Rui Ramos
Há quinze anos, desde que a crise
orçamental começou em 2001-2002, que todas as épocas de bonança têm sido apenas
a calma antes da próxima tempestade. Vai agora ser diferente?
Já não são só os
situacionistas mais ferrenhos que estão encantados com a sorte do país: segundo
o INE, é quase toda a gente. Como poderia ser de outra maneira? Leia-se a
imprensa. Tudo está transfigurado: a emigração, que no tempo de Passos Coelho
era uma imensa tragédia, é agora, com António Costa, uma espécie de programa
Erasmus, muito interessante para os jovens.
Nada disto é surpreendente.
Nos anos 70, 80 e 90, os portugueses habituaram-se a viver entre épocas de
prosperidade e momentos de recessão. As recessões foram geralmente breves e
deram lugar a períodos mais longos de crescimento económico. Bastava, para
fazer a ponte, um temporário “aperto de cinto”. Por isso, desde que a crise de
financiamento do Estado foi detectada, em 2001-2002, que estamos à espera da
próxima maré de riqueza.
Em 2004, Santana Lopes foi o
primeiro a decretar o fim dos “sacrifícios”. Em 2005, com José Sócrates, só o
optimismo passou a ser permitido. Tirando o Dr. Medina Carreira e poucos mais,
toda a gente fingiu não reparar que a taxa de crescimento da economia
portuguesa era a mais baixa da Europa, num mundo de economias que cresciam como
nunca. A dívida começou então, graças ao euro, a compensar a anemia portuguesa:
de 2001 a 2008, duplicou.
O país pôde assim permitir-se
a maior dose de irrealidade da sua história. Em 2008, quando começou a grande
recessão, Sócrates decidiu que Portugal era um “oásis”. Tudo ruía lá fora.
Aqui, planeavam-se aeroportos, comboios de alta-velocidade, mais autoestradas.
Em 2009, os funcionários públicos obtiveram o maior aumento deste século, e
Sócrates ganhou as eleições. Portugal não era a Grécia. A banca portuguesa era
a mais sólida da Europa. De repente, aterrou a troika. Porquê, se tudo estava a
correr tão bem? Segundo Sócrates, só para derrubarem o governo.
Agora, tudo está ainda melhor.
O PCP e o BE, outrora partidos antissistema, apoiam o sistema. Louçã está
conselheiro. Não há “populistas”. O presidente da república é o fã número um do
governo. Os bancos foram salvos. Os turistas têm calçadas novas em Lisboa. Nos
estúdios das televisões, vagas sucessivas de comentadores ajoelham diante da
“habilidade” de Costa. O que falta para a felicidade total? Pouca coisa, talvez
uns dois ou três extermínios (Carlos Costa, Teodora Cardoso e, já agora, Passos
Coelho).
No meio desta harmonia
universal, é preciso má vontade para lembrar que o défice foi obtido com
medidas extraordinárias e temporárias, e com base na maior despesa pública e na
maior carga fiscal de todos os tempos. Que a economia cresceu menos do que em
2015, e cerca de metade da economia de Espanha, aqui ao lado. Que a dívida
continua a aumentar e que sem o BCE ninguém a compraria, a não ser a juros
impossíveis.
Como diria Pirro, mais um
brilharete orçamental destes, e estamos perdidos. Mas num país envelhecido, em
que todas as mudanças suscitam desconfiança e medo, que fazer? Caímos num
impasse duplo: num impasse político, porque os partidos europeístas estão
divididos, e o governo assenta numa maioria que recusa reformas; e num impasse
económico, porque a carga fiscal não pode diminuir, pelo risco de perder o financiamento
do BCE, e a alocação de recursos também não, pelo perigo de descontentar as
clientelas com que se tem boa opinião e ganham eleições.
O país está assim
completamente dependente das políticas monetárias europeias. Acontece que essas
políticas estão a ser contestadas em toda a Europa do Norte. O que nos resta?
Talvez acreditar que Angel Merkel sobrevive e vai continuar a aceitar-nos os
défices. E no fim? No fim, vamos provavelmente dizer que os malandros da
“direita radical” arranjaram uma crise para deitar abaixo António Costa.
Porque, claro, tudo estava a correr muito bem.
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