domingo, 12 de março de 2017

O formidável contra-ataque da esquerda

 Quando Passos Coelho era primeiro-ministro, o PS, o PCP e o BE criticaram-no várias vezes violentamente por ‘não respeitar’ o Tribunal Constitucional

José António Saraiva

Nessa altura, recorde-se, o TC chumbava com frequência medidas acordadas entre o Governo e a troika, criando óbvias dificuldades ao Executivo – que, para cumprir o Memorando, tinha de arranjar outras medidas em sua substituição.

Era, por isso, natural que o Governo reagisse.
Mesmo assim, não me lembro de Passos Coelho ter atacado verbalmente o TC ou o seu presidente em público.
Queixava-se, mas dizia que acatava as decisões.

Na última semana, porém, o PS, o PCP e o BE não tiveram qualquer pejo em atirar-se, com invulgar violência, aos presidentes de dois órgãos fiscalizadores do Governo.

Quase em simultâneo, o governador do Banco de Portugal e a presidente do Conselho das Finanças Públicas foram fustigados por António Costa e por altos dirigentes dos partidos de esquerda, numa clara campanha concertada.
António Costa chegou a explicar que Carlos Costa era «inamovível» – o que significava que, se estivesse na sua mão, já o teria demitido.

E também Teodora Cardoso foi vítima de escárnio por parte do primeiro-ministro, por ter dito (correspondendo à sugestão da jornalista que a entrevistava) que o défice de 2,1% era, de certo modo, «um milagre».
Porquê?

Porque foi conseguido – dizia Teodora – com medidas extraordinárias dificilmente repetíveis.
Ora, isto é objetivo e insofismável.
Bater em Teodora Cardoso por falar em ‘milagre’ foi um episódio lamentável.

As pessoas que, consciente ou inconscientemente, têm atacado o governador do Banco de Portugal e pedido a sua demissão não percebem bem a gravidade do que estão a fazer.
Não é por acaso que o governador do BdP é inamovível.

Nem é por capricho que as normas europeias (Protocolo 4, anexo ao Tratado de Lisboa, art. º 14, nº 2, parágrafo 2, dos estatutos do SEBC) assim o determinam.

Isso acontece porque o banco central é, também, um órgão de vigilância da política governamental.
O BdP tem de ser independente, para poder agir de forma autónoma e analisar livremente certas consequências das políticas seguidas.

Recordo que, até no tempo de Salazar e Caetano, os relatórios do Banco de Portugal eram respeitados e lidos atentamente pela oposição, porque se sabia gozarem de uma certa independência relativamente ao poder político.
Imagine-se o que aconteceria se o Governo pudesse demitir livremente o governador do banco: este transformar-se-ia num boy, e o BdP passaria a ser uma correia de transmissão governamental.
Defender a independência de Carlos Costa é, pois, defender a democracia.
E o mesmo vale para Teodora Cardoso.

Estamos a passar por um momento muito difícil.
Encurralado pela oposição no caso CGD-Centeno-Domingues, o Governo e os seus aliados de esquerda lançaram um formidável contra-ataque.

Primeiro, foi a ‘inventona’ dos 10 mil milhões.
É verdade que 10 mil milhões podem ter saído do país sem controlo do fisco (o que não quer dizer que não tenham pago os respetivos impostos) e isso deve ser esmiuçado até ao mais ínfimo pormenor para percebermos o que se passou.

Mas o facto de uma notícia velha de 8 meses ser relançada nas vésperas do debate parlamentar sobre a CGD não foi com certeza acidental.
Só os ingénuos podem acreditar que a sua republicação nessa altura foi uma coincidência.

Seguiu-se o ataque ao governador, com a repescagem de notícias dizendo que Carlos Costa foi alertado para as irregularidades no BES muito tempo antes de Ricardo Salgado ser afastado da presidência do banco.
Ora, toda a gente sabe que o processo de destituição de Salgado foi difícil e moroso.
Não esqueçamos que o BES era um banco privado, e o Banco de Portugal não podia do pé para a mão ‘correr’ com o presidente eleito pelos acionistas (com o risco suplementar de provocar uma corrida aos depósitos que poderia ser fatal).

Havia regras a cumprir e tudo teria de ser feito com imenso cuidado.
Ao contrário do que agora se diz, Carlos Costa teve a coragem de enfrentar Salgado contra a opinião de muito boa gente na altura.

Aliás, é interessante verificar que ainda há bem pouco tempo António Costa atacava Carlos Costa e Passos Coelho na questão do BES, quase os acusando de, ao tirarem o tapete a Salgado, terem liquidado o banco; agora, o governador é acusado do contrário: de não ter afastado Salgado mais cedo…

Julgo que estamos a passar por um momento politicamente muito sensível.
Os violentos ataques a dois órgãos de fiscalização do Governo – o Banco de Portugal e o Conselho das Finanças Públicas – são inaceitáveis numa democracia.

E a tentativa de envolver à força Passos Coelho no caso dos 10 mil milhões também não é séria.
António Costa é um político muito hábil – mas é um político perigoso.
A forma como afastou António José Seguro, o modo como subiu ao poder depois de ter perdido as eleições, mostram a sua capacidade e o seu maquiavelismo.

E acolitado por uma mulher como Catarina Martins, que de democrata não tem nada – julgo que ainda hoje verá Trotsky como um modelo –, ainda mais perigoso se torna.
O ambiente é de caça às bruxas.

Veremos se o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, se demarcará claramente dela.
Dito de outro modo, veremos se o Presidente se colocará ao lado das instituições independentes – ou se, na sua ânsia de apoiar o Governo, alimentará a vontade daqueles que as querem subverter.

Para já, foi muito infeliz e deselegante o modo como se referiu a Teodora Cardoso no caso do ‘milagre’.
Mas está sempre a tempo de alterar o seu comportamento.
Título e Texto: José António Saraiva, SOL, 12-3-2017
Realce: JP

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