ao ver seu pai já bastante alquebrado pela
velhice, perguntou-lhe se não seria melhor que abdicasse do trono em seu favor
para viver seus últimos dias sem maiores preocupações ligadas ao reinado.
O Rei, do alto da sua
sabedoria, respondeu que o filho não estava totalmente preparado para
substituí-lo.
Desconcertado, o Príncipe
discordou dizendo que já tinha conhecimento e idade para ser Rei e, que estudou
administração, todas as ciências, todas as leis, todas as artes, todas as
filosofias, todas as mágicas, todas as táticas e estratégias militares e, que
até do amor tudo entendia. Era quase divino.
O Rei então disse que ele
ainda precisava aprender a ser tolerante, paciente e observador e, encerrou a
conversa com o seguinte complemento:
“Meu filho, quando você escutar a relva
crescer, entender os cantos dos pássaros e sentir o momento que um botão de
rosa vai desabrochar, você estará pronto para ocupar o trono. Eu estarei
aguardando”.
A partir de então, o príncipe
entendeu porque o reinado de seu pai era tão longo e próspero, com o povo
vivendo alegre e em paz.
Tal fábula serviu como portal
para eu “entrar” mais no sono e sonhando, procurei apurar os ouvidos para
entender os comentários que eu ainda não
escutava perfeitamente.
Na medida que fui aguçando a
minha audição, fixei minha atenção nos mexericos entre plantas e flores desse
meu interessante jardim e ouvi as seguintes conversas e observei engraçadas
situações.
“Num canteiro à esquerda, a
Azedinha contava para a Árvore-da-Felicidade que noutro dia, sem nenhuma
explicação, aconteceu uma discussão entre o comigo-ninguém-pode e a
costela-de-adão que, aborrecida chorou muito. Talvez ela tenha se sentido
ofendida por não ser um amor-perfeito e deveria ser melhor tirar o
véu-de-noiva.
Ela rezava ora-pro-nobis,
afirmou que não era uma maria-sem-vergonha e apesar de apreciar os
beijos-de-frade, ela tinha de ser respeitada. Em volta, um grupo de margaridas
e manacás se amontoavam e se acotovelavam na ânsia de escutar as futricas.
Do alto de uma coluna dórica,
o Chifre-de-veado usando um brinco-de-princesa e estranhamente agarrado a um
xaxim, comentava à boca pequena com a Flor-de-maio que também tinha sido ofendido pela mesma planta mal-educada numa outra ocasião e que até o lírio-da-paz
tentou intervir, porém amedrontou-se com o porte físico do outro vegetal.
Num outro canteiro, ouvia-se a
Trepadeira, toda sensual, sussurrar ao Antúrio que às onze-horas, a sempre-viva
colocou um capuz-de-freira para não ser reconhecida e empunhou uma grande
espada-de-são-jorgem pois queria impor a ordem no jardim, mas depois desistiu
porque era pobre e não tinha dinheiro-em-penca nem renda-portuguesa como a
dama-da-noite tem. Ela “amarelou” porque não queria correr o risco de ter de
pagar uma chuva-de-ouro como indenização.
Na lateral do jardim, em um
pequeno vaso, calada ficou a boca-de-leão ao escutar o bater da pata-de-vaca na
terra ao se aproximar para fazer suas fofocas sobre outras plantas.
Interessados em escutar as
maledicências, um grupo de ixóreas vermelhas e petúnias azuis quase se
digladiavam para ver um copo-de-leite que foi puxado por uma unha-de-gato e que
por isso caiu no chão.
Nessa queda, o copo quebrou
deixando cair seus esporos e dali não conseguiu escutar mais nada dos
desairosos fuxicos que habitualmente acontecem nesse lugar florido”.
Ser perceber quanto tempo
havia se passado, só despertei quando aquele sabiá pousou próximo à mim, deu
seus trinados para me chamar e me acordar daquele cochilo matinal.
Sem esse chamado oportuno, eu
teria continuado sonhando com esses mexericos de jardim pois, na realidade,
infelizmente eu não sou sábio como o Rei da fábula chinesa, que escutava as
plantas e as flores.
Obstinado, vou continuar me
esforçando.
Título e Texto: Jonathas Filho, é um eterno sonhador...
10-10-2015
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