João Bosco Leal
Quando uma pessoa sentou-se no
divã e, diante de Rubem Alves disse: "Acho que estou ficando louca, pois
adoro cozinhar, faço isso todo dia e hoje, ao cortar uma cebola, percebi que
nunca havia visto uma cebola", ele lhe respondeu: "Não, você não
está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".
Rubem Alves disse mais: "Ver
é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos
sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica
à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece
refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à
física".
Sobre a cebola, Pablo Neruda
disse: "Rosa de água com escamas de cristal".
Enquanto Adélia Prado disse "Deus
de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra",
a pedra vista por Drummond deixou de ser uma pedra e virou um poema.
A visão que uma pessoa tem de
uma árvore não é a mesma que outra a tem, e nem mesmo daquela própria, se
olhada de um ângulo ou em horário diferente. Os ângulos, as sombras e os raios
solares provocam visões distintas a cada segundo.
O mesmo ocorre quando relemos
um livro que havíamos lido vários anos atrás. Tudo o que vivemos, ouvimos,
falamos e aprendemos nesse período, fará com que interpretemos o mesmo livro de
maneira totalmente distinta. Trechos pelos quais passamos despercebidamente
agora significam muito e, outros, para os quais demos muita importância agora
já não nos atraem tanto.
Em determinada ocasião,
comentei com um grupo de pessoas, de idades variadas, que estava gostando muito
de fotografias, que já havia feito dois cursos, que pretendia fazer outros, e
que no domingo anterior havia ido a uma praça exclusivamente para fotografar
flores, quando um dos que me ouviam logo disse que fotografar flores era coisa
de veado. Nem respondi, porque com pessoas como essas não vale a pena sequer
dialogar.
Como homem que viveu a maior
parte de sua vida no meio rural, hoje vejo claramente que, na juventude, só
queria andar a cavalo, trabalhar o gado, sem jamais procurar saber para que
serve uma casca de angico, a cinza do fogão de lenha, a casca de quina, a
folha de unha de vaca, o chá da folha da lixeira e tantos outros ensinamentos
que os homens do campo possuem, mas só quando adultos nós procuramos com eles
aprender.
Levei mais de quatro
décadas para começar a enxergar coisas pelas quais havia passado a vida toda,
sem dar-lhes a menor importância, como a beleza das árvores que se
transformavam durante as estações do ano. Secavam, pareciam mortas, depois
floriam, semeavam e outras frutificavam.
Aprendi como, nessas estações,
os animais também se transformavam. Os pássaros botavam seus ovos, as vacas e
as éguas entravam no cio, tudo de modo que suas crias nascessem na época
mais apropriada, quando houvesse mais alimentos, para que as mães, bem
nutridas, pudessem também alimentar melhor seus filhos.
Com esse aprendizado, os
homens passaram a, imitando a natureza, criar estufas para a produção de flores
diversas, irrigar suas lavouras, fazer inseminação artificial em suas vacas e
fazer com que seus garanhões cubram suas éguas no tempo correto, para que criem
na melhor época.
Esse aprendizado só ocorreu
porque alguns "viram" o que ocorria ao seu redor e não somente
passaram por lá sem realmente observar o que acontecia.
Ver é um aprendizado diário
para aqueles que possuem olhos ou não.
Título, Imagem e Texto: João Bosco Leal, Jornalista e empresário,
10-10-2015
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