Jacinto Flecha
Um amigo que nasceu em Berlim,
depois veio para o Brasil e transitou por vários países, reside e exerce
atividades diplomáticas nos Estados Unidos. Esse vasto background multinacional
recomenda, numa ligação para o celular dele, não iniciar a conversa com a
pergunta habitual – onde você está? – e globalizar a pergunta assim: Em que
país você está? Seria uma surpresa ele estar no país que imagino.
Ele tem o bom costume de
conversar na língua do interlocutor, e procura fazê-lo usando os termos
correntes no respectivo país, o vernáculo mais atualizado possível.
Recentemente ele me agradeceu por e-mail o envio de um PPS com belas
fotografias de Sachsen, e perguntou-me como deveria dizer em vernáculo – em
português, talvez numa próxima viagem ao Brasil – o nome desse estado alemão.
Informei nosso Saxônia, e acrescentei o Saxe francês e o Saxony inglês.
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Kriebstein Castle
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Usar corretamente a língua do
interlocutor é uma atitude cavalheiresca, muito elogiável, mas não isenta de
dificuldades e complicações. Especialmente quando não se trata exatamente do
vernáculo, mas um vernaculês com palavras que lembram longinquamente o original
estrangeiro, muitas vezes com insinuações e duplo sentido.
Creio que o meu amigo
desconhece pelo menos uma dessas vernaculidades. Durante uma conferência dele
no Brasil, referiu-se a um imél que havia recebido, e o meu vizinho no auditório
perguntou-me o que é isso. Esclareci que os americanos pronunciam assim o
e-mail. Provavelmente ele teria usado nosso vernaculês, se soubesse que os
brasileiros pronunciam mail de acordo com os caracteres fonéticos meil, como
indicam os dicionários.
Os americanos inventaram o
e-mail e deram-lhe este nome, mas resolveram pronunciar imél, sabe-se lá por
quê. Imagino que alguém poderia confundir correio eletrônico (e-mail) com algum
correio masculino, pois male (macho) e mail (correio) têm representação
fonética igual nos dicionários. Nesse mundo que ainda não despachou para o
hospício quem considera iguais um menino e uma menina, é bem possível alguém
confundir macho com correio. Não é minha culpa se o mundo está atolando a toda
velocidade nesse tipo de “progresso”, e a preocupação vernacular nem sempre
elucida loucuras do gênero (sem insinuações intencionais...).
Outro exemplo bem próximo
deste. No país onde se inventou a copiadora Xerox, ninguém entenderá se você
pedir uma xerox (no sentido de cópia). Se quiser arriscar, pode pedir uma copy,
isso deve bastar. Mas xerox em vez de zírocs, ninguém saberá do que se trata. E
se um americano pedir uma zírocs no Brasil...
Ao entrar numa lanchonete, é
comum encontrarmos num painel o preço de um X-burguer, X-salada, etc. Nenhum
brasileiro terá dúvida ao pedir seu sanduíche identificado por aquele X. Mas um
americano ou turista de qualquer origem precisará adivinhar que nossa pronúncia
do X fica bem próxima de cheese (queijo), daí o nosso vernaculês para os tais
sanduíches.
Sempre estranhei a tradução
dos franceses para o nome da capital inglesa. London ficaria muito mais fácil
dizendo-se Londón, com a vantagem de lembrar um pouco o big-ben. Mas parece que
os franceses não têm muita preocupação com esse tipo de facilidades. Imagino
que alguma rixa ou zombaria mútua, durante as centenas de guerras entre eles,
tenha originado a introdução desse inexplicável R de Londres.
Pode também ter sido alguma
insinuação sobre londrès (charuto). A única certeza é que os franceses puderam
manter neste caso o costume de engolir letras sem conta no final das palavras.
A grafia nunca muda, eles só economizam na pronúncia. Quanto a nós,
incorporamos a grafia Londres, devido à grande influência que recebemos do
francês no início do século XX. Mas pronunciamos direitinho todas as letras.
Um caso bem conhecido de
tradução equivocada é canguru. Quando o Capitão Cook chegou à Austrália, a
atenção dos tripulantes foi atraída para esse marsupial, e alguém perguntou a
um nativo, em inglês, que animal era aquele. O nativo disse na própria língua
algo como ken-ga-rú. Os ingleses entenderam que esse era o nome do animal, e
passaram a identificá-lo como kangaroo. Mas o que o nativo respondeu ao inglês
significa apenas não estou entendendo. Provavelmente os nativos de hoje
continuam usando a palavra deles, mas sabem também que os gringos dizem não
estou entendendo, quando surge algum canguru.
Não lhe parecem bem
complicadas as questões de vernaculês pra lá e pra cá? Podemos fazer grande
esforço para falar como os estrangeiros, mas restará sempre uma zona
intransitável. Por exemplo, a pronúncia do sibilante TH do inglês; o gutural CH
do alemão; o R tremulante do italiano; o som do U francês, tubular e híbrido
(I+U); o melodioso ÃO do brasilês; e haja entonação musical para se pronunciar
qualquer palavra, frase ou sílaba do chinês.
Além das diferenças de
sintaxe, envolvendo qualquer situação intermediária entre ordem direta absoluta
e ordem inversa absoluta, podemos desistir de encontrar a exata entonação da
outra língua. Aprende-se naturalmente desde o berço, e usa-se ao longo de uma
vida inteira, daí o gringo só conseguir uma aproximação.
Já que falamos em gringo,
consta que este qualificativo surgiu quando um inglês teve que ensinar como se
usam os semáforos: Quando acende o verde (Green), você pode ir (go) – Green,
go! Green, go!
Si non è vero è bene trovato.
Título e Texto: Jacinto Flecha,
ABIM, 29-7-2016
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