Um mundo que abandonou o
apreço pela regra gramatical é um mundo mais feio, com pensamentos mais
confusos, já que a boa escrita é fundamental para nossa compreensão do que é
dito.
Rodrigo Constantino
Quando minha amiga e tradutora
Márcia Xavier de Brito me mandou de presente o livro Suma Gramatical da
Língua Portuguesa, de Carlos Nougué, achei que era algum toque sobre meus
eventuais erros gramaticais, normal para quem escreve uns cinco artigos por
dia e não é um Reinaldo Azevedo da vida que, apesar de católico, deve
ter feito algum pacto com o Diabo para escrever em tanta quantidade com tanta
qualidade (de conteúdo e forma).
Mas bastou ler a orelha para
perceber que não era nada disso. Em uma época de relativismo exacerbado, tanto
estético como moral, alguém com o currículo de Nougué defendendo a
importância das regras gramaticais é algo necessário, especialmente num
país em que “nós pega os peixe” e “pra mim fazer” já passaram a ser vistos como
algo normal, como “apenas diferente”. Sem normas, a língua está perdida, e todo
o restante também.
Abaixo, a orelha na íntegra
para que o leitor possa tirar as próprias conclusões:
Alguns hoje se empenham com
afinco em desacreditar a Gramática, porque, segundo eles, as línguas não
necessitam de regras que as constranjam: basta deixar que sigam seu curso,
livremente. Mas isso é falso, porque, deixada à deriva, sem regras que a
dirijam, a língua seria como as águas de um rio, puro fluxo, ao ponto de não
poder falar-se duas vezes como a mesma língua. É parte intrínseca de toda e
qualquer língua ter regras; é o dique sem o qual ela fluiria sem nenhuma
permanência e os próprios defensores da tese da língua sem regras nem poderiam
propor sua tese: simplesmente porque nem sequer haveria nenhuma língua.
As línguas, sim, corrompem-se,
mas menos impetuosamente quando, em meio a uma verdadeira civilização universal
(ou tendente à universalidade), há a escrita com sua arte própria e especial, a
Gramática. Mais ainda, neste último caso podem tender até a grande
estabilidade: foi o que se deu com o latim ao tornar-se língua altamente
normatizada e ordenada à Ciência e à Sabedoria.
A Suma Gramatical da
Língua Portuguesa – Gramática Geral e Avançada, de Carlos Nougué, não só
reafirma a necessidade imperiosa da Gramática e seu caráter essencialmente
normativo, mas aprofunda-se solidamente em seus pressupostos teóricos, a fim de
fazer frente eficaz tanto aos numerosos ataques que lhe movem como às próprias
debilidades da tradição gramatical. Só o faz, porém, para melhor inserir-se
nesta mesma tradição. Segue nisso a palavra do gramático venezuelano Andrés
Bello: “A prevenção mais desfavorável […] é a daqueles que julgam que em
gramática as definições inadequadas, as classificações malfeitas, os conceitos
falsos carecem de inconveniente, desde que, por outro lado, se exponham com
fidelidade as regras a que se conforma o bom uso. Eu creio, contudo, que essas
duas coisas são inconciliáveis; que o uso não pode expor-se com exatidão e
fidelidade senão analisando os princípios verdadeiros que o dirigem, porque uma
lógica severa é indispensável requisito de todo e qualquer ensino”.
Como diz o desembargador
Ricardo Dip em sua apresentação, a Suma Gramatical da Língua Portuguesa é
obra teórico-prática não só de um gramático e professor experiente, “mas também
de um filósofo prudente, de alguém acostumado a leituras árduas e que não se
deixa abater pelas tempestades periféricas: vai às profundezas, em busca de
fundamentos últimos aos quais possa discretamente arrimar sua arte regulativa,
a da palavra”.
Eis o currículo do autor:
Carlos Nougué, nascido
em 1952 na cidade do Rio de Janeiro, ocupou a cadeira de Língua Portuguesa
e a de Tradução Literária durante mais de nove anos numa pós-graduação
(UGF). Ministra o curso on-line Para Bem Escrever na Língua
Portuguesa, de 60 horas. Lexicógrafo, participou da redação de três
dicionários. Tradutor do latim, do francês, do espanhol e do inglês, verteu à
nossa língua filósofos como Cícero, Sêneca, Agostinho, Tomás de Aquino, Louis
Lavelle e Xavier Zubiri, e literatos como Cervantes, Quevedo e Chesterton.
Ganhou o Prêmio Jabuti/93 de Tradução e foi indicado outras duas vezes ao mesmo
prêmio, uma delas pela tradução de D. Quixote. Dedica-se agora à
escrita de longa obra filosófica, Das Artes do Belo: Imitação e Fim.
Da quarta-capa, temos isso:
Dizia o gramático venezuelano
Andrés Bello: “Sendo a língua o meio de que se valem os homens para comunicar
uns aos outros quanto sabem, pensam e sentem, não pode ser menos que grande a
utilidade da Gramática, já para falar de maneira que se compreenda bem o que
dizemos (seja de viva voz, seja por escrito), já para fixar com exatidão o
sentido do que outros disseram”.
Esse é o ponto de partida da Suma
Gramatical da Língua Portuguesa – Gramática Geral e Avançada, na qual
Carlos Nougué, sem descuidar em nada dos pressupostos teóricos da arte da
Gramática, reafirma a finalidade desta: ensinar a escrever, a ler e ainda a
falar. Isso porém só se consegue mediante a formulação de regras as mais
simples e de abrangência o mais ampla possível – o que implica evitar, ainda
quanto possível, as exceções.
Esse é o modo de proceder da
obra que o leitor tem agora diante dos olhos, e que já faz parte da biblioteca
essencial das artes liberais.
Num país repleto de
analfabetos funcionais “educados” por pedagogos inspirados no comunista Paulo
Freire, torna-se essencial defender o clássico, a regra, a norma, a boa
Gramática. O livro está bem ao meu lado para eventuais pesquisas. Dada a
quantidade de textos diários que escrevo, não posso garantir sempre a boa
qualidade estética, mas ela deve ser sempre a meta a ser alcançada.
Um mundo que abandonou o
apreço pela regra gramatical é um mundo mais feio, menos aprazível, com
pensamentos mais confusos, já que a boa escrita é fundamental para nossa
compreensão do que é dito. E beleza é sempre algo crucial para tornar nossas
vidas mais interessantes.
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