Jacinto Flecha
Palavras e expressões
d’antanho podem causar estranheza em nós, moderninhos, por isso lhe ofereço
desde já o significado destas do título de hoje:
Geringonça –
Coisa mal feita, de qualidade e duração precárias;
Do tempo do onça
– Muito antigo, fora de moda, ultrapassado.
É bom esclarecer que
geringonça não se confunde com coisas do tempo do onça, até pelo contrário.
Basta lembrar que os multicentenários violinos Stradivarius nunca foram
igualados, e muitos estão ainda hoje em perfeito estado, com seus valores na
zona do estratosférico. Catedrais góticas e castelos ainda serão atrações
turísticas, em ótimas condições de uso, quando todos nós estivermos tão longe
delas quanto estão hoje os do tempo do onça.
Casas, palácios, castelos,
pontes, estradas, móveis, utensílios, veículos – muitos desses patrimônios de
antigamente continuam resistindo ao tempo e ao uso contínuo. Outros foram
destruídos ou substituídos por equivalentes de vida curta; que ainda estão
tinindo de novos, mas não se sabe até quando serão úteis. Você também sabe, por
experiência própria, que a indústria desaprendeu como se fazem coisas duráveis,
portanto eu estaria chovendo no molhado, se entrasse em exemplos.
Entre o nosso tempo e o do Onça (±1730,
como explicarei adiante) houve a Revolução Francesa, o comunismo, a televisão,
a libertinagem sexual, a infernet. Cada uma dessas saiu vitoriosa em muitas
coisas e derrotada em outras, sempre deixando marcas lamentáveis, permanentes,
demolidoras. No meu exíguo espaço disponível, apontarei alguns itens que
mudaram para pior, muito pior. Entra isto na primeira metade da minha área de
atuação (agudas), que consiste em espetar flechas em coisas aberrantes, aceitas
atualmente como normais. Muitas delas seriam avaliadas como profundamente
patológicas, se examinadas por alguma confiável medicina social (longe, muito
longe de socialista, esclareço para evitar mal entendidos).
Família – Há
sociólogos afirmando que a família deixou de existir. O que hoje se denomina
família é coisa tão mal feita, de qualidade tão precária e duração idem, que
até duplas homossexuais podem pleitear inclusão nessa geringonça. Não ousariam,
nem sequer pensariam em fazê-lo, se a família estivesse no seu estado normal,
não patológico.
Patrimônio – No
tempo do onça a moeda tinha valor em si mesma. Depois a moeda em papel, a moeda
eletrônica e suas variantes facilitou muito as transações comerciais, mas o seu
valor ficou tão volátil, corruptível e não confiável quanto o governo
transitório que as imprime e autoriza. Ações de empresas podem atingir alto
valor, depois perdê-lo inteiro por motivos imprevisíveis, ou por não existir o
fio de barba que era regra no tempo do onça. Não lhe parece tudo isso uma
geringonça?
Segurança –
Muitos itens desengonçados do mundo atual, como a segurança pública, nos
autorizam a considerar nossa estrutura social uma geringonça. Não era assim na
época de um chefe de polícia do Rio de Janeiro, capitão cujo rigor e valentia
lhe valeu o apelido de Onça. De 1725 a 1732, assumiu suas responsabilidades e
exigia dos subordinados um padrão policial digno. Não hesitava em punir
severamente os marginais. Tranquilizada e confiando no personagem, a população
tinha segurança até para caçoar dele, como geralmente faz com amigos do peito. Compare
isso com a segurança atual, examine toda a precariedade atual, e passaremos a
admirar juntos aquela segura tranquilidade que existiu no tempo do Onça.
Governo – Todo
governo democrático já nasce condenado à morte, quando não ao lixo da História.
Tem prazo de validade estabelecido no sistema eleitoral, e está sujeito a
degenerações e corrupções de todo tipo e tamanho. Basta ver que o governo novo
não tem interesse em concluir obras iniciadas pelo anterior, e com isso se
perdem verbas colossais. Cada novo governo se apressa em substituir a equipe de
amigos do anterior por outra com seus próprios amigos, e isso exatamente quando
já seria útil a experiência que a outra havia adquirido. Mas a equipe nova
recomeça o aprendizado, as tentativas fracassadas, os “malfeitos”.
Caçoar do que não
agrada, é atividade amplamente cultivada no nosso País, e muitos a estão
praticando para exigir uma melhora na geringonça. Parece que os responsáveis
pela coisa pública não aplicam a si mesmos os protestos, cobranças e insatisfações.
Acham isso muito engraçado, e riem. Reação insensata, de um governo que virou
uma geringonça à espera de ser desmantelada e incinerada. Parece-me muito
preocupante, mas muito válido, um convite-protesto como este que alguém
sugeriu: Presidente, vem pro olho da rua!
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