Liberdade de
expressão? Dia sim, dia não...
Ninguém concordou com o cancelamento,
mas...
Francisco Teixeira da Mota
O mais chocante no episódio do
cancelamento da conferência do politólogo Jaime Nogueira Pinto na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, no meu
entender, não é a clamorosa inépcia do diretor da faculdade ao cancelar o
evento nem a ignorância liberticida dos jovens da associação de estudantes que
aprovaram uma moção no sentido do cancelamento. Sendo inaceitáveis as atitudes
da associação e do diretor numa sociedade democrática, importa sublinhar que a
favor do diretor abonam o seu invocado receio de confrontos físicos e o facto
de, no domínio do confronto político, o seu trabalho mais recente ser o livro A
mensagem política de Jeremias na crise de 609-587 antes de Cristo.
Em defesa dos jovens
esquerdistas, importa lembrar que há quem veja a juventude como uma doença, mas
que felizmente tem cura. Não partilho, seguramente, dessa opinião, mas
reconheço que a juventude, por vezes, é um problema. Neste caso concreto, os
jovens esquerdistas, face a uma organização direitista, decidiram aprovar uma
moção no sentido do cancelamento da conferência, nomeadamente porque os jovens
de direita se referiam à descolonização pós-25 de Abril de 1974 como um trágico
equívoco!
Será que para estes jovens a
descolonização tem de ser aceite por todos os portugueses como tendo sido
louvável e exemplar? Não há espaço público para os que consideram que a
descolonização foi um erro expressarem a sua opinião? E para os que defendem
que se deveria ter construído uma comunidade de nações lusas ou um Estado
Federal lusitano? Quiçá com a capital a circular rotativamente por Lisboa, Luanda
e Lourenço Marques? Será proibida a expressão pública das utopias de direita?
Para além dos amanhãs que cantam do comunismo, não é admissível sonharmos com
os africanos a dançarem o vira do Minho do fascismo? Não se pode ter uma imensa
saudade dos chineses vestidos de campinos à porta do Hotel Lisboa em Macau?
Parece que não. Segundo um dos
jovens censores, identificado como militante do Bloco de Esquerda, o
problema deles não era com o politólogo de direita, que até tencionavam
convidar para outros debates, mas sim com facto de, no seu entender, a
liberdade de expressão não é dizer tudo o que se quer!
Como é
evidente, ninguém concordou com o cancelamento do evento e foram numerosos os
comentadores que se pronunciaram com veemência contra esta triste negação do
espaço universitário. Mas, o que mais me chocou, foi ver surgir na praça
pública, como paladino da liberdade de expressão o político Manuel Alegre que veio lembrar os seus tempos de
estudante em Coimbra, no século passado, em que, segundo nos informou: havia
colóquios proibidos, mas isso era no tempo da ditadura. Em democracia não é
possível, porque a democracia é feita de debate e de pluralismo.
Parece este político querer fazer-nos esquecer que o ano passado, após
porfiados esforços, conseguiu nos
tribunais portugueses a condenação do
tenente-coronel piloto aviador João José Brandão Ferreira numa pena de
multa de 1 800 euros acrescida de uma indemnização de 25 mil euros por ter
escrito num blogue que o militante socialista era um traidor à Pátria, tendo
em conta o que considerava ter sido a atuação do cidadão Manuel Alegre como
membro da Frente Patriótica da Libertação Nacional aos microfones da “Rádio Voz
da Liberdade” em Argel.
Ora o que pensarão e diriam –
muito provavelmente se sobre isso fossem questionados – o politólogo em causa e
os direitistas jovens organizadores da conferência sobre o comportamento deste
político durante a guerra do ultramar? Como classificariam o facto de Manuel
Alegre na "Rádio Voz da Liberdade" com a sua tonitruante voz combater
o patriótico regime de Salazar/Caetano e apoiar os movimentos terroristas,
enquanto os soldados portugueses morriam às mãos dos guerrilheiros? Não
entenderão eles, muito provavelmente, que foi um traidor à Pátria? E,
pergunta-se (retoricamente) ao político Manuel Alegre, não podem ter esse
entendimento? E expressá-lo publicamente ao abrigo da sua liberdade de
expressão?
Moral da história: não se pode
dizer Je suis Charlie à terças, quintas e sábados e Pas du tout
às segundas, quartas e sextas, deixando os domingos para ir à caça.
Texto: Francisco Teixeira da Mota, Público,
10-3-2017
Realces: JP
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-