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Já falamos (aqui e aqui) daquele que deve ser o mais feio dos erros de
português: as ênclises (pronome átono depois do verbo, como em “torna-se”)
erradas, cometidas por brasileiros que, tentando parecer chiques e usar uma
colocação típica do português de Portugal, acabam metendo o pronome após o
verbo em casos em que todos os portugueses usam o pronome antes do
verbo (“se torna”, como todo brasileiro), porque a gramática obriga a
próclise nesses casos.
No português brasileiro oral,
praticamente só ocorre uma única colocação espontânea: o pronome antes do verbo
(o que se chama próclise): eu me chamo; me diz
uma coisa; eu te disse.
Já no português de Portugal de
hoje (nem sempre foi assim), ocorrem, em aproximadamente metade dos
casos, ênclises – isto é, o pronome depois do verbo: eu
chamo-me; diz-me uma coisa; eu disse-te. Mas
em cerca de metade dos casos – quando há na frase, antes do verbo, qualquer uma
de uma série de palavras que “atraem” o verbo, como conjunções como a palavra “que”
ou advérbios como “também” -, os portugueses também usam,
obrigatoriamente nesses casos, a próclise: “Não me diga;
Eu também me chamo Roberto; O que eu te disse
foi que não“. Exatamente como os brasileiros.
E são tantos esses casos em
que há, na frase, alguma palavra que obriga o pronome a vir
antes do verbo, que na prática aproximadamente metade das frases escritas ou
ditas por um português usa a próclise – o pronome antes do
verbo. Nesses casos todos, a gramática diz que é errado usar a
ênclise. É um erro horrível, portanto, escrever ou dizer coisas como *Não
diga-me; *Eu também chamo-me; *o que eu disse-lhe.
São erros especialmente feios
porque conseguem ao mesmo tempo violar a gramática tradicional, do português de
Portugal, e também o português brasileiro oral. Em resumo, são erros feios que
só ocorrem quando alguém tenta artificialmente falar “difícil” – e falha.
Um caso desses acaba de ser
publicado no jornal O Estado de S. Paulo:
Advérbios como “só” obrigam
que o pronome venha antes do verbo. Todo português, culto ou inculto,
escreveria e diria “só se tornou”. Todo brasileiro naturalmente também diria,
corretamente, “só se tornou”. Mas o jornalista, querendo escrever de maneira
“chique”, acabou cometendo um erro de português.
E mais: palavras como “que”,
“onde”, “quando” e os advérbios que obrigam próclise (“só”, “também”, …)
continuam a obrigar próclise mesmo que haja outras palavras entre a
palavra atrativa e o pronome.
Ou seja, mesmo no caso
abaixo, extraído da Folha de S. Paulo, a
colocação está absolutamente errada. A única forma correta, tanto em Portugal
quanto no Brasil, nos dois casos, continuaria sendo “se tornou”:
Nessa frase da Folha
de S.Paulo, aliás, o erro é duplo: o “se” deveria vir obrigatoriamente
antes do verbo não apenas por causa da palavra “só”, mas também por causa do
“que” – palavra que, como já vimos, obriga a próclise.
Pode surpreender muitos
brasileiros, que foram mal ensinados na escola, que mesmo havendo vírgula logo
antes do verbo, mesmo com uma oração inteira intercalada, o pronome continua
devendo vir antes do verbo em casos como este:
Até hoje ele não sabe que o
filho, contra todas as expectativas, se divorciou logo
depois do casamento.
Sim; apesar de a maioria dos brasileiros cultos e que se
creem “bons de português” acreditar que, depois de vírgula, sempre se pode (ou
se deve) usar a ênclise, não. Foram mal ensinados na escola. Mesmo em casos
como o acima, com uma oração intercalada por duas vírgulas, aquele “que”
continua obrigando que o “se” venha antes de “divorciou”. Nada de
“divorciou-se”, portanto.
Em outras palavras: na dúvida,
é só não inventar: deixe o pronome antes do verbo, como lhe seria natural – “se
divorciou“, “se arrependeram“, etc.
E esse erro – esse uso de
ênclises erradas quando a norma culta obriga a próclise – é, aliás, muito comum
na Folha de S. Paulo, como se vê nos exemplos abaixo, todos tirados
do jornal – e todos absolutamente errados de acordo com a norma culta da
língua:
Quem sabe – se a consultora
linguística da Folha parasse de se preocupar em policiar se os jornalistas estão seguindo sua instrução de usar um acento desusado e ridículo em triplex, quem sabe aí, talvez, poderia
começar a se preocupar com esse erro de português de verdade, que parece passar
batido quase diariamente nesse jornal.
Título, Imagens e Texto: dicionarioegramatica.com
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