segunda-feira, 25 de julho de 2016

Verão Gelado

Alberto Gonçalves
Um governo. Uma maioria. Um presidente. O primeiro, movido pelo oportunismo, pela intrujice e por incompetência, actua com gloriosa irresponsabilidade. A segunda, movida pela pressão das clientelas e pelo fanatismo ideológico, exige com urgência inéditos paradigmas de loucura. O terceiro, movido por um pavor clínico da rejeição, persegue transeuntes com comendas e faz figuras incompatíveis com o cargo. Mesmo à distância, não seria difícil adivinhar o futuro, a breve prazo, de um país assim. Para nossa desgraça, a distância é nula e o país é aquele em que vivemos: difícil é imaginar pior conjugação de circunstâncias. E o futuro, escusado lembrar, é negro como a noite. Trata-se de azar? Só em parte. Sobretudo trata-se de um crime, cujos autores sairão impunes e cujas vítimas serão inúmeras.

Ao contrário do que alguns esperam, isto não é um regresso a 2011, quando apesar de tudo havia no PS uma ou duas pessoas com vergonha na cara. E havia no poder ascendente uma ou duas pessoas que, cobardias de lado, teimaram em evitar a queda. E havia uma "Europa" disponível para nos amparar na dita.

Ao contrário do que temem outros, isto nem sequer é uma réplica da situação grega, onde até a demência do Syriza depressa se viu invadida por vestígios de realidade. As "sanções", ou a "prepotência de Bruxelas", são o que hoje nos impede de prosseguir jovialmente o caminho da Venezuela ou de um paraíso progressista similar, repleto de consciência social e miséria. Não sei se, cansada de corrigir incorrigíveis, a odiada "ingerência externa" impedirá tamanhas conquistas amanhã.

No fundo, isto é muito simples. E muito triste. O dr. Costa, que é tão escrupuloso e sério quanto fluente na língua, está disposto ao que calha para sobreviver politicamente. Sejam um produto de incidentes neurológicos ou uma artimanha para servir amigos, as recentes declarações sobre o Novo Banco são um mero exemplo, entre dezenas, daquilo que uma criatura radicalmente desprovida de bom senso é capaz. Em poucos meses, Portugal transformou-se numa história para assustar criancinhas, investidores e contribuintes em geral. O caso é de tal maneira grave que a recorrente questão acerca do carro usado não se aplica: do dr. Costa, ninguém aceitaria, nem dado, um carro com 0 km.

Infelizmente, não falta quem o siga até ao stand. Por conveniências sortidas, temos o PS dos negócios, o PCP dos sindicatos e o BE da moral. E o PR dos "afectos". E certo PSD unido na oposição subtil a um reduto de sanidade chamado Pedro Passos Coelho. Cada elemento da divertida trupe prepara-se para espatifar o país e, graças à tradicional tendência para culparmos terceiros, espera terminar a proeza sob aplausos. Com jeito, este processo de destruição metódica acabará imputado à UE, à Alemanha, ao brexit, à instabilidade na Síria, ao sr. Trump e a três futebolistas franceses.

A verdade é que caímos nas mãos de gente particularmente perigosa. O resto é tudo mentira. 
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 24-7-2016

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