André Azevedo Alves
À medida que a demagogia dos
propagandistas da esquerda radical que impulsionaram a “geringonça” vai
colidindo com a realidade, o “virar de página da austeridade” dará lugar a
ainda mais austeridade.
Hospitais. Pagamentos em atraso subiram para 605 milhões de euros: “Um valor superior
aos atuais 605 milhões de euros de pagamentos em atraso não era registado desde
fevereiro de 2015. O valor mais baixo foi o registado em setembro de 2015, mas
as dívidas em atraso dos hospitais EPE começaram a disparar a partir de janeiro
deste ano.”
Escolas sem dinheiro para luz e água: “Há agrupamentos de
escolas prestes a ficar sem dinheiro para pagar despesas correntes, como as
faturas de água ou eletricidade.”
Grávidas e doentes com apoios em atraso: “O portal das
queixas da Segurança Social regista centenas de reclamações por causa de
atrasos nas prestações compensatórias – subsídios que os trabalhadores não
receberam por motivo de baixa prolongada, por exemplo.”
Hospital pede papel higiénico a doentes: “O hospital de
Portimão está a pedir aos familiares de doentes internados que tragam de casa
champô, gel de banho, papel higiénico e toalhas.”
A sucinta amostra de notícias
diz respeito às últimas semanas e evidencia algumas das consequências mais
imediatamente visíveis da encenação do suposto “fim da austeridade” levada a cabo pela “geringonça”.
Era evidente já em Outubro de
2015 que o país não tinha dinheiro para pagar mais socialismo, mas o imperativo político
de acabar com a austeridade para alguns está muito rapidamente a conduzir a
pesados custos para os portugueses em geral – com particular incidência nos
grupos mais desfavorecidos, com menos capacidade reivindicativa e com menos
acesso aos corredores do poder.
O facto de, por artes
mágico-mediáticas da “geringonça”, a “austeridade” se ter passado a chamar “rigor”
é fraca consolação para quem esteja consciente da gravidade da situação a que a
actual maioria de esquerda está a conduzir o país. A reversão das tímidas
reformas do anterior governo, o crescimento económico anémico, o incumprimento
dos objectivos de redução do défice, a delicada situação do sistema bancário
nacional e a crescente descredibilização face às instituições europeias são
factores que apontam todos no sentido de uma nova crise, de consequências difíceis de prever na nova conjuntura europeia e mundial.
À medida que a demagogia dos
propagandistas da esquerda radical que impulsionaram a “geringonça” vai
colidindo com a realidade, fica cada vez mais claro que o prometido “virar de
página da austeridade” acabará por conduzir a um novo capítulo com ainda mais
austeridade. Desde Passos Coelho às instituições europeias – sem esquecer os
“mercados” – não faltarão bodes expiatórios a quem apontar o dedo no momento do
colapso, mas nessa altura importará recordar que foi a “geringonça” quem
fracassou estrondosamente no cumprimento das suas promessas.
Título e Texto: André Azevedo Alves, Observador,
23-7-2016
Professor do Instituto de
Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa
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