José António Saraiva
Nessa altura, recorde-se, o TC
chumbava com frequência medidas acordadas entre o Governo e a troika, criando
óbvias dificuldades ao Executivo – que, para cumprir o Memorando, tinha de
arranjar outras medidas em sua substituição.
Era, por isso, natural que o
Governo reagisse.
Mesmo assim, não me lembro de
Passos Coelho ter atacado verbalmente o TC ou o seu presidente em público.
Queixava-se, mas dizia que
acatava as decisões.
Na última semana, porém, o PS,
o PCP e o BE não tiveram qualquer pejo em atirar-se, com invulgar violência,
aos presidentes de dois órgãos fiscalizadores do Governo.
Quase em simultâneo, o
governador do Banco de Portugal e a presidente do Conselho das Finanças
Públicas foram fustigados por António Costa e por altos dirigentes dos partidos
de esquerda, numa clara campanha concertada.
António Costa chegou a
explicar que Carlos Costa era «inamovível» – o que significava que, se
estivesse na sua mão, já o teria demitido.
E também Teodora Cardoso foi
vítima de escárnio por parte do primeiro-ministro, por ter dito (correspondendo
à sugestão da jornalista que a entrevistava) que o défice de 2,1% era, de certo
modo, «um milagre».
Porquê?
Porque foi conseguido – dizia
Teodora – com medidas extraordinárias dificilmente repetíveis.
Ora, isto é objetivo e
insofismável.
Bater em Teodora Cardoso por
falar em ‘milagre’ foi um episódio lamentável.
As pessoas que, consciente ou
inconscientemente, têm atacado o governador do Banco de Portugal e pedido a sua
demissão não percebem bem a gravidade do que estão a fazer.
Não é por acaso que o
governador do BdP é inamovível.
Nem é por capricho que as
normas europeias (Protocolo 4, anexo ao Tratado de Lisboa, art. º 14, nº 2,
parágrafo 2, dos estatutos do SEBC) assim o determinam.
Isso acontece porque o banco
central é, também, um órgão de vigilância da política governamental.
O BdP tem de ser independente,
para poder agir de forma autónoma e analisar livremente certas consequências
das políticas seguidas.
Recordo que, até no tempo de
Salazar e Caetano, os relatórios do Banco de Portugal eram respeitados e lidos
atentamente pela oposição, porque se sabia gozarem de uma certa independência
relativamente ao poder político.
Imagine-se o que aconteceria
se o Governo pudesse demitir livremente o governador do banco: este
transformar-se-ia num boy, e o BdP passaria a ser uma correia de transmissão
governamental.
Defender a independência de
Carlos Costa é, pois, defender a democracia.
E o mesmo vale para Teodora
Cardoso.
Estamos a passar por um
momento muito difícil.
Encurralado pela oposição no
caso CGD-Centeno-Domingues, o Governo e os seus aliados de esquerda lançaram um
formidável contra-ataque.
Primeiro, foi a ‘inventona’
dos 10 mil milhões.
É verdade que 10 mil milhões
podem ter saído do país sem controlo do fisco (o que não quer dizer que não
tenham pago os respetivos impostos) e isso deve ser esmiuçado até ao mais
ínfimo pormenor para percebermos o que se passou.
Mas o facto de uma notícia
velha de 8 meses ser relançada nas vésperas do debate parlamentar sobre a CGD
não foi com certeza acidental.
Só os ingénuos podem acreditar
que a sua republicação nessa altura foi uma coincidência.
Seguiu-se o ataque ao
governador, com a repescagem de notícias dizendo que Carlos Costa foi alertado
para as irregularidades no BES muito tempo antes de Ricardo Salgado ser
afastado da presidência do banco.
Ora, toda a gente sabe que o
processo de destituição de Salgado foi difícil e moroso.
Não esqueçamos que o BES era
um banco privado, e o Banco de Portugal não podia do pé para a mão ‘correr’ com
o presidente eleito pelos acionistas (com o risco suplementar de provocar uma
corrida aos depósitos que poderia ser fatal).
Havia regras a cumprir e tudo
teria de ser feito com imenso cuidado.
Ao contrário do que agora se
diz, Carlos Costa teve a coragem de enfrentar Salgado contra a opinião de muito
boa gente na altura.
Aliás, é interessante verificar que ainda há bem pouco tempo
António Costa atacava Carlos Costa e Passos Coelho na questão do BES, quase os
acusando de, ao tirarem o tapete a Salgado, terem liquidado o banco; agora, o
governador é acusado do contrário: de não ter afastado Salgado mais cedo…
Julgo que estamos a passar por
um momento politicamente muito sensível.
Os violentos ataques a dois
órgãos de fiscalização do Governo – o Banco de Portugal e o Conselho das
Finanças Públicas – são inaceitáveis numa democracia.
E a tentativa de envolver à
força Passos Coelho no caso dos 10 mil milhões também não é séria.
António Costa é um político
muito hábil – mas é um político perigoso.
A forma como afastou António
José Seguro, o modo como subiu ao poder depois de ter perdido as eleições,
mostram a sua capacidade e o seu maquiavelismo.
E acolitado por uma mulher
como Catarina Martins, que de democrata não tem nada – julgo que ainda hoje
verá Trotsky como um modelo –, ainda mais perigoso se torna.
O ambiente é de caça às
bruxas.
Veremos se o Presidente da
República, Marcelo Rebelo de Sousa, se demarcará claramente dela.
Dito de outro modo, veremos se
o Presidente se colocará ao lado das instituições independentes – ou se, na sua
ânsia de apoiar o Governo, alimentará a vontade daqueles que as querem
subverter.
Para já, foi muito infeliz e
deselegante o modo como se referiu a Teodora Cardoso no caso do ‘milagre’.
Mas está sempre a tempo de
alterar o seu comportamento.
Título e Texto: José António Saraiva, SOL,
12-3-2017
Realce: JP
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