Rui Ramos
António Costa aceitou a tutela europeia, a
influência comunista e a presidencialização do regime, porque este é um governo
fraco, com um primeiro-ministro derrotado em eleições e dependente do BCE
Na passada quarta-feira, na
Assembleia da República, António Costa foi involuntariamente revelador. Não se
limitou a enaltecer os “bons resultados” de 2016. Entusiasmou-se com a “paz
social”, vibrou com a “cooperação institucional”, e lamentou apenas que a
oposição, em vez de se unir ao governo em ação de graças, estivesse a provocar
uma “crispação” que, afinal, “não existe”.
Valerá a pena examinar todos
estes elementos um por um — “resultados”, “paz”, “cooperação” e “crispação” –
porque ficaremos com o retrato completo deste governo.
Os “bons resultados” traduzem
duas coisas: por um lado, o repúdio pelo governo da ideia de resolver a crise
de financiamento do Estado simplesmente através do estímulo da procura interna;
por outro lado, a tutela europeia, que obrigou a um novo ajustamento, através
de medidas extraordinárias e temporárias, para garantir um défice que, mesmo
assim, é dos mais altos da Europa e não preveniu a continuada ascensão da
dívida pública. Ou seja, os “bons resultados” consistem, do ponto de vista
daquilo que o PS defendeu entre 2011 e 2015, na descaracterização da governação
e na sua submissão total à Comissão Europeia.
A “paz social” é um eufemismo
rebuscado para a acalmação dos grevistas do PCP e dos esganiçados do BE. PCP e
BE chegaram aflitos a 2015. Dispuseram-se, por isso, a deixar passar as
políticas europeias que garantem o financiamento do Estado, em troca do
regresso à área do poder, donde tinham sido expulsos pelo PS de Mário Soares em
1976. “Paz social” consiste, assim, em consentir na influência e na infiltração
de partidos antidemocráticos que não mudaram de ideias (veja-se o prefácio de
Louçã ao livro de Simon Sebag Montefiore sobre Estaline), nem de métodos
(veja-se o cancelamento da conferência de Jaime Nogueira Pinto na Universidade
Nova de Lisboa).
A “cooperação institucional” é
ainda mais curiosa. Podia referir apenas aquela boa vontade que um presidente
da república recente mostra a um governo igualmente recente. Mas tem sido muito
mais do que isso, uma autêntica saturação presidencial da atmosfera política,
com um presidente que está em todo o lado, aparece a todas as horas, e opina
sobre tudo. É verdade: o presidente não “ataca” o governo. Mas faz pior: fala
pelo governo, enreda-o e impõe-lhe termos de referência, como se estivéssemos
em França. Nenhum presidente, no primeiro ano de mandato, se impôs tanto a um
governo, parecendo abraçá-lo. Mas também nunca nenhum governo o consentiu desta
maneira.
O que a satisfação de António
Costa revelou na Assembleia da República é que está conformado com a tutela
europeia, a influência comunista e a presidencialização do regime. E está
conformado, porque este é o governo mais fraco de todos os tempos, com um
primeiro-ministro derrotado em eleições, e num país sem possibilidade de se
financiar, a não ser por caridade do BCE. É neste contexto que a “crispação que
não existe” faz sentido.
Daquilo que constou entretanto
do “caso dos offshores”, causa da próxima da “crispação que não existe”, é
legítimo suspeitar que o governo e a sua maioria tentaram sujar a liderança do
PSD, sabendo que estavam a ir para além do que a informação, naquele momento,
autorizava. Porquê? Porque ao atual governo convém desesperadamente uma
oposição fraca, e, portanto, precisa de destruir Passos Coelho dê por onde der,
tal como convêm entidades menos independentes, e daí o assédio ao Conselho de
Finanças Públicas e ao Banco de Portugal. Como pode viver um governo fraco,
senão tentando enfraquecer tudo à sua volta?
Título e Texto: Rui Ramos, Observador, 10-3-2017
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